Conhecendo o cinema de Leni Riefenstahl - parte 2
Documentário sobre o ‘6º Congresso Nacional-Socialista Alemão’, realizado
em Nuremberg em 1934 e liderado por Adolf Hitler. Conhecido como o ‘6°
Congresso do Partido Nazista’, reuniu mais de 35 mil pessoas e tornou-se uma
das maiores armas da propaganda nazista.
Filme-propaganda da Alemanha Nazista encomendado por Adolf Hitler, muito
estudado e comentado devido à estética inovadora, milimetricamente planejada
pela cineasta Leni Riefenstahl (1902-2003). Leni dirigiu, escreveu, produziu,
montou e ajudou na fotografia desse documentário opulento, cuja ideia era documentar
os primeiros anos da NSDAP, o Partido Nazi, fundado duas décadas antes.
Tudo é grandiloquente no documentário – da ópera pomposa do alemão
Richard Wagner aos zepelins pelos céus, das paradas grandiosas com desfiles de cavalos
e carros alegóricos ao batalhão inumerável de soldados enfileirados em perfeita
harmonia. Uma manifestação catártica do povo alemão diante da figura de Hitler
e do alto escalão do Reich. Ali vê-se o torpor das massas, movidas pelos
discursos fascinantes do Führer, que aos poucos foi levando a Alemanha para a
barbárie, definindo a essência do que foi o nazismo.
Leni era uma esteta, sabia de enquadramento e montagem como ninguém, e o
filme fala por si só sobre a parte técnica. Ela coloca a câmera no chão, usa e
abusa de plongée e contra-plongée, recorre a gruas para captar imagens do alto
etc. Por isso foi um filme ousado e ambicioso numa época em que o cinema ainda
era mudo e não havia os recursos de hoje. Consta que Leni utilizou 30 câmeras e
contratou 120 técnicos de som e de imagem pra captar os comícios em Nuremberg;
ela demorou seis meses para editar o filme, e as quase duas horas de duração da
versão final representam apenas 3% do material bruto, ou seja, o total de
captação era de quatro mil horas de imagens.
Leni tinha carta branca de Hitler para fazer o filme; na exibição da
obra pronta, ela teve atritos com Goebbels, o ministro da propaganda nazista,
que detestou o resultado; mas Hitler gostou, usando a obra para glorificar o
movimento nazista - depois da Segunda Guerra, o longa foi banido da Alemanha e
proibido em alguns países. Grande parte das imagens que conhecemos dos
discursos de Hitler e Goebbels vieram desse filme.
A cineasta sempre se defendeu dizendo que não imaginava os rumos do Nazismo
na 2ª Guerra – seu filme, por retratar a alienação do povo alemão diante de
Hitler, ajudou a espalhar discursos de ódio que depois seriam usados para unir
a Alemanha e justificar perseguição aos judeus – as falas de Führer já
mencionavam a raça ariana, o povo alemão como divino, e ele, Hitler, como uma presença
onipotente, de um líder escolhido por Deus.
Apesar de Leni nunca ter se filiado ao Partido Nazi, foi a cineasta
oficial do Nazismo – antes fez os curtas ‘A vitória da fé’ (1933) e ‘O dia da
liberdade’ (1935), que tratavam, respectivamente, do ‘5º Congresso Nazista’ e dos
soldados de Hitler, e depois faria as duas partes de ‘Olympia’ (1938), também
conhecido como ‘Olimpíada e a mocidade olímpica’, sobre as Olimpíadas de Berlim
em 1936, com Hitler no comando do país.
Exibido e premiado no Festival de Veneza, o documentário teve distribuição mundial pela UFA, a Universum
Film AG, a maior rede de estúdios cinematográficos da Alemanha durante a
República de Weimar e o III Reich, concorrente de Hollywood e que mantinha
salas de cinemas ao redor do mundo – grande parte dos filmes do Expressionismo Alemão
foram produzidos e distribuídos pela UFA, como ‘O gabinete do Dr. Caligari’ (1920), ‘Aurora’ (1927), ‘Metropolis’ (1927) e ‘O anjo azul’ (1930).
‘O triunfo da vontade’ virou um filme mítico e temido. Aparece até hoje
em listas dos grandes filmes do cinema – concordo em termos de montagem e
captação, e cineastas importantes já ressignificaram sequências do documentário,
como ‘Star Wars’, ‘Tropas estelares’ e ‘Jogos vorazes.
Disponível em DVD pela Classicline na metragem de 108 minutos – a
metragem original é de 114 minutos. No DVD, que está com boa imagem, não deixem
de ver, na seção dos extras, o curta de Leni ‘O dia da liberdade’ (1935), sobre
a propaganda e o exército hitlerista.
Mais sobre Leni Riefenstahl
Leni Riefenstahl, quando pequena, estudou pintura e literatura,
incentivada pela mãe. De família rica, filha de um industrial, Leni tinha
apenas um irmão, que morreu no front da 2ª Guerra Mundial. Não quis assumir os
negócios da família e seguiu para a carreira do esporte – fez natação e foi
ginasta olímpica e aos 16 entrou para o balé, tendo duros conflitos com o pai.
Foi dançarina e bailarina notória em Berlim nos anos 20. Lesionada, não pôde
mais dançar, então, como gostava de cinema, pediu emprego para um diretor,
Arnold Fancke, e acabou trabalhando em dois filmes dele como atriz, ‘Monte
sagrado’ (1926) e ‘O inferno branco de Piz Palu’ (1929) – este, codirigido pelo
importante cineasta Georg Wilhelm Pabst. Em ‘Monte sagrado’ auxiliou na
direção, até que em 1932 fez ‘A luz azul’, codirigido pelo diretor
austro-húngaro Béla Balázs (sem crédito).
No cinema, Leni, além de dirigir, trabalhou como produtora, montadora e
roteirista de seus filmes, e ocasionalmente foi diretora de fotografia. Depois de
viver o auge no cinema alemão dos anos30, caiu no ostracismo - nunca mais
conseguiu financiar filmes e gravar outros, pois ficou tachada como ‘a cineasta
do Reich’, sofrendo boicotes. Dirigiu só mais um filme, ‘Terra baixa’ (1954),
um drama musical, em que ela faz a personagem principal – ela era atriz de
formação, aparecendo em ‘A luz azul’ (1932), por exemplo - nos anos 60 tentou
fazer uma refilmagem de ‘A luz azul’, mas não conseguiu recursos financeiros.
Para sobreviver, Leni dedicou-se à fotografia até o final da vida,
inclusive à fotografia submarina, em que se tornou pioneira, chegando a
publicar livros da área.
Viveu reclusa, e em 2000 sofreu um acidente de helicóptero quando estava
no Sudão, na África, onde viveu por um período a trabalho. Leni morreu em 2003
aos 101 anos.
O triunfo da vontade (Triumph des willens). Alemanha, 1935, 108 minutos. Documentário. Dirigido por Leni Riefenstahl. Distribuição: Classicline
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