segunda-feira, 28 de abril de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming - Parte 2


O contador 2
 
Nove anos depois de ‘O contador’ (2016), um filmaço de ação com Ben Affleck que dava um nó em nossa cabeça, Gavin O'Connor reuniu a mesma equipe para uma continuação, agora mais excitante. Mesmo com toda a complexidade da trama e das camadas dos personagens, o filme de ação e suspense é uma boa surpresa e acaba de estrear nos cinemas brasileiros pela Warner Bros. O astro Ben Affleck retorna no papel de Christian Wolff, um contador forense de mente brilhante e métodos nada ortodoxos para resolver crimes – agora o caso que cai em seu colo é o assassinato de seu ex-chefe (J.K. Simmons), um estranho crime cometido por bandidos desconhecidos. Ele é recrutado por uma agente do Tesouro americano (Cynthia Addai-Robinson) e para investigar as profundezas do caso se une ao irmão distante (Jon Bernthal), um ex-agente policial especializado em rastrear criminosos. Assim como o original, não é uma fita de consumo fácil, a história é complexa, trata do mundo das corporações e de negócios escusos, com muitos diálogos, e poucas, mas caprichadas sequências de ação. A escalação de elenco está preparada para entrar em jogo, num filme sólido, meticuloso, criativo.
 

 
Serra das Almas
 
Diretor de filmes brasileiros notórios da pós-Retomada, como ‘Baile perfumado’ (1997 – junto de Paulo Caldas) e ‘Árido movie’ (2005), o pernambucano Lírio Ferreira volta com todo seu lirismo e realismo em seu novo trabalho, ‘Serra das Almas’ (2024), thriller violento que se passa no interior de Pernambuco. Começa com um roubo de joias organizado por um grupo de desajustados, cujos líderes são dois amigos de infância, hoje traficantes. Perseguidos pela polícia, procurando esconderijo no meio do agreste, eles são vigiados por fantasmas do passado, e caem numa espiral de tormento. O confronto inicial é com a polícia e depois entre eles mesmos, deixando um rastro de crime. O filme mistura a estética poética do diretor, com fé e misticismo num agreste vivo, lugar de perpétua disputa, que absorve os personagens – ‘Serra das Almas’ foi gravado durante dois meses na região de Bezerros, no Pernambuco, e parte na capital, Recife, com um elenco afinado, que entrega tudo, com destaque para o quarteto central, Ravel Andrade, Davi Santos, Julia Stockler e Mari Oliveira. Nos cinemas pela Imagem Filmes. PS - Exibido em outubro de 2024 no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo, onde ganhou o Prêmio Netflix – depois de passar nos cinemas, a produção será exibida na Netflix de mais de 190 países, em breve.
 

 
Sobreviventes
 
José Barahona (1969-2024) foi um diretor e roteirista português, falecido recentemente no auge da carreira, em novembro do ano passado, após longa doença. Da área técnica de som partiu para a direção; dirigiu curtas no fim dos anos 90, dedicando a carreira ao documentário político/historiográfico, e mesmo doente, conseguiu finalizar seu último trabalho, o filme ficcional de drama coprodução Brasil e Portugal ‘Sobreviventes’ (2024), que acaba de ser lançado nos cinemas. Trazendo atores de lá, como Miguel Damião, e daqui, como Roberto Bomtempo, é uma história conflituosa que se passa no século XIX - um grupo sobrevive ao naufrágio de um navio negreiro e fica à mercê numa ilhota, na espera de resgate. Só que a tensão entre brancos e negros aumenta quando ficam sem comida, em meio a uma ilha inóspita, sem vegetação e pessoas. A discussão central é a tensão racial, uma metáfora do colonialismo e escravidão africana, feita em tom épico, com diálogos que lembram poesia, e encenado numa esplêndida fotografia em preto-e-branco. O roteiro é assinado pelo premiado escritor angolano José Eduardo Agualusa, a partir de uma ideia original de Barahona, que corroteiriza. A trilha sonora é do brasileiro Philippe Seabra, fundador da banda Plebe Rude, e em uma das faixas Milton Nascimento empresta sua voz. Exibido em festivais como IndieLisboa, Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e Festival de Cinema Brasileiro de Paris, chega aos cinemas pela Pandora Filmes.
 

 
Família
 
Diretor queer, Francesco Costabile realiza aqui seu trabalho mais pessoal, um filme que é um grito de socorro, inspirado em um complexo caso real. O jovem Luigi Celeste mora com a mãe e o irmão mais velho no subúrbio de Roma. O pai, Franco, está preso há nove anos, e a família rompeu o contato com ele, por ser um homem violento, que batia na esposa e ameaçava os filhos desde pequenos. Só que Franco sai da cadeia após cumprir a pena e tenta se reconciliar com a família, mas Luigi volta a sofrer os traumas da infância abusada. Sempre isolado, Luigi, como maneira de extravasar as tensões, entra em um grupo secreto de skinheads, que prepara uma série de ataques contra diversas minorias. Drama e suspense se intercalam num filme cult de primeira linha, numa história que dura 20 anos na vida dos personagens, entre os anos 90 e 2010 – são dois momentos, a primeira parte com a família em crise e as crianças pequenas, depois com os filhos crescidos e o pai preso, num ambiente marcado por traumas e dores, de abuso psicológico, de violência doméstica. É nessa parte que entra outro tema no filme, as organizações skinheads na Itália durante uma nova onda de neofascismo, quando o protagonista passa a integrar um dos movimentos extremistas. ‘Família’ (2024) é um filme duro, pesado, com resoluções difíceis. Venceu seis prêmios no Festival de Veneza, na Mostra Orizzonti, dentre eles melhor filme e melhor ator, o protagonista, o jovem de 22 anos que dá um show, Francesco Gheghi. Indicado ainda a oito prêmios no David di Donatello, o Oscar italiano, e exibido no Festival do Rio do ano passado. Todo o elenco está formidável, em especial os integrantes da família Celeste, com destaque para Francesco Gheghi, o Luigi, Barbara Ronchi como a mãe, Licia, Francesco Di Leva, o pai abusador, e Tecla Insolia, como Giulia, a namorada de Luigi. Inspirado no livro autobiográfico de Luigi Celeste, ‘Non sarà sempre così: La mia storia di rinascita e riscatto dietro le sbarre’. É da Imovision e está disponível na plataforma de streaming dela em parceria com o cinema Reserva Cultural, o Reserva Imovision.



domingo, 27 de abril de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas


A mais preciosa das cargas
 
Comovente animação franco-belga para público adulto, que foi exibida no maior festival de cinema animado do mundo, o Annecy, na França, ainda indicada à Palma de Ouro em Cannes e que infelizmente ficou fora da lista de finalistas ao Oscar de 2025. Digo que é para adultos, porque é um filme sério, triste, com poucos diálogos e se contextualiza no Holocausto. Um simplório lenhador e a esposa residem num casebre na floresta, enquanto o mundo se desespera com a Segunda Guerra Mundial. É frio, tudo está congelado. Um dia, a mulher encontra um recém-nascido abandonado na neve, após ser jogado pelos pais de um trem – trem esse que os levava para o campo de concentração. Ela carrega o bebê para casa, comprando um atrito com o marido, que não quer crianças. Aos poucos, o rude lenhador tem o coração amolecido pela criança, afeiçoam-se e passa a cuidar com carinho dela. A bebê cresce, vira uma menina zelosa, e em breve uma surpresa impensável baterá à porta daquela família. A Segunda Guerra e o Holocausto não eram evidentes até a chegada dos últimos trailers de cinema desse filme peculiar, e de fato essa questão vai se confirmado a partir da metade do filme. Conta com uma técnica de ilustração belíssima, inspirada nos quadros do pintor pós-impressionista francês Henri Rivière (1864-1951). É a primeira animação do diretor Michel Hazanavicius, mundialmente conhecido pelo filme que o consagrou com o Oscar de direção, ‘O artista’ (2011) – ele foi quem pintou os quadros para o longa, que demorou cinco anos para ser finalizado. Prepare-se emocionalmente para a terça parte, que é contundente, toca fundo na alma. Último trabalho de Jean-Louis Trintignant, que é o narrador – ele faleceu durante as gravações, em 2022. Assisti à animação no Festival do Rio de 2024, numa sessão lotada, aplaudida no fim. Curtinho, com apenas 81 minutos, saiu com classificação de 14 anos e está nos cinemas pela Paris Filmes.
 

 
12.12: O dia
 
Adiado três vezes desde janeiro de 2025, quando era para ter estreado nos cinemas brasileiros, o angustiante thriller político sul-coreano acaba de entrar em algumas salas, com distribuição pela Sato Company. Também visto como um docudrama, misturando forte comentário social, parte de uma história verídica, ocorrida em 1979, na capital Seul, logo após o assassinato do presidente do país Park Chung-hee, um general autoritário que ficou no poder por 18 anos. A Lei Marcial é decretada, e entra em curso um Golpe de Estado. Até o golpe ser dado pelos militares em 1980, dois grupos políticos entram em desavença, culminando com uma noite violenta, que marcou a História de Seul. Com imagens da época, cenografia realista que constituiu bunker e salas de generais, fotografia sombria, elenco caprichado e diálogos intensos, é um filme tenso, sobre os rumos de um país dividido, marcado por crises e violência institucional e disputado por facções políticas contrárias. O filme, que é de 2023, tornou-se muito atual e tem paralelo a Coreia do Sul de hoje – o país, desde dezembro de 2024, está sob uma nova Lei Marcial, decretada pelo presidente direitista e recém-impichado Yoon Suk Yeol; as ruas da capital e de outras cidades grandes estão tomadas por manifestações, algumas pacíficas, outras violentas que necessitaram de contenção policial, enquanto as eleições se aproximam, em junho. E tudo indica que o barril de pólvora continua aceso num dos países mais importantes da Ásia. Fez boa bilheteria nos cinemas da Coreia do Sul e agora está em circuito nos cinemas brasileiros. Representante da Coreia do Sul no Oscar 2025, ficou de fora do shortlist de melhor filme estrangeiro. É assinado pelos produtores dos filmes de ação sul-coreanos de sucesso ‘Infiltrados’ (2015) e ‘O homem ao lado’ (2020 – que trata do Presidente Park assassinado em 1979), escrito e dirigido pelo diretor de ‘A gripe’ (2013), Sung Soo Kim – segundo ele, presenciou boa parte dos fatos narrados no longa, quando tinha 19 anos.
 

 
Café, Pépi, Limão
 
Dirigido por Adler Kibe Paz e Pedro Léo Martins, o drama brasileiro narra a amizade de três jovens na periferia de Salvador, na Bahia, apelidados de Café, Pépi e Limão. Café está na capital em busca do pai preso, após fugir do interior por causa de uma vingança; a menina Pépi acaba de ser expulsa de casa pela mãe e está nas ruas; e Limão é um garoto em situação de vulnerabilidade que mora debaixo de um viaduto. O caminho dos adolescentes se cruza, e juntos criam conexão para superar os problemas diários e encontrar um sentido para suas vidas marcadas pela dor e falta de afeto. Com narrativa simples, é um filme delicado, sentimental, com pitadas de humor e que, no desenrolar, ganha intensa carga dramática. O filme marca também o território familiar destruído de cada um, como Café procurando o pai que está na cadeia, Pépi, alvo de estupro do pai/padrasto, mas que não pode falar nada para a mãe, e Limão que convive com uma mulher que cuida dele, mas é viciada em drogas. Infelizmente é um retrato doloroso de muitos jovens brasileiros. Rodado na Bahia, tem um elenco inteiro de lá – são rostos desconhecidos, mas bons atores, como o trio central, João Vitor Souza, Leonardo Lacerda e Mary Nascimento. Produzido pela DocDoma Filmes, chega aos cinemas de São Paulo e Salvador pela Kajá Filmes.



sábado, 26 de abril de 2025

Nota do Blogueiro

 
Cine Debate promove hoje sessão com premiada comédia dramática brasileira
 
O Cine Debate do Imes Catanduva exibe hoje, sábado, a comédia dramática brasileira inspirada em fatos verídicos ‘Pacarrete’ (2023), do cineasta cearense Allan Deberton. O filme venceu mais de 40 prêmios nacionais e internacionais, dentre eles o Kikito de Ouro em Gramado, além de outros sete prêmios nesse importante festival de cinema brasileiro. A sessão é gratuita e aberta ao público, a partir 14h, na sala de ginástica do Sesc Catanduva. A mediação do debate será feita pelo idealizador do Cine Debate, o jornalista, professor do Imes e do Senac e crítico de cinema Felipe Brida.
 
Sinopse: Tempos depois de deixar a cidade de Russas, no Ceará, para viver o sonho de ser bailarina clássica, Pacarrete (Marcélia Cartaxo) retorna para sua terra. Com o desejo de continuar expressando sua arte, ela terá de lidar com a rejeição dos moradores.

 
Cine Debate
 
O Cine Debate é um projeto de extensão do curso de Psicologia do IMES Catanduva em parceria o SESC e o SENAC Catanduva. Completa 13 anos em 2025 trazendo filmes cult de maneira gratuita a toda a população. Conheça mais sobre o projeto em https://www.facebook.com/cinedebateimes

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Especial de cinema


Cinema 'Blaxploitation'

A Versátil Homem Video acaba de lançar no mercado, em DVD, três boxes da Blaxploitation, contendo ao todo 15 longas-metragens. São eles 'Blaxploitation vol. 5', 'Blaxploitation vol. 6' e 'Obras-primas do terror - Blaxploitation'. Dentre os filmes que compõem as caixas estão 'O cafetão' (1973), 'Blackenstein' (1973), Inferno no Harlem (1973), 'Jones, o faixa preta' (1974), 'Car Wash: Onde acontece de tudo' (1976) e 'O genro do diabo'  (1977). A distribuidora também lançou um livro temático, '
Blaxploitation - Filmes essenciais', com 80 páginas. Nele há 13 textos escritos por jornalistas e críticos de cinema convidados - um deles é o meu, que segue abaixo, na íntegra.


Rudy Ray Moore, o furacão da Blaxploitation
 
Rudy Ray Moore (1927-2008) é o mais puro sinônimo da Blaxploitation. Ao lado de Melvin Van Peebles, Jim Brown, Richard Roundtree e Jim Kelly, estampou os principais filmes do cinema negro dos anos 70. Moore foi um multiartista completo: ator, comediante, roteirista, músico, produtor e cenógrafo (só não dirigiu). Nasceu no Arkansas, em uma família pobre que residia num vilarejo no campo. Ele e seis irmãos eram sustentados pelo pai, um minerador, e aos 15 anos partiu sozinho para trabalhar no mundo do entretenimento. Tinha verve o humor, por isso foi parar em clubes noturnos contando casos engraçados, uma espécie de comediante stand-up. Serviu o Exército, entre os soldados zoava e soltava anedotas, até que no fim dos anos 50 mudou-se para a Califórnia, onde foi contratado como balconista de uma loja de discos, a Dolphin, que também era uma gravadora. Ali, Moore se enfiou de cabeça no mundo da música, e como a loja em Hollywood era famosa, passeavam pelo local atores, atrizes e diretores de cinema. Ele dava uma mão a um DJ amigo que trabalhava numa rádio a poucas quadras da loja de discos, entrava vez ou outra no ar experimentando fazer piadas ao vivo. Em seguida tornou-se gerente da Dolphin. Gravou álbuns de rhythm and blues (R&B) nos anos 50 e 60, dando os primeiros passos para o reconhecimento artístico; mas o boom da carreira de Moore veio entre 1970 e 1971, quando do rhythm and blues sofisticado gravou discos com poemas malucos e piadas abusadas, chamados por ele de “monólogos de rap”, causando enorme falatório pelo palavreado e pelas capas dos álbuns, todas eróticas, com Moore seminu cercado de mulheres com peitos à mostra. Nas faixas, ele não media os palavrões e frases com duplo sentido. Nos três primeiros discos dessa nova fase da carreira - ‘Eat out more often’, ‘This pussy belongs to me’ e ‘The dirty dozens’, Moore introduziria um tipo que, num futuro bem próximo, usaria no cinema; seriam eles Dolemite e Petey Wheatstraw, protagonistas respectivamente dos filmes ‘Dolemite’ (1975) e ‘O genro do diabo’ (1977).
 

Dolemite – das ruas para as telas
 
Para criar Dolemite, Moore se inspirou nas piadas e poemas de rua de um bêbado de nome Ricco que frequentava a loja de discos Dolphin. O homem contava histórias fabulosas rimando tudo, então Moore adaptou as falas para o rádio. Quatro anos depois, em 1975, arriscaria todas suas economias para produzir a versão de ‘Dolemite’ para o cinema, numa época em que Hollywood vivia o auge da Blaxploitation, o cinema policial negro que contestava padrões e levava para o mercado atores e atrizes pretos para o protagonismo nas telas.
No documentário ‘I, Dolemite’ (2016, de Elijah Drenner), que vem como extra no box em DVD ‘Blaxploitation - volume 4’, da Versátil Home Video, o biógrafo de Rudy Ray Moore, Mark Jason Murray, comenta que para Moore realizar o filme ‘Dolemite’, juntou royalties da venda de seus discos, cerca de U$ 100 mil dólares na época.


Mesmo com o roteiro em mãos, escrito por um amigo que era ator, Jerry Jones, Moore não seguia as falas do jeito que estava no papel – ele costumava improvisar, lembrando de histórias e rimas, muitas delas infames.
‘Dolemite’ foi seu primeiro trabalho. Moore interpreta um cafetão que sai da cadeia com o objetivo de se vingar dos bandidos e policiais que o incriminaram indevidamente. Ele solta palavrões a cada minuto, fala e pensa em sacanagem, luta kung fu e inaugura uma boate para ganhar a vida, ao mesmo tempo em que procura seus algozes. Vie cercado de mulheres e armas. Por causa de ‘Dolemite’, Moore arrastou o apelido do personagem a vida toda, virou um alter-ego, até porque, por causa do tipo excêntrico de Dolemite, começou a se vestir com o mesmo figurino extravagante - ternos coloridos, óculos grandes, chapéu de lado e bengala. Bizarro, maluco e erótico, ‘Dolemite’ estreou tímido em poucas salas, em seguida, depois de muita negociação, entrou no circuito e fez bons milhões, surpreendendo Moore e a equipe. O público pedia mais Dolemite, então...


Dá-lhe, Dolemite. Agora um tornado!
 
O personagem-chave de Rudy Ray Moore, Dolemite (o nome é uma junção da pedra ‘dolomite’ com ‘dynamite’) ganharia uma continuação no ano seguinte. ‘O tornado humano’ (1976) traria Dolemite ainda mais malucão, com mais adrenalina na veia e sede de vingança. Agora, ele vai para a Califórnia para ajudar suas prostitutas e colegas a lutarem contra um mafioso branco. Pancadaria, tiros, carros em alta voltagem não faltam. E muitas cenas eróticas, com bundas femininas rebolando na tela, apimentam o longa-metragem. A direção mudou, mas manteve o tom nonsense e frenético do original – D'Urville Martin, que era ator, dirigiu o anterior, e aqui quem dirigiu foi Cliff Roquemore, que faria parceria com Moore em pelo menos dois outros trabalhos.
Tanto ‘Dolemite’ quanto ‘O tornado humano’ seguem a cartilha da Blaxploitation; filmes de baixo orçamento, recheados de gírias do gueto, muita violência, roupas chocantes, uma mensagem política e de poder advinda do movimento Black Power e a personalização das figuras negras como super-heróis ou anti-heróis. Já que os grandes estúdios fechavam as portas para os pretos, as produtoras menores faziam o trabalho, projetando-os, primeiramente, para as telas dos cinemas de pequeno circuito, o que os tornavam atores e atrizes cultuados, e depois em cinemas maiores. A representatividade acontecia com forte potência nos filmes inusitados e ousados da Blaxploitation. Josiah Howard, na introdução do seu livro ‘Blaxploitation Cinema: The essential reference guide’ (2008), diz que os filmes da Blaxploitation eram feitos de negros para negros, procurando atrair o público preto para as salas e ali na tela mostrar os reais problemas da sociedade. Em artigo científico, o professor da Universidade de Washington Zachary Manditch-Prottas concorda com a explicação acima e, utilizando como base esse livro de Josiah Howard, relata que “o termo Blaxploitation funcionou inicialmente como um canal carregado para debates críticos sobre as implicações psicológicas e políticas da representação negra na tela nos últimos anos da era dos direitos civis”.


Moore e o diabo
 
Um ano depois de ‘O tornado humano’, Rudy Ray Moore ficaria frente a frente com o demônio. Isso porque seu novo filme seria ‘O genro do diabo’ (1977), uma engraçadíssima e controversa comédia macabra em tom autobiográfico, dirigida novamente por Cliff Roquemore - no original, ‘Petey Wheatstraw’. O filme começa com uma prece em poesia, do diabo negro, depois mostra o nascimento de Petey – a mãe, enorme de gorda, deitada na cama, conversa com o obstetra, que pergunta se dali vai nascer um elefante, pelo tamanho da barriga. Petey nasce já menino grande, com seis anos, como ‘Macunaíma’ - e até há uma referência direta com ‘Frankenstein’, quando o obstetra grita ‘It’s alive’. O menino sai batendo no médico e no pai, por perturbá-lo todos os dias na barriga da mãe. Ele cresce aprendendo artes marciais no fundo de um quintal, sob os ensinamentos de um mentor. Vira um comediante em boates, sai de Miami para Los Angeles e se torna conhecido. Certo dia, é fuzilado por bandidos na frente de uma igreja batista ao sair de um culto – ele e dezenas de amigos e familiares morrem. Então, um homem chega, estica a mão para Petey e o leva ao inferno, para ressuscitá-lo e fazer uma proposta de uma nova vida. Ele então renasce com um terno absurdamente invocado e uma bengala mística, como se fosse um cajado com poderes, é devolvido para a Terra, porém terá de se casar com a filha do diabo, uma mulher horrenda. ‘O genro do diabo’ reúne os elementos de vários gêneros absorvidos pela Blaxploitation – artes marciais e kung fu que estavam na moda no cinema americano da época, influenciado por Bruce Lee e pela ‘Bruceploitation’; o cinema de máfia, como em ‘Dolemite’, o terror sobrenatural e satânico etc. E há momentos sublimes musicais, com a trilha de Mary Love, cantora de soul e gospel, que performa quatro canções, incluindo a dos letreiros iniciais, ‘Petey Wheatstraw’.


Os filmes com Rudy Ray Moore e a Blaxploitation como um todo inovou o cinema, diversificou temas e lutou contra o preconceito racial abrindo portas para pretos e pretas. A Blaxploitation ressignificou fitas de máfia, como ‘O chefão de Nova York’ (1973), filmes de terror com ‘Blacula’ (1972) e ‘Blackenstein’ (1973), musicais etc. com inovações técnicas, figurinos exuberantes que foram marcadores de tempo, com gente usando boca de sino e ternos roxos, cabelões black power e mulheres de roupa sexy.
 
Mais sobre Rudy
 
Rudy Ray Moore ganhou três apelidos durante a carreira: ‘Rei da Blaxploitation’, ‘Rei do entretenimento underground’, ambas as alcunhas devido a seus filmes B de ação vulgares, rudes e violentos, e ‘Padrinho do Rap’, por ter gravado 30 álbuns com músicas de rap contendo pregações cômicas e que estão nos créditos de parte de seus filmes - tendo influenciado Snoop Dogg e Blowfly, por exemplo.
Atuou em 18 filmes; além dos já citados, fez ‘The Monkey Hu$tle’ (1976), ao lado de Yaphet Kotto, ‘Disco godfather’ (1979), ‘Penitentiary II’ (1982) e ‘Ricas e gloriosas’ (1997), com Halle Berry. Voltaria a interpretar Dolemite, seu personagem mais famoso, em clipes musicais para diversos rappers, como Snoop Dogg, no filme para home vídeo ‘Shaolin Dolemite’ (1999) e no final de carreira em ‘O retorno de Dolemite’ (2002).
Ator talentoso e virtuoso, Moore morreu em 2008, aos 81 anos, de complicações da diabetes.

quinta-feira, 24 de abril de 2025

Resenhas especiais


Os fora-da-lei

Detetive em Seul, Ma Seok-do (Ma Dong-seok) encara a tarefa de investigar duas gangues rivais que tocam o terror nas ruas da capital da Coreia do Sul. Ele tentará facilitar as facções a fazer um acordo de paz enquanto disputam territórios da cidade.
 
K-action de primeira linha rodado nas ruas de Seul, é uma fita sul-coreana explosiva, de 18 anos, devido à violência, com um dos astros mais notados do país, o ator Ma Dong-seok, apelidado de Don Lee. O filme fez tanto sucesso na Ásia que ganhou três continuações, que depois tiveram distribuição nos cinemas brasileiros, abrindo a franquia ‘The roundup’, aqui ‘Força bruta’. ‘Os fora-da-lei’ é inspirado em um fato real, o ‘Incidente de Heuksapa’, ocorrido em 2007, que envolveu uma disputa territorial com o Sindicato do Crime da China na região de Guro, em Seul. Por semanas, lojas foram saqueadas e pessoas, espancadas e feridas - então um detetive entrou em jogo num trabalho duro de roer, de auxiliar na pacificação do território controlado por duas gangues, uma chinesa e outra sul-coreana. O filme tem lá seu lado dramático, do detetive e seus pensamentos/dilemas, mas a investida é na ação total, com brigas de ruas, porrada e artes marciais, modalidade de desportos de combate muitíssimo apreciado no país. O filme é bom passatempo, e as continuações foram ficando mais violentas. Também foi exibido na TV com o título de ‘Cidade do crime’. Disponível no Amazon Prime Video.

 
Os fora-da-lei (Beomjoidosi/ The outlaws). Coreia do Sul, 2017, 121 minutos. Ação. Colorido. Dirigido por Yunsung Kang. Distribuição: Paris Filmes
 
 
Força bruta
 
Na Coreia do Sul, o agente policial Ma Seok-do (Ma Dong-seok) e seu chefe, o capitão Jeon Il-man (Guy-hwa Choi), da Unidade Policial de Crimes de Geumcheon, recebem a missão de repatriar um fugitivo que reside no Vietnã. Ao aterrissarem no país, são informados de que um assassino em série que amedronta a população pode estar envolvido com o foragido que eles buscam.
 
Enorme sucesso nos cinemas sul-coreanos, o segundo filme da franquia ‘The roundup’, no Brasil ‘Força bruta’, conquistou espaço nas salas mundiais, e aqui teve distribuição pela Paris Filmes, em parceria com a Sato Company. Ação e artes marciais no mais autêntico gênero K-Action, as fitas de ação sul-coreanas, elevam esse filme-porrada, violento, mas também com charme e graça. Traz cenas de adrenalina máxima, num roteiro engenhoso, que empolga qualquer um que esteja assistindo. Ma Seok-do já é um rosto conhecido, fez filmes de sucesso na Coreia do Sul como ‘Invasão zumbi’ (2016), e seu personagem ganha os corações – ele é um policial grandalhão, de cara amarrada, sabe bater, porém tem coração generoso. Ele retorna ao papel do filme anterior, ‘Os fora-da-lei’ (2017), um detetive na caça de bandidos perigosos. Tanto ‘Os fora-da-lei’ quanto ‘Força bruta’ são inspirados em fatos verdadeiros; nesse segundo capítulo, a base para a história envolve turistas realmente sequestrados e assassinados no Vietnã. O detetive durão segue para lá para extraditar um foragido e tentar resolver os outros crimes.


Fita que funciona e não desagrada quem busca ação ininterrupta. Tem mais duas continuações, ‘Força bruta: Sem saída’ (2023) e ‘Força bruta: Punição’ (2024), todas com o ator Ma Seok-do em missões arriscadas pelo mundo.
 
Força bruta (Beomjoidosi 2/ The roundup). Coreia do Sul, 2022, 106 minutos. Ação. Colorido. Dirigido por Lee Sang-yong. Distribuição: Paris Filmes e Sato Company

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Especial de Cinema


Festival In-Edit Brasil anuncia data e divulga pôsteres da edição 2025
 
O ‘In-Edit Brasil – Festival Internacional do Documentário Musical’ promove esse ano sua 17ª edição, de 11 a 22 de junho, em São Paulo. Ontem os organizadores do festival também divulgaram, no Instagram, quatro pôsteres do evento, que já é tradicional em São Paulo. Haverá também parte da programação de filmes em plataformas de streaming. O festival tem programação gratuita. Na edição de 2024 foram 60 filmes em exibição, todos inéditos no circuito comercial, reunindo longas e curtas-metragens de vários países. Dentre os longas se destacaram ‘Black Rio! Black Power!’, ‘Mandinga’, ‘O homem crocodilo’, ‘Luiz Melodia – No Coração do Brasil’, ‘Misty – The Erroll Garner story’, ‘Joan Baez: I am a noise’, ‘Dusty & Stones’ e ‘Terra de ciganos’, exibidos em 10 salas da capital paulista, como CineSesc, Cine Bijou, SPcine Olido e Cinemateca Brasileira; a programação incluiu ainda shows, exposições, feira de vinil e livros, encontros e bate-papos com convidados especiais.
O In-Edit Brasil tem patrocínios como Itaú, Prefeitura de São Paulo, SPcine, Colombo Agroindústria e Caravelas, e parceria com dezenas de institutos culturais, como Goethe Institut e Cinemateca Brasileira. É uma realização do Ministério da Cultura, In Brasil Cultural, Sesc e Governo do Estado de São Paulo. Paralelamente ocorrem edições do In-Edit em cinco países - Espanha, Chile, Países Baixos, Grécia e México. Conheça mais sobre o Festival In-Edit Brasil no instagram https://www.instagram.com/ineditbrasil/ e no site oficial https://br.in-edit.org. Abaixo um dos 
pôsteres do evento.



 

terça-feira, 22 de abril de 2025

Resenha especial - Nos cinemas


Pecadores
 
Arrebatador, o novo filme de Ryan Coogler renova a parceria com o astro Michael B. Jordan – os cinco longas do diretor são com o ator, da estreia em ‘Fruitvale Station: A última parada’ (2013) até o anterior, ‘Pantera Negra: Wakanda para sempre’ (2022), passando por ‘Creed Nascido para Lutar’ (2015) e ‘Pantera Negra’ (2018). O trailer, até antes da estreia, na semana passada, não revelava o exato teor da obra; sabíamos que era um policial com terror. Nessa altura do campeonato, não é segredo falar que é uma fita de vampiro, mas um filme de vampiro inteligente, com forte crítica social, sangrento e ousado. Misturando ação e horror, carrega traços de ‘Um drink no inferno’ (1996). Michael B. Jordan performa papel duplo, de irmãos gêmeos travando uma luta contra a Ku Klux Klan e também contra um bando de vampiros brancos. A história se desenrola durante a Lei Seca, na década de 30, no estado do Mississipi. Os gêmeos Smoke e Stack, na tradução no Brasil Fumaça e Fuligem, são dois gângsteres temidos, que querem abandonar o crime. Para tanto, retornam para a cidade de suas raízes e se reaproximam da família. Gerenciam uma casa de blues (estilo musical condenado na época, que representava o canto dos escravos), até que um dia três desconhecidos - dois homens e uma mulher, todos brancos, com instrumentos musicais nas mãos, surgem na porta do local, com comportamento ameaçador. A partir daí, os personagens são tragados para uma descida ao inferno, em que enfrentarão uma legião de sugares de sangue. Não é um filme comum, traz uma mistura eclética de gêneros e temas, com uma crítica social envolvendo segregação racial, e trata ainda da formação do blues e da ancestralidade negra. Visionário, o diretor Ryan Coogler investe num novo formato de terror vampiresco, com pano de fundo real, e com equipe composta essencialmente por pessoas pretas. Há cenas que ficam ressoando na mente, como a da dança principal na casa de blues, em que a câmera gira em torno dos personagens, compostos por homens e mulheres vestindo figurino dos anos 30, mas interagindo com rappers e artistas da nova música afro, rompendo com a diegese. As sequências com os vampiros são assustadoras, algumas sanguinárias. Além de Jordan, há no elenco atores em bom momento, como Delroy Lindo e Wunmi Mosaku, fortes candidatos ao Oscar de coadjuvantes em 2026, e Jack O'Connell como o sinistro líder dos vampiros. Ah, e esse é um filme obrigatório para se ver no cinema, com som bem alto! Em exibição pela Warner Bros.





segunda-feira, 21 de abril de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming – Parte 3

 
Mente perturbada
 
Com forte mercado consumidor de cinema, China e Hong Kong despontam na lista dos maiores produtores de filmes do mundo. Em 2024, os dois países realizaram 800 filmes, boa parte deles de ação e terror, gêneros que atraem o olhar do numeroso público jovem.  Porém, os filmes circulam mais na Ásia, e nós, aqui no Brasil, temos menos acesso às produções. Nos últimos anos a Netflix e os festivais de cinema feitos no Brasil trazem em sua programação fitas chinesas e honconguesas, como é o caso desse bom exemplar de horror psicológico ‘Mente perturbada’ (2023) – disponível para aluguel ou compra em streamings como Prime e AppleTV. É também um drama familiar com elementos místicos da cultura chinesa. São sete dias na vida de um jovem que retorna para Hong Kong, sua cidade natal, para visitar a mãe gravemente hospitalizada. Ele se hospeda no apartamento onde cresceu, localizado num condomínio suburbano antigo. Aos poucos, estranha a vizinhança e começa a ter visões sobrenaturais, de vultos pretos, principalmente à noite. Certo dia, acolhe um garotinho, que mora com a mãe no prédio, e descobre que ele também vê fantasmas. Com o tempo a relação dos dois personagens se fortalece, e entendemos o passado do protagonista, repleto de angústia e medo devido às visões que tem desde criança. Misturando drama, terror e suspense, o filme honconguês tem clima assustador, com tom sobrenatural, reforçado pelos cenários claustrofóbicos, dentro de um condomínio sujo, de quartos pequenos, onde as pessoas não são o que aparentam. Chama a atenção o elenco, com os veteranos Tai-Bo, de ‘Police story’ (1985), e Yuk Ying Tam, de ‘Infiltrado’ (2016), e de uma atriz que nunca mais vi, a chinesa Bai Ling, que fez carreira em seu país, mas nos anos 90 participou de grandes produções americanas, como ‘O corvo’, Justiça vermelha’ e ‘Anna e o rei’.
 

 
Limonov: O camaleão russo (2024)
 
Conheci o cinema do russo Kirill Serebrennikov na Mostra Internacional de Cinema de SP, em 2018, quando assisti à empolgante biografia musical ‘Verão’ (2018), premiada em Cannes. Impressionei-me pela narrativa desconstrutiva e o visual excêntrico, um preto-e-branco invadido por letreiros e balões coloridos. Fiquei atento a esse diretor, também roteirista de seus filmes, pouco falado no Brasil – ele tem 55 anos, produziu clipes musicais de bandas russas dos anos 90, e seu primeiro trabalho apresentado no Brasil foi o anterior a ‘Verão’, o drama ‘O estudante’ (2016). Não parei mais de ver seus trabalhos – ele lança um longa por ano, e depois de ‘Verão’ vieram ‘A febre de Petrov’ (2021), ‘A esposa de Tchaikovsky’ (2022) e ‘Limonov: O camaleão russo’ (2024), todos exibidos no Festival de Cannes e com exibição nos cinemas do Brasil. ‘Limonov’ é seu filme mais anárquico, com uma trama voraz, uma biografia do escritor, poeta e jornalista nascido na União Soviética, num território hoje ucraniano, Eduard Veniaminovich Limonov (1943-2020), que se envolveu com política e chegou a ser banido da Rússia. De ideias radicais e libertárias, tido como delinquente por alguns, Eddie, como era chamado, teve uma vida agitada, na Rússia e em outros países onde morou – o filme acompanha as peripécias dele pelo mundo. O britânico Ben Whishaw, um ator camaleônico, que interpreta papeis inusitados, fora do eixo, entra com tudo no papel de Limonov, com uma verve explosiva misturando humor, insensatez e melancolia, tudo o que rondava o interior desse autor russo inconformado com o mundo, que produzia seus textos críticos a partir dessa frustração. Limonov integrou o movimento Konkret dos anos 60, depois foi para o punk, teve muitas mulheres, e na década seguinte, no exílio nos Estados Unidos, trabalhou como mordomo e, numa passagem polêmica do filme, foi morar nas ruas com mendigos, onde teve caso com um deles. Mudou-se para Paris nos anos 80, trabalhou com jornalismo de moda, e com a queda do Muro de Berlim, voltou para a Rússia, onde fundou um partido de orientação bolchevique, virando ídolo dos jovens. Político, engajado, é um filme cáustico, com uma atuação soberba de Whishaw, que faz um trabalho sério, que conta com muitos, mas muitos diálogos. E o diretor traz seus elementos técnicos, com passagens em preto-e-branco e letreiros coloridos em stop-motion.
Baseado no livro best-seller de Emmanuelle Carrère, publicado em 2011, está nos cinemas pela Pandora Filmes, que vem lançando nas salas bons filmes de festivais e de gêneros variados – só nesse ano foram ‘Girassol vermelho’, ‘Quando chega o outono’, ‘Máquina do tempo’, ‘A voz que resta’, ‘Trilha sonora para um golpe de Estado’, ‘Redenção’ e ‘Encontro com o ditador’.
PS - O próximo filme do diretor será apresentado em Cannes em maio desse ano, ‘The disappearance of Josef Mengele’ (2025).

domingo, 20 de abril de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming – Parte 2

 
O rei dos reis
 
Animação religiosa que alcançou números impressionantes de bilheteria, obtendo U$ 20 milhões somente no fim de semana de estreia nos Estados Unidos na semana passada, ‘O rei dos reis’ chega ao Brasil nos cinemas – e pelo mundo vem fazendo uma boa campanha. Com distribuição da Angel Studios, distribuidora cristã fundada em 2021 nos Estados Unidos e que lançou ao mercado a série de sucesso ‘The chosen’ – recém-rompida com a Angel, o filme traz o escritor britânico Charles Dickens narrando para seu filho Walter, antes de dormir, a trajetória de Jesus Cristo - e o garoto se imagina dentro dessa história. Por trás disso, a história é real e pouco conhecida do público, que se tornou pública e notória apenas recentemente - realmente, Dickens, autor de ‘Oliver Twist’ e ‘Um conto de natal’, escreveu um livro infantil para seu filho sobre a vida de Cristo. Isso por volta de 1846, porém a obra foi publicada apenas em 1934, 65 anos após a morte do autor, de título ‘A vida de nosso Senhor’. A animação, então, reimagina esses fatos misturando com a jornada de Cristo, do nascimento até a crucificação. É um filme que carrega – é de se notar pelo teor das obras cristãs da Angel - um lado moralizante/instrutivo/educativo que, confesso, não funciona para mim. Mas sei que muita gente consome, assiste e indica. Dirigido por um sul-coreano, Seong-ho Jang, que faz aqui sua estreia após trabalhar como animador de efeitos visuais – o filme é produzido por uma empresa coreana, Mofac Studios, e reúne um time de nomes consagrados: Kenneth Branagh (como Charles Dickens), Uma Thurman (como Catherine Dickens), Oscar Isaac (como Jesus Cristo), Ben Kingsley (como Caifás), Forest Whitaker (como o apóstolo Pedro), Pierce Brosnan (como Pôncio Pilatos) e Mark Hamill (como o Rei Herodes). No Brasil a dublagem conta com Guilherme Briggs e Luiz Carlos de Moraes, por exemplo. Quem escreve é Rob Edwards, corroteirista das animações ‘A princesa e o sapo’ (2009) e ‘Sneaks: De pisante novo’ (2025, que está nos cinemas também). No Brasil a distribuição nas salas é pela Heaven Content, outra distribuidora de filmes cristãos.
 


 
Bolero – A melodia eterna
 
Ex-atriz nos anos 70 e 80, Anne Fontaine se dedica à direção desde a década de 90, e já assinou filmes franceses admiráveis, como ‘Agnus dei’ (2016) e ‘Marvin’ (2017). No Brasil, acaba de ser lançado nos cinemas seu novo trabalho, inspirado em fatos verídicos, ‘Bolero – A melodia eterna’, exibido na última edição do Festival Varilux de Cinema, em novembro de 2024. Com roteiro dela, adaptado de um ensaio do musicólogo Marcel Marnat, o drama musical reúne trechos da vida do compositor e pianista francês Maurice Ravel (1875-1937), focando, como o próprio título induz, na criação de sua obra-prima, ‘Bolero’. O contexto é a Paris da década de 20, quando Ravel, apaixonado por música desde criança, agora aos 50 anos, recebe o convite da dançarina ucraniana Ida Rubinstein para escrever uma parte do balé em que ela estava envolvida. Sem inspiração, Ravel se agarra a fatos passados, revisita a infância e juventude, lembrando os traumas da Primeira Guerra e do amor não correspondido de sua musa, Misia Sert, que era patrona das artes, e assim começa a planejar ‘Bolero’, que demorou três meses para ser escrito. Concebido originalmente como uma peça de orquestra sem música, foi lançado em 1928 e se tornaria uma das músicas mais tocadas no mundo, que já foi tema de vários filmes – na abertura, temos a dimensão disso, com versões de ‘Bolero’ pelo mundo, instrumentais e cantadas por indianos, japoneses, espanhóis etc. O filme tem uma riqueza de figurinos e uma fotografia que realça o visual de Paris dos anos vibrantes da efervescência cultural. Exibido no Festival de Rotterdã, o drama, coprodução França/Bélgica, conta com um bom elenco, como Raphaël Personnaz, de ‘Anna Karenina’ (2012), como Ravel, Doria Tillier, de ‘Monsieur & Madame Adelman’ (2017), como Misia, Jeanne Balibar, de ‘Os miseráveis’ (2017), como Ida, e uma breve participação de Vincent Perez, de ‘A rainha Margot’ (1994). Em cartaz nos cinemas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Vitória, Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Salvador e Recife, com distribuição da Mares Filmes.
 


 
Born in flames
 
O Sesc Digital, plataforma de streaming do Sesc lançado em 2020, na pandemia, resgata filmes cult esquecidos e disponibiliza os títulos de forma gratuita para apreciação do público. Está no acervo ‘Born in flames’, intitulado no Brasil como ‘Nascidas em chamas’, um documentário/ficção de 1983 exibido nos festivais de Nova York, Toronto e Berlim (onde ganhou prêmio especial), cuja trama transcorre num futuro distópico nem tão longe assim. Com a chamada ‘Segunda Revolução Cultural’, ou ‘Revolução Cultural, Social e Democrata Norte-americana’, um movimento pacífico, de orientação socialista, expande-se em Nova York o Exército das Mulheres, após o assassinato de sua líder, Adelaide Norris (Jean Satterfield), uma mulher negra de ideias radicais. Figuras femininas de classes sociais e gêneros se juntam para refundar a sociedade americana, lutando contra o racismo, a homofobia e a misoginia. Elas fazem manifestações pelas ruas, dão entrevistas e chacoalham a mente das pessoas com suas novas propostas de se pensar identidade, sexualidade e liberdade. Misturando videoclipes com fantasia, ficção científica, cenas reais da agitada Nova York dos anos 80 e entrevistas falsas – é também um ‘mockumentary’, um falso documentário, que virou um marco do cinema independente, um cinema de guerrilha/revolucionário e feminista, feito pela diretora Lizzie Borden, que depois voltaria a fazer filmes provocativos sobre sexismo como ‘As profissionais do sonho’ (1986). Traz participação das atrizes Florynce Kennedy e Adele Bertei e uma pontinha da cineasta Kathryn Bigelow como uma editora de jornal. Disponível no Sesc Digital até hoje, em ótima cópia, preservada pelo Anthology Film Archives com a restauração financiada pela Hollywood Foreign Press Association e The Film Foundation.



sábado, 19 de abril de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming – Parte 1

 
Abá e sua banda (2024)
 
Se você gosta de filmes de animação, prestigie esse caprichado longa-metragem brasileiro, exibido nas últimas edições dos festivais de Gramado e Rio e na Mostra Internacional de Cinema de SP e premiado em festivais no exterior. Na história, o príncipe Abá, que é um abacaxi adolescente, de 13 anos, foge do castelo onde mora para realizar seu sonho: ele quer ser músico. Seus dois melhores amigos, que também são músicos, Juca, um caju, e Ana, uma banana, partem com ele para uma incrível jornada em busca daquele ideal. Eles se preparam para um festival de música, porém são confrontados com Don Côco, um vilão maquiavélico que pretende acabar com os pomares da região. Com muita aventura e música, o filme, educativo e com mensagem ecológica, valoriza a cultura brasileira com canções alegres, que carregam brasilidade, além das formas e cores que remetem ao nosso país. É uma animação graciosa que mescla 3D e 2D, apropriada para todos os públicos, mais ainda indicada às crianças pela linguagem e ludicidade. Tem como diretor um expert em animação, que já fez curtas e seriados nesse formato, Humberto Avelar, e conta com vozes de Filipe Bragança, Robson Nunes, Carol Valença, Zezé Motta e Rafael Infante. Produzido pela Fraiha Produções em coprodução com Globo Filmes, Gloob e RioFilme, por meio da RioFilme. Distribuição nos cinemas pela Manequim Filmes.
 

 
‘Não sou eu’ e ‘Alegoria urbana’
 
A Mostra Internacional de Cinema de SP volta às telonas nesse fim de semana em três salas brasileiras de cinema. Com distribuição do Filmes da Mostra, dois filmes da edição de 2024 entram em cartaz: ‘Não sou eu’ (2024), de Leos Carax, e ‘Alegoria urbana’ (2024), de Alice Rohrwacher e JR. No primeiro filme, o cineasta francês realizador de ‘Holy motors’ (2012) e ‘Annette’ (2021) Leos Carax faz mais uma obra pessoal e transcendental, dessa vez um autorretrato que junta documentário e ficção. Realizado a pedido do Centro Cultural Pompidou, de Paris, o diretor, por meio da pergunta ‘Onde você está, Carax?’, tenta responder o questionamento com imagens aleatórias, com colagens e trechos de seus filmes e de vídeos caseiros, além de cenas de bastidores de seus premiados longas. É uma nova fase do universo criativo de Carax, que completa 45 anos de carreira. Exibido nos festivais de Cannes e San Sebastián, é um média-metragem experimental de 42 minutos, para público inserido em cinema de arte. Pode ser visto em sessão dupla com o curta ‘Alegoria urbana’. Neste segundo programa, também francês, a cineasta italiana Alice Rohrwacher, de ‘Feliz como Lázaro’ (2018), em parceria com o fotógrafo, artista visual e diretor JR, traz um conto urbano a partir do Mito da Caverna, de Platão – uma criança de sete anos observa uma série de acontecimentos numa cidade efervescente, mas que por vezes parece estacionada no tempo. A criança se desprendeu das correntes da caverna e agora se integra naquela sociedade moderna. Repleto de simbologias e significados, é um filme só com imagens e poucos diálogos, de apenas 21 minutos, típico de festivais de cinema. Ambos em exibição nos cinemas do IMS Paulista, IMS Poços de Caldas e no Cine Arte UFF, em Niterói/RJ.


quinta-feira, 17 de abril de 2025

Especial de Cinema

 
‘É Tudo Verdade’ segue até o dia 30 no streaming com 10 curtas-metragens
 
O Festival Internacional de Documentários ‘É Tudo Verdade’ 2025 terminou no último domingo, dia 13, após 11 dias de evento. Nesse ano o festival, que chegou em sua 30ª edição, exibiu gratuitamente 85 filmes de 30 países, em sessões no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na cerimônia de encerramento, na Cinemateca, na noite do dia 12, foram apresentados os vencedores do evento 2025. ‘Copan’ e ‘Escrevendo Hawa’ ganharam os prêmios principais, respectivamente nas categorias ‘Competição Brasileira de Longas ou Médias-Metragens’ e ‘Competição Internacional de Longas ou Médias-Metragens’. ‘Sukande Kasáká / Terra doente’ e “Eu sou a pessoas mais magra que você já viu?” foram eleitos, respectivamente, os melhores curtas-metragens brasileiro e internacional. E quem não pode estar presencialmente no festival poderá conferir até o dia 30/04 a uma seleção especial de 10 curtas com exclusividade no streaming Itaú Cultural Play, todos gratuitos. É uma parte do festival disponível ao grande público, com exibição de seis títulos da competição brasileira de curtas nacionais deste ano e quatro curtas antigos dirigidos por Vladimir Carvalho, documentarista homenageado na edição 2025 do ‘É Tudo Verdade’. Segue, abaixo, a programação no Itaú Cultural Play, que pode ser acessado pelo link https://www.itauculturalplay.com.br
 

Competição brasileira de curtas-metragens 2025
 
A Bolha
Direção: Caio Baú
Brasil | 18’ | 2025
 
Cartas pela Paz
Direção: Mariana Reade, Thays Acaiabe e Patrick Zeiger
Brasil | 26’ | 2024
 
Chibo
Direção: Gabriela Poester e Henrique Lahude
Brasil | 18’ | 2024
 
Dois Nilos
Direção: Samuel Lobo e Rodrigo de Janeiro
Brasil | 18’ | 2024
 
Mergulho no Escuro
Direção: Anna Costa e Silva e Isis Mello
Brasil | 28’ | 2024
 
Sobre Ruínas
Direção: Carol Benjamin
Brasil | 17’ | 2025
 
 
Curtas em homenagem a Vladimir Carvalho
 
Romeiros da Guia
Brasil | 15’ | 1962
 
A Bolandeira
Brasil | 10’ | 1969
 
Incelência para um Trem de Ferro
Brasil | 25’ | 1972
 
A Pedra da Riqueza
Brasil | 16’ | 1975
 
 
Filmes conferidos no ‘É Tudo Verdade’ de 2025
 
Abaixo seguem drops de documentários que conferi no festival ‘É Tudo Verdade’ de 2025 – alguns deverão ser lançados nos cinemas e no streaming ao longo do ano.
 
Os ruminantes
 
Estreou no Festival Internacional de Documentários ‘É Tudo Verdade’ ‘Os ruminantes’ (2025), de Tarsila Araújo e Marcelo Cordeiro de Mello, filme em que o roteirista/cineasta Jean-Claude Bernardet relembra a produção que ficou inacabada de ‘A hora dos ruminantes’, uma adaptação cinematográfica do complexo livro do escritor goiano José J. Veiga, idealizado por ele e pelo cineasta Luiz Sergio Person em 1967. No doc, Bernardet relembra o projeto, as dificuldades para o roteiro e para a produção, os entraves com a Ditadura Militar – já que a obra seguiria os passos do livro com sua história simbólica e crítica àquele período, trazendo uma ampla discussão sobre os percalços de se fazer cinema no Brasil, ainda mais numa época rígida de vigilância e censura nos anos 60 e 70. Marina Person, filha do cineasta falecido prematuramente e também diretora e roteirista de cinema e TV, fala em nome do pai, trazendo pontos nunca antes citados sobre Person, alguns deles chocantes quando revela documentos secretos e inéditos de como o pai, alvo de militares no Brasil, foi banido quando tentou fazer cinema em Hollywood, devido ao contato de militares da ditadura com gente influente de Hollywood. Com depoimentos de Bernardet, Marina e de outros nomes que fazem cinema no Brasil, o documentário é um estudo instigante sobre o cinema brasileiro daquele período.
 

 
Lan, o caricaturista
 
De Pedro Vinicíus, o documentário, gravado pouco antes do falecimento do caricaturista ítalo-brasileiro Lanfranco Aldo Ricardo Vaselli Cortellini Rossi Rossini, ou apenas Lan (1925-2020), faz um resgate da trajetória desse incrível artista no Brasil, conhecido pelos desenhos humorísticos de forte teor político. Ninguém escapava das mãos de Lan, cujos traços únicos, poderosos, criavam formas impressionantes. Nômade - por causa do pai instrumentista membro de orquestra sinfônica, morou na infância e juventude em diversos países, como Uruguai e Argentina, lugar este que o acolheu e lá iniciou os primeiros trabalhos como caricaturista em jornais, aos 20 anos de idade. Até se instalar definitivamente em 1952 no Rio de Janeiro, onde colaborou para jornais de grande circulação, como O Globo, Última Hora e Jornal do Brasil. No filme, Lan e sua esposa, a ex-passista da Portela Olívia Marinho, abrem as portas de sua bucólica residência em meio a matas em Petrópolis, no Rio, para relembrar o passado. Lan mostra álbuns antigos de fotografia e recortes de jornais com suas caricaturas. Portanto, é um filme pessoal e íntimo, de extrema leveza, um dos raros filmes que celebram a caricatura como instrumento artístico e também de contestação por meio do humor.
 


Copan
 
O gigantesco edifício Copan, fincado na avenida Ipiranga, no centro de São Paulo, é o personagem central desse filme-mosaico interessantíssimo, que agrega elementos notórios em sua produção, como fotografia, som e edição. Coprodução Brasil e França, dirigido por Carine Wallauer, o filme, grande vencedor do ‘É Tudo Verdade’ desse ano, na ‘Competição Brasileira de Longas ou Médias-Metragens’, acompanha histórias de moradores e funcionários do antigo prédio, inaugurado em 1966, cuja arquitetura singular de linhas sinuosas foi concebida por Oscar Niemeyer. É considerado o edifício com maior estrutura de concreto armado do país, em seus 115 metros de altura, 32 andares e 1160 apartamentos divididos em seis blocos – e lá residem pessoas de diferentes classes sociais, sem contar os mais de 70 estabelecimentos comerciais. A câmera fica estacionada observando a rotina das pessoas no edifício, dentro e fora dos apartamentos – o filme foi gravado durante a campanha presidencial de 2022, e muito traz desse ambiente, tratando da disputa acirrada entre os candidatos Lula e Bolsonaro, e os ânimos exaltados de apoiadores dos dois lados. O filme faz um reflexo sobre desigualdade social e a questão da moradia na maior cidade da América Latina. O início e o término do filme se completam com uma gravação impressionante, acredito eu que de drone, que lentamente se aproxima do edifício e, no desfecho do doc, vai se afastando. Um dos melhores longas do festival ‘É Tudo Verdade’ de 2025, tem como distribuidora a Vitrine Filmes, que deve lançá-lo em breve nos cinemas. Exibido no CPH:DOX, importante festival de documentários, em Copenhagen.
 

 
Estrada azul – A História de Edna O’Brien
 
Doc irlandês de 2024, assinado por Sinéad O'Shea, sobre a escritora feminista Edna O’Brien (1930-2024) e a relação dela com suas tramas polêmicas e engajadas, que dividiam opiniões. Os romances de Edna focavam na libertação da mulher de uma sociedade misógina e machista, e alguns deles ficaram famosos, como ‘The country girls’ - estreia da escritora em 1960, primeira parte de uma trilogia e que foi banido da Irlanda por ser considerado escandaloso ao tratar da vida sexual das mulheres. O filme traz depoimentos de amigos próximos, como o ator e também escritor Gabriel Byrne e o romancista Walter Mosley, e tem a própria Edna contando fatos de sua carreira, bastante debilitada na época da gravação, aos 93 anos – ela faleceria meses depois. Mostra tanto o lado poético e criativo dela ao escrever seus livros e também da agitada vida social adotada, quando fazia festas em sua elegante residência em Londres, onde participavam Marlon Brando, Jane Fonda e Paul McCartney. Edna faleceu endividada e sozinha, deixando um legado na literatura escrita por mulheres. Quem narra o filme é a atriz indicada ao Oscar por ‘A filha perdida’ (2021) Jessie Buckley. Gostei demais do longa e espero que seja lançado no Brasil após o percurso no Festival ‘É Tudo Verdade’.
 
 
Esperando por Liat
 
Para mim, o melhor documentário internacional que conferi no festival ‘É Tudo Verdade’, possível candidato ao Oscar de melhor documentário em 2026. Produção norte-americana ganhadora de dois prêmios no Festival de Berlim, dentre eles o do Júri Ecumênico na seção ‘Forum’, o doc narra a angustiante jornada de uma família israelense, que reside nos Estados Unidos, à espera de notícias da filha, Liat Atzili, uma professora de História sequestrada juntamento com o marido pelo grupo terrorista Hamas, em outubro de 2023. Em meio a telefonemas incessantes em embaixadas e negociação na Casa Branca, o pai de Liat corre contra o tempo para encontrar uma solução para trazer a filha de volta. Em casa, a mãe de Liat cuida dos netos adolescentes, filhos da mulher sequestrada, e é amparada pelos amigos. É um documentário íntimo, dentro do seio de uma família despedaçada numa espera atordoante – durante o longa-metragem, ouvimos, por telefone, informações sobre o Hamas libertando reféns aos poucos, avisando familiares por meio de listas, e o nome de Liat nunca chega. Por isso é um filme duro, aflitivo, que nos prende até o emocionante desfecho, como se fosse um filme de suspense, mas um suspense das tragédias reais da vida.
 
 
A invasão
 
Premiado em dezenas de festivais de cinema pelo mundo, como Cannes, o cineasta russo Sergei Loznitsa acaba de receber indicação à Palma de Ouro pelo novo trabalho, ‘Two prosecutors’ (2025), ainda sem data para estrear no Brasil. Diretor e roteirista criador de filmes históricos, muitos de guerra, como ‘Na neblina’ (2012), ‘Maidan’ (2014) e ‘Donbass’ (2018), Loznitsa alterna filmes de ficção e documentários. A obra anterior a ‘Two prosecutors’ é esse ‘A invasão’ (2024), doc que concorreu ao Golden Eye em Cannes e que analisa a insana guerra da Rússia contra a Ucrânia e os desdobramentos da invasão de um país ao outro. Coprodução EUA/Holanda/França, o filme é composto por breves fragmentos da rotina dos ucranianos, que tentam reconstruir seu território destroçado por um interminável conflito bélico com a Rússia, que começou em 2014, porém se intensificou com a invasão ao país em 2022, episódio que deixou milhares de mortos e milhões de desabrigados – os números são incertos. No filme, que é bem longo (145’) e exige atenção e paciência do público menos inserido em fitas de arte, vemos um longo processo de captação de imagens sublimes, algumas caóticas e outras poéticas – são civis e soldados ucranianos sendo treinados para a guerra, de sobreviventes que voltaram do conflito sem partes do corpo e hoje fazem fisioterapia, professores que preparam os alunos para fugir quando ouvirem sirene de ataque aéreo, manifestações nas ruas pelo fim da guerra, casamentos e cortejos fúnebres, habitantes de cidades sob escombros recolhendo pertences etc. Sem focar em cenas de violência visual como bombardeios e mortos pelo chão, o filme é um estudo psicológico dos traumas de uma guerra, do mal moral de um conflito insano que nunca cessa, de pessoas inocentes reconstruindo suas vidas. O registro das imagens é preciso, algumas cenas são curiosas, outras realmente contundentes e parte delas simbólicas. Filmado num período de dois anos, é uma crônica sobre a resistência ucraniana.
 

 
O jardineiro, o budista e o espião
 
Coprodução Reino Unido/Noruega/Alemanha de 2025, dirigido por um premiado cineasta norueguês, Håvard Bustnes, é um documentário instigante que fala sobre identidade e espionagem. Rob Moore, produtor de programas de comédia na TV britânica, é hoje um cidadão solitário, que mora só, autodeclara-se budista, faz meditações e cuida minuciosamente do jardim de sua residência. Só que seu passado guarda segredos obscuros - por cinco anos forjou ser jornalista se infiltrando num grupo de ativistas que lutavam contra o uso do amianto, um minério cancerígeno usado em diversos produtos industriais, atualmente proibido em vários países. Ele sempre defendeu que lutava contra a corrupção e contra essa indústria milionária que poluía e matava pessoas, porém investigações mostraram que ele agia como espião da máfia da indústria do amianto. Sua versão é contestada a partir de reportagens da grande mídia. Moore, no filme, dá entrevistas para um jornalista, defendendo-se de todas as acusações contra ele. Fica a pergunta: Moore é bandido ou herói? Bom filme do Festival ‘É Tudo Verdade’, que exige atenção pelas reviravoltas uma atrás da outra, compondo uma incrível e estranha história.


Estreias da semana - Nos cinemas e no streaming - Parte 2

  Na teia da aranha   Exibido no Festival de Cannes (fora da competição) e depois no Festival do Rio, chega agora aos cinemas brasileiros pe...