O contador 2
Nove anos depois de ‘O
contador’ (2016), um filmaço de ação com Ben Affleck que dava um nó em nossa cabeça,
Gavin O'Connor reuniu a mesma equipe para uma continuação, agora mais excitante.
Mesmo com toda a complexidade da trama e das camadas dos personagens, o filme
de ação e suspense é uma boa surpresa e acaba de estrear nos cinemas
brasileiros pela Warner Bros. O astro Ben Affleck retorna no papel de Christian
Wolff, um contador forense de mente brilhante e métodos nada ortodoxos para resolver
crimes – agora o caso que cai em seu colo é o assassinato de seu ex-chefe (J.K.
Simmons), um estranho crime cometido por bandidos desconhecidos. Ele é
recrutado por uma agente do Tesouro americano (Cynthia Addai-Robinson) e para investigar
as profundezas do caso se une ao irmão distante (Jon Bernthal), um ex-agente policial
especializado em rastrear criminosos. Assim como o original, não é uma fita de consumo
fácil, a história é complexa, trata do mundo das corporações e de negócios escusos,
com muitos diálogos, e poucas, mas caprichadas sequências de ação. A escalação
de elenco está preparada para entrar em jogo, num filme sólido, meticuloso, criativo.
Serra das Almas
Diretor de filmes
brasileiros notórios da pós-Retomada, como ‘Baile perfumado’ (1997 – junto de
Paulo Caldas) e ‘Árido movie’ (2005), o pernambucano Lírio Ferreira volta com todo
seu lirismo e realismo em seu novo trabalho, ‘Serra das Almas’ (2024), thriller
violento que se passa no interior de Pernambuco. Começa com um roubo de joias organizado
por um grupo de desajustados, cujos líderes são dois amigos de infância, hoje
traficantes. Perseguidos pela polícia, procurando esconderijo no meio do agreste,
eles são vigiados por fantasmas do passado, e caem numa espiral de tormento. O
confronto inicial é com a polícia e depois entre eles mesmos, deixando um
rastro de crime. O filme mistura a estética poética do diretor, com fé e misticismo
num agreste vivo, lugar de perpétua disputa, que absorve os personagens – ‘Serra
das Almas’ foi gravado durante dois meses na região de Bezerros, no Pernambuco,
e parte na capital, Recife, com um elenco afinado, que entrega tudo, com
destaque para o quarteto central, Ravel Andrade, Davi Santos, Julia Stockler e
Mari Oliveira. Nos cinemas pela Imagem Filmes. PS - Exibido em outubro de 2024
no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo, onde ganhou o Prêmio Netflix –
depois de passar nos cinemas, a produção será exibida na Netflix de mais de 190
países, em breve.
Sobreviventes
José Barahona (1969-2024)
foi um diretor e roteirista português, falecido recentemente no auge da
carreira, em novembro do ano passado, após longa doença. Da área técnica de som
partiu para a direção; dirigiu curtas no fim dos anos 90, dedicando a carreira
ao documentário político/historiográfico, e mesmo doente, conseguiu finalizar
seu último trabalho, o filme ficcional de drama coprodução Brasil e Portugal
‘Sobreviventes’ (2024), que acaba de ser lançado nos cinemas. Trazendo atores
de lá, como Miguel Damião, e daqui, como Roberto Bomtempo, é uma história
conflituosa que se passa no século XIX - um grupo sobrevive ao naufrágio de um
navio negreiro e fica à mercê numa ilhota, na espera de resgate. Só que a
tensão entre brancos e negros aumenta quando ficam sem comida, em meio a uma
ilha inóspita, sem vegetação e pessoas. A discussão central é a tensão racial, uma
metáfora do colonialismo e escravidão africana, feita em tom épico, com
diálogos que lembram poesia, e encenado numa esplêndida fotografia em preto-e-branco.
O roteiro é assinado pelo premiado escritor angolano José Eduardo Agualusa, a
partir de uma ideia original de Barahona, que corroteiriza. A trilha sonora é do
brasileiro Philippe Seabra, fundador da banda Plebe Rude, e em uma das faixas
Milton Nascimento empresta sua voz. Exibido em festivais como IndieLisboa,
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e Festival de Cinema Brasileiro de
Paris, chega aos cinemas pela Pandora Filmes.
Família
Diretor queer, Francesco
Costabile realiza aqui seu trabalho mais pessoal, um filme que é um grito de
socorro, inspirado em um complexo caso real. O jovem Luigi Celeste mora com a
mãe e o irmão mais velho no subúrbio de Roma. O pai, Franco, está preso há nove
anos, e a família rompeu o contato com ele, por ser um homem violento, que batia
na esposa e ameaçava os filhos desde pequenos. Só que Franco sai da cadeia após
cumprir a pena e tenta se reconciliar com a família, mas Luigi volta a sofrer
os traumas da infância abusada. Sempre isolado, Luigi, como maneira de extravasar
as tensões, entra em um grupo secreto de skinheads, que prepara uma série de ataques
contra diversas minorias. Drama e suspense se intercalam num filme cult de
primeira linha, numa história que dura 20 anos na vida dos personagens, entre
os anos 90 e 2010 – são dois momentos, a primeira parte com a família em crise
e as crianças pequenas, depois com os filhos crescidos e o pai preso, num
ambiente marcado por traumas e dores, de abuso psicológico, de violência
doméstica. É nessa parte que entra outro tema no filme, as organizações
skinheads na Itália durante uma nova onda de neofascismo, quando o protagonista
passa a integrar um dos movimentos extremistas. ‘Família’ (2024) é um filme
duro, pesado, com resoluções difíceis. Venceu seis prêmios no Festival de
Veneza, na Mostra Orizzonti, dentre eles melhor filme e melhor ator, o
protagonista, o jovem de 22 anos que dá um show, Francesco Gheghi. Indicado ainda
a oito prêmios no David di Donatello, o Oscar italiano, e exibido no Festival
do Rio do ano passado. Todo o elenco está formidável, em especial os
integrantes da família Celeste, com destaque para Francesco Gheghi, o Luigi, Barbara
Ronchi como a mãe, Licia, Francesco Di Leva, o pai abusador, e Tecla Insolia,
como Giulia, a namorada de Luigi. Inspirado no livro autobiográfico de Luigi
Celeste, ‘Non sarà sempre così: La mia storia di rinascita e riscatto dietro le
sbarre’. É da Imovision e está disponível na plataforma de streaming dela em
parceria com o cinema Reserva Cultural, o Reserva Imovision.
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