sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Resenha Especial


Conhecendo o cinema de Leni Riefenstahl - parte 2

O triunfo da vontade

Documentário sobre o ‘6º Congresso Nacional-Socialista Alemão’, realizado em Nuremberg em 1934 e liderado por Adolf Hitler. Conhecido como o ‘6° Congresso do Partido Nazista’, reuniu mais de 35 mil pessoas e tornou-se uma das maiores armas da propaganda nazista.

Filme-propaganda da Alemanha Nazista encomendado por Adolf Hitler, muito estudado e comentado devido à estética inovadora, milimetricamente planejada pela cineasta Leni Riefenstahl (1902-2003). Leni dirigiu, escreveu, produziu, montou e ajudou na fotografia desse documentário opulento, cuja ideia era documentar os primeiros anos da NSDAP, o Partido Nazi, fundado duas décadas antes.
Tudo é grandiloquente no documentário – da ópera pomposa do alemão Richard Wagner aos zepelins pelos céus, das paradas grandiosas com desfiles de cavalos e carros alegóricos ao batalhão inumerável de soldados enfileirados em perfeita harmonia. Uma manifestação catártica do povo alemão diante da figura de Hitler e do alto escalão do Reich. Ali vê-se o torpor das massas, movidas pelos discursos fascinantes do Führer, que aos poucos foi levando a Alemanha para a barbárie, definindo a essência do que foi o nazismo.
Leni era uma esteta, sabia de enquadramento e montagem como ninguém, e o filme fala por si só sobre a parte técnica. Ela coloca a câmera no chão, usa e abusa de plongée e contra-plongée, recorre a gruas para captar imagens do alto etc. Por isso foi um filme ousado e ambicioso numa época em que o cinema ainda era mudo e não havia os recursos de hoje. Consta que Leni utilizou 30 câmeras e contratou 120 técnicos de som e de imagem pra captar os comícios em Nuremberg; ela demorou seis meses para editar o filme, e as quase duas horas de duração da versão final representam apenas 3% do material bruto, ou seja, o total de captação era de quatro mil horas de imagens.
Leni tinha carta branca de Hitler para fazer o filme; na exibição da obra pronta, ela teve atritos com Goebbels, o ministro da propaganda nazista, que detestou o resultado; mas Hitler gostou, usando a obra para glorificar o movimento nazista - depois da Segunda Guerra, o longa foi banido da Alemanha e proibido em alguns países. Grande parte das imagens que conhecemos dos discursos de Hitler e Goebbels vieram desse filme.
A cineasta sempre se defendeu dizendo que não imaginava os rumos do Nazismo na 2ª Guerra – seu filme, por retratar a alienação do povo alemão diante de Hitler, ajudou a espalhar discursos de ódio que depois seriam usados para unir a Alemanha e justificar perseguição aos judeus – as falas de Führer já mencionavam a raça ariana, o povo alemão como divino, e ele, Hitler, como uma presença onipotente, de um líder escolhido por Deus.
Apesar de Leni nunca ter se filiado ao Partido Nazi, foi a cineasta oficial do Nazismo – antes fez os curtas ‘A vitória da fé’ (1933) e ‘O dia da liberdade’ (1935), que tratavam, respectivamente, do ‘5º Congresso Nazista’ e dos soldados de Hitler, e depois faria as duas partes de ‘Olympia’ (1938), também conhecido como ‘Olimpíada e a mocidade olímpica’, sobre as Olimpíadas de Berlim em 1936, com Hitler no comando do país.
Exibido e premiado no Festival de Veneza, o documentário teve distribuição mundial pela UFA, a Universum Film AG, a maior rede de estúdios cinematográficos da Alemanha durante a República de Weimar e o III Reich, concorrente de Hollywood e que mantinha salas de cinemas ao redor do mundo – grande parte dos filmes do Expressionismo Alemão foram produzidos e distribuídos pela UFA, como ‘O gabinete do Dr. Caligari’ (1920), ‘Aurora’ (1927), ‘Metropolis’ (1927) e ‘O anjo azul’ (1930).



‘O triunfo da vontade’ virou um filme mítico e temido. Aparece até hoje em listas dos grandes filmes do cinema – concordo em termos de montagem e captação, e cineastas importantes já ressignificaram sequências do documentário, como ‘Star Wars’, ‘Tropas estelares’ e ‘Jogos vorazes.
Disponível em DVD pela Classicline na metragem de 108 minutos – a metragem original é de 114 minutos. No DVD, que está com boa imagem, não deixem de ver, na seção dos extras, o curta de Leni ‘O dia da liberdade’ (1935), sobre a propaganda e o exército hitlerista.

Mais sobre Leni Riefenstahl


Leni Riefenstahl, quando pequena, estudou pintura e literatura, incentivada pela mãe. De família rica, filha de um industrial, Leni tinha apenas um irmão, que morreu no front da 2ª Guerra Mundial. Não quis assumir os negócios da família e seguiu para a carreira do esporte – fez natação e foi ginasta olímpica e aos 16 entrou para o balé, tendo duros conflitos com o pai. Foi dançarina e bailarina notória em Berlim nos anos 20. Lesionada, não pôde mais dançar, então, como gostava de cinema, pediu emprego para um diretor, Arnold Fancke, e acabou trabalhando em dois filmes dele como atriz, ‘Monte sagrado’ (1926) e ‘O inferno branco de Piz Palu’ (1929) – este, codirigido pelo importante cineasta Georg Wilhelm Pabst. Em ‘Monte sagrado’ auxiliou na direção, até que em 1932 fez ‘A luz azul’, codirigido pelo diretor austro-húngaro Béla Balázs (sem crédito).


No cinema, Leni, além de dirigir, trabalhou como produtora, montadora e roteirista de seus filmes, e ocasionalmente foi diretora de fotografia. Depois de viver o auge no cinema alemão dos anos30, caiu no ostracismo - nunca mais conseguiu financiar filmes e gravar outros, pois ficou tachada como ‘a cineasta do Reich’, sofrendo boicotes. Dirigiu só mais um filme, ‘Terra baixa’ (1954), um drama musical, em que ela faz a personagem principal – ela era atriz de formação, aparecendo em ‘A luz azul’ (1932), por exemplo - nos anos 60 tentou fazer uma refilmagem de ‘A luz azul’, mas não conseguiu recursos financeiros.
Para sobreviver, Leni dedicou-se à fotografia até o final da vida, inclusive à fotografia submarina, em que se tornou pioneira, chegando a publicar livros da área.
Viveu reclusa, e em 2000 sofreu um acidente de helicóptero quando estava no Sudão, na África, onde viveu por um período a trabalho. Leni morreu em 2003 aos 101 anos.

O triunfo da vontade
(Triumph des willens). Alemanha, 1935, 108 minutos. Documentário. Dirigido por Leni Riefenstahl. Distribuição: Classicline

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