Papo de cinema
Luiz Carlos Merten: entre Rocco, dragão, ratos e loura (*)
Felipe Brida
Jornalista e crítico de cinema desde os anos 70, Luiz Carlos Merten “vive” intensamente a sétima arte todo o santo dia, seja na redação de o “Estadão”, onde escreve resenhas e edita reportagens, ou em seu apartamento, quando, sossegado, reserva um tempo para analisar um Resnais, um Glauber e ou mesmo um Hitchcock. Segundo Merten, “o cinema me inspira e instrui a minha vida”.
Confira abaixo um bate papo com o crítico de cinema, em entrevista exclusiva ao Notícia da Manhã, aonde o jornalista relembra os “eternos” filmes e retrata um pouco mais da paixão pela sétima arte.
NM – Merten, o senhor acompanha cinema desde criança ou é daqueles que adquiriu o hábito na faculdade, quando tinha de analisar filmes cults e históricos?
Merten – Sou o do primeiro grupo, que acompanha cinema desde a infância! A localização da minha casa ajudava muito: em Porto Alegre (RS), onde nasci, existiam salas e mais salas de cinema nos quarteirões vizinhos. Era bem acessível. Eu assistia a filmes, mas nunca fui de ser aficcionado (igual o amigo Rubens Ewald Filho) em anotar nomes e sinopses em cadernos. Eu “ingeria” cinema aos montes. Perdi a conta de quantos filmes vi. Na minha infância, fim dos anos 50, era diversão pura acompanhar chanchadas brasileiras, musicais da Metro e western da Republic. Depois, o gosto foi se sofisticando, você começa a ler sobre a sétima arte, a aprender com professores em faculdade e ser estimulado a refletir quando a obra é complexa. Mas o princípio foi o básico: eu mesmo aprendi a gostar de cinema na infância. Não havia tradição familiar, nem tios cinéfilos.
NM – Seria difícil apontar os “eternos” filmes?
Merten – Sem dúvida esta é uma questão difícil. Mas vamos tentar. Todas as pessoas que me conhecem sabem que o filme da minha vida é “Rocco e seus irmãos” (1960). Não que eu viva qualquer situação daquela retratada no filme de Luchino Visconti, porém, quando o assisti pela primeira vez em 1960 – ainda muito criança – a obra, que já era proibida devido à cena do estupro, causou-me um choque que durou semanas. Até hoje não entendo como consegui entrar no cinema, eu tinha 13 anos e era miúdo, franzino. Todas as vezes que revi o filme concebia novas leituras e sempre o teor me atingia. Hoje em dia “Rocco” virou utopia. Por exemplo, no final, quando na dissolução da família na cidade grande, Visconti bota aquela estrada da vida e o discurso de Ciro sobre o irmão pequeno que vai voltar para o país, que vai existir um mundo novo e melhor. Aquilo é de arrasar ainda mais se trouxermos a temática para os dias atuais, em referência a esse mundo caótico e violento que vivemos. “Rocco” faz parte das minhas lembranças mais profundas, meu imaginário mesmo. Não existe só este na lista; adoro “Rastros de ódio”, de John Ford, “Hiroshima, meu amor”, de Alain Resnais, e “Exodus”, de Otto Preminger. Gosto bastante “O dragão da maldade contra o santo guerreiro”, de Glauber Rocha. Só pra frisar, reconheço a importância da estética de Glauber no cenário do cinema no Brasil, porém este é seu único filme que me arrebata.
NM – E quanto ao cinema recente, quais produções que valem ser destacadas? Como avalia a safra de 2007?
Merten – Adorei o diálogo com o brega que o diretor brasileiro Carlão Reichenbach faz em seu recente “Falsa Loura”, até porque não andava curtindo os últimos filmes do diretor. Ele integra as metáforas visuais de forma genial e criativa. E o fato de o filme ser brega, ter aquele humor escrachado, não impede que as relações familiares da protagonista Silmara (grande interpretação da Rosanne Mulholland) com o pai atinjam maior carga de densidade dramática. Vi um filme em que pude me diverti, mas que também me emocionei. Curti muito “Estômago”, do diretor Marcos Jorge, com o magnífico João Miguel. A safra 2007 foi de bons filmes – não um arraso, mas de poucas e boas fitas que devem ser vistas. O alemão “A vida dos outros” e o chinês “Em busca da vida” podem ser mencionados como exemplo; fiquei embasbacado com “Pecados íntimos”, mas, sem sombra de dúvida, o melhor filme de 2007 foi “Ratatouille”. Amo loucamente esta animação da Pixar, dirigida por Brad Bird e que ganhou o Oscar de animação este ano. Viva “Ratatouille”!
Quem é
Crítico de cinema do Estadão desde 1989, Luiz Carlos Merten nasceu em Porto Alegre na segunda metade dos anos 40 e formou-se em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Autor de livros sobre cinema, Merten foi professor de Semiótica e Teoria da Comunicação na PUC-RS. Mantém, pelo Estadão, o blog “Uma geléia geral a partir do cinema”:
http://blog.estadao.com.br/blog/merten
(*) Entrevista publicada no jornal Notícia da Manhã, periódico de Catanduva, na edição do dia 05/09/2008. Fotos: divulgação.
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