domingo, 4 de fevereiro de 2024

Resenha Especial


O olho sinistro que tudo vê

Por Felipe Brida *

O cinema slasher fervilhava no ano de 1981. Pintava nas salas de cinema norte-americanas uma média de um filme desse estilo a cada duas semanas. Eram produções de baixo orçamento com psicopatas que trucidavam jovens com requintes de crueldade. O universo desse cinema de horror violento ganhava popularidade nos Estados Unidos e se expandia além das fronteiras americanas. O slasher invadiu o mundo, tornou-se um subgênero cultuado e esteve em voga até o final daquela década – na verdade ele nunca morreu, vira e mexe retornava com novos apetrechos, como ocorreu nos anos de 1990 e 2000 com “Pânico”, “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado”, “Lenda urbana” e as novas fases de “Halloween” e “Sexta-feira 13” – lembrando que os originais dessas duas franquias foram pioneiros do slasher, lançados respectivamente em 1978 e 1980.
1981, o ano de ouro do slasher. Dezenas de fitas fizeram o público gritar nas salas escurinhas de cinema. A maioria tinha como vilão um assassino perverso perseguindo jovens indefesos, utilizando máscara e luva e carregando uma arma afiada (faca, facão, machado, forquilha, arpão e por aí vai). Alguns slashers de 1981 tinham apelo sobrenatural, com ares demoníacos, outros com ingredientes de humor negro, e parte deles com trama de investigação policial. Alguns marcantes foram “Dia dos Namorados macabro” (de George Mihalka), “Sexta-feira 13 - Parte 2” (de Steve Miner), “Chamas da morte” (de Tony Maylam – intitulado ainda de “A vingança de Cropsy”), “Feliz aniversário para mim” (de J. Lee Thompson), “Halloween II – O pesadelo continua!” (de Rick Rosenthal), “Noite infernal” (de Tom DeSimone), “Aniversário sangrento” (de Ed Hunt), “A hora das sombras” (de Jimmy Huston), “Pouco antes do amanhecer” (de Jeff Lieberman), “Escola noturna” (de Ken Hughes), “Corpo estudantil” (de Mickey Rose e Michael Ritchie), “Incubus” (de John Hough) e “X-ray: Massacre no hospital” (de Boaz Davidson). E, claro, um dos mais sinistros exemplares, “Olhos assassinos”, de Ken Wiederhorn.
“Olhos assassinos” é um slasher na linha mais realista, com um assassino que parece ter saído das páginas policiais: um estrangulador de mulheres. Nessa trama engenhosa e detalhista, uma jornalista que atua numa TV em Miami, Jane Harris (Lauren Tewes) suspeita que o vizinho do prédio da frente é um assassino em série, chamado Stanley Herbert (John DiSanti). Na frente das câmeras, sentada na bancada do telejornal, ela noticia todos os dias o assassinato de uma mulher em Miami, o que coloca as autoridades policiais da cidade em estado de alerta. Os dias correm, não há ninguém preso nem paradeiro sobre o criminoso, então a jornalista resolve investigar o caso por conta, já que aparentemente ele mora no prédio próximo a ela. Com coragem e sede de justiça, Jane entra na casa do suposto assassino quando ele não está. Vasculha seus pertences, acredita que encontra alguma pista e sai em disparada. A partir daquele dia, começa a chantageá-lo sem que ele saiba quem ela é. Até que a filha da jornalista, Tracy (Jennifer Jason Leigh), uma adolescente cega, passa a ser seguida por Herbert.



Enquanto Jane faz a investigação por conta própria, os assassinatos continuam ocorrendo. A maioria das vítimas são mulheres, mas há homens também, pois eles “atrapalham” o caminho do furioso serial killer.
O diretor Ken Wiederhorn, que realizou apenas sete filmes ao longo da carreira, entre os anos de 1970 e 1990, como “Horror em alto-mar” (1977), e escreveu e dirigiu séries de TV como “A hora do pesadelo: O terror de Freddy Krueger”, trouxe um roteirista com quem havia trabalhado em “King frat” (1979), Mark Jackson (que também assinava como Ron Kurz). Jackson/Kurz sentiu-se à vontade para escrever um roteiro de filme independente de terror que originalmente seria uma fita policial. E deu todo o tom de horror, tragédia e sangue necessários para um autêntico slasher movie (em 1980 Kurz auxiliou no roteiro de “Sexta-feira 13” e ajudaria a criar os personagens do segundo capítulo, dando forma ao real Jason Voorhees, no capítulo 2 da franquia). Kurz trouxe dimensões psicológicas críveis aos personagens centrais: a da jornalista que busca respostas dos crimes horrendos que assolam Miami, a da filha cega e suas dificuldades de se comunicar e locomover, e a do assassino, um homem comum, de meia-idade, de pouca fala, solitário, que antes de atacar as mulheres liga para elas falando pornografias, sussurrando e ameaçando-as de morte. De classe média, ele faz ligações de casa e de cabines telefônicas e com seus largos óculos passa a vigiá-las perto de suas casas - o assassino foi inspirado no criminoso Lars Thorwald, de “Janela indiscreta” (1957), interpretado por Raymond Burr.
O modus operandi do assassino foge à tradição dos slashers: ele coloca meias finas para tapar o rosto (como se fossem de assaltante, algo que não costumamos ver nos slashers) e as mata estranguladas (às vezes as ataca com faca). Também costuma estuprá-las (algo diferente dos psicopatas slasherianos). Vez ou outra um homem aparece pelo caminho, então o assassino os elimina com um canivete pontiagudo e até com uma machadinha de açougueiro (uma cena emblemática e grotesca traz o serial killer, no começo do filme, decapitando um coitado cuja cabeça voa para dentro de um aquário).




Esse é um slaher sanguinário, com poucas mortes e que não segue o formato de “whodunit?” (“who [has] done it?”, ou “Quem matou?”), tão comum na primeira fase dos slashers e tão usual em filmes de investigação. O assassino aparece na penumbra desde o início, vê-se a silhueta dele à noite e os pés caminhando (um homem de calças sociais e sapato, bem vestido), porém em poucos minutos seu rosto aparece. Sabemos quem ele é, onde mora, o que faz. Ele é o morador do prédio de classe média em frente ao condomínio onde mora a jornalista e sua filha cega. Seus traços são a misoginia, a perversão e a falsa aparência de um homem honroso.
O filme não tem alívio cômico, tudo é muito sério, direto e duro, sem reviravoltas também. Algumas cenas gore estilizam a fita, com espirros de sangue e bons efeitos especiais, assinados por Tom Savini, de slashers como “Sexta-feira 13” (1980), “O maníaco” (1980), “Chamas da morte” (1981) e “Quem matou Rosemary?” (1981). Por causa da violência, na época do lançamento, recebeu classificação R (Rated-R), para maiores de 18 anos.

Elenco de “Olhos assassinos”

O filme “Olhos assassinos” foi determinante na carreira das atrizes Lauren Tewes e Jennifer Jason Leigh, ambas estreantes no cinema. Lauren vinha da série “O barco do amor” e trabalhou mais em TV (séries e telefilmes), fazendo participação especial em apenas dois filmes de cinema, dirigidos por Gregg Araki, “Geração maldita” (1995) e “Estrada para lugar nenhum” (1997). Aqui interpreta a corajosa jornalista que denuncia os crimes contra mulheres em Miami e vai caçar o assassino com as próprias mãos, colocando-se frente a frente com ele.
Já a atriz Jennifer Jason Leigh tinha na época 17 anos e fez 18 anos durante as gravações de “Olhos assassinos”. Antes ela havia feito pequenas aparições em séries como “Baretta” e “Os Waltons”.  “Olhos assassinos” seria seu trampolim para a carreira: no ano seguinte, 1982, foi escalada para o elenco “O homem com a lente mortal” e “Picardias estudantis”, depois faria “Tudo por uma herança” (1983 – também conhecido como “Dinheiro fácil”), “A morte pede carona” (1986) e mais de 60 títulos, incluindo “Os oito odiados” (2015), pelo qual foi indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante. Aqui interpreta com solidez e sem caricatura a personagem cega, uma adolescente que vira alvo do serial killer.
Por fim, o ator John DiSanti vinha de “King frat”, do mesmo diretor, Ken Wiederhorn. Antes apareceu em “Lenny” (1974) e “Um trapalhão mandando brasa” (1980), e depois faria “Ausência de malícia” (1981), “O esquadrão de justiça” (1983) e “O milagre veio do espaço” (1987). Ele interpreta aqui o assassino Stanley Herbert, de olhar sinistro e expressões faciais de arrepiar.

Curiosidade:

Prestem atenção em dois easter eggs: quando o assassino telefona para a primeira vítima, esta assiste na TV, em preto-e-branco, o filme “Horror em alto-mar” (ou “Ondas do pavor”), de zumbis do fundo do oceano, que foi o primeiro trabalho do diretor da fita, Ken Wiederhorn. Já na metade do filme, quando a jornalista vai a um cinema, há o poster, na vitrine, de “Despertar dos mortos”, cuja maquiagem e efeitos são de Tom Savini, o mesmo de “Olhos assassinos”.

Resenha escrita especialmente para o livro "Slashers - Pérolas da coleção" - imagem abaixo, lançado pela Versátil Home Video em janeiro desse ano. Livro disponível para venda no site da Versátil, diretamente no link https://www.versatilhv.com.br/produto/livro-slashers-perolas-da-colecao/5516667



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