A mais preciosa das
cargas
Comovente animação
franco-belga para público adulto, que foi exibida no maior festival de cinema
animado do mundo, o Annecy, na França, ainda indicada à Palma de Ouro em Cannes
e que infelizmente ficou fora da lista de finalistas ao Oscar de 2025. Digo que
é para adultos, porque é um filme sério, triste, com poucos diálogos e se contextualiza
no Holocausto. Um simplório lenhador e a esposa residem num casebre na
floresta, enquanto o mundo se desespera com a Segunda Guerra Mundial. É frio, tudo
está congelado. Um dia, a mulher encontra um recém-nascido abandonado na neve,
após ser jogado pelos pais de um trem – trem esse que os levava para o campo de
concentração. Ela carrega o bebê para casa, comprando um atrito com o marido,
que não quer crianças. Aos poucos, o rude lenhador tem o coração amolecido pela
criança, afeiçoam-se e passa a cuidar com carinho dela. A bebê cresce, vira uma
menina zelosa, e em breve uma surpresa impensável baterá à porta daquela família.
A Segunda Guerra e o Holocausto não eram evidentes até a chegada dos últimos
trailers de cinema desse filme peculiar, e de fato essa questão vai se
confirmado a partir da metade do filme. Conta com uma técnica de ilustração belíssima,
inspirada nos quadros do pintor pós-impressionista francês Henri Rivière (1864-1951).
É a primeira animação do diretor Michel Hazanavicius, mundialmente conhecido
pelo filme que o consagrou com o Oscar de direção, ‘O artista’ (2011) – ele foi
quem pintou os quadros para o longa, que demorou cinco anos para ser
finalizado. Prepare-se emocionalmente para a terça parte, que é contundente,
toca fundo na alma. Último trabalho de Jean-Louis Trintignant, que é o narrador
– ele faleceu durante as gravações, em 2022. Assisti à animação no Festival do
Rio de 2024, numa sessão lotada, aplaudida no fim. Curtinho, com apenas 81
minutos, saiu com classificação de 14 anos e está nos cinemas pela Paris
Filmes.
12.12: O dia
Adiado três vezes desde
janeiro de 2025, quando era para ter estreado nos cinemas brasileiros, o angustiante
thriller político sul-coreano acaba de entrar em algumas salas, com
distribuição pela Sato Company. Também visto como um docudrama, misturando forte
comentário social, parte de uma história verídica, ocorrida em 1979, na capital
Seul, logo após o assassinato do presidente do país Park Chung-hee, um general autoritário
que ficou no poder por 18 anos. A Lei Marcial é decretada, e entra em curso um
Golpe de Estado. Até o golpe ser dado pelos militares em 1980, dois grupos
políticos entram em desavença, culminando com uma noite violenta, que marcou a
História de Seul. Com imagens da época, cenografia realista que constituiu bunker
e salas de generais, fotografia sombria, elenco caprichado e diálogos intensos,
é um filme tenso, sobre os rumos de um país dividido, marcado por crises e violência
institucional e disputado por facções políticas contrárias. O filme, que é de
2023, tornou-se muito atual e tem paralelo a Coreia do Sul de hoje – o país, desde
dezembro de 2024, está sob uma nova Lei Marcial, decretada pelo presidente direitista
e recém-impichado Yoon Suk Yeol; as ruas da capital e de outras cidades grandes
estão tomadas por manifestações, algumas pacíficas, outras violentas que necessitaram
de contenção policial, enquanto as eleições se aproximam, em junho. E tudo
indica que o barril de pólvora continua aceso num dos países mais importantes
da Ásia. Fez boa bilheteria nos cinemas da Coreia do Sul e agora está em
circuito nos cinemas brasileiros. Representante da Coreia do Sul no Oscar 2025,
ficou de fora do shortlist de melhor filme estrangeiro. É assinado pelos produtores
dos filmes de ação sul-coreanos de sucesso ‘Infiltrados’ (2015) e ‘O homem ao
lado’ (2020 – que trata do Presidente Park assassinado em 1979), escrito e
dirigido pelo diretor de ‘A gripe’ (2013), Sung Soo Kim – segundo ele, presenciou
boa parte dos fatos narrados no longa, quando tinha 19 anos.
Café, Pépi, Limão
Dirigido por Adler Kibe
Paz e Pedro Léo Martins, o drama brasileiro narra a amizade de três jovens na
periferia de Salvador, na Bahia, apelidados de Café, Pépi e Limão. Café está na
capital em busca do pai preso, após fugir do interior por causa de uma vingança;
a menina Pépi acaba de ser expulsa de casa pela mãe e está nas ruas; e Limão é
um garoto em situação de vulnerabilidade que mora debaixo de um viaduto. O
caminho dos adolescentes se cruza, e juntos criam conexão para superar os
problemas diários e encontrar um sentido para suas vidas marcadas pela dor e
falta de afeto. Com narrativa simples, é um filme delicado, sentimental, com pitadas
de humor e que, no desenrolar, ganha intensa carga dramática. O filme marca também
o território familiar destruído de cada um, como Café procurando o pai que está
na cadeia, Pépi, alvo de estupro do pai/padrasto, mas que não pode falar nada
para a mãe, e Limão que convive com uma mulher que cuida dele, mas é viciada em
drogas. Infelizmente é um retrato doloroso de muitos jovens brasileiros. Rodado
na Bahia, tem um elenco inteiro de lá – são rostos desconhecidos, mas bons
atores, como o trio central, João Vitor Souza, Leonardo Lacerda e Mary
Nascimento. Produzido pela DocDoma Filmes, chega aos cinemas de São Paulo e
Salvador pela Kajá Filmes.
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