sábado, 25 de janeiro de 2020

Resenhas Especiais



Gauguin: Viagem ao Taiti

O pintor francês Paul Gauguin (Vincent Cassel) abandona a família e viaja ao Taiti para buscar inspiração para suas obras. Instala-se em uma cabana no meio da floresta, fica próximo do povo maori e logo se apaixona por uma jovem que se tornará musa de suas pinturas.

Um belo drama romântico sobre os últimos dez anos de vida do pintor francês
Eugène-Henri-Paul Gauguin, ou só Paul Gauguin (1848-1903), um dos maiores nomes do Pós-Impressionismo. Com uma fotografia esplêndida do verdadeiro Taiti (localizado numa ilha perdida entre a Nova Zelândia e o Hawaí), o filme acompanha a segunda viagem do artista à Polinésia, ocorrida em 1891. Com o desejo fervilhante de buscar inspiração artística em novas culturas, Gauguin deixou a esposa e os cinco filhos na Europa para viver na selva da Mataiera com o povo maori - ele viajou para lá sozinho em três ocasiões, sendo a última de forma definitiva, onde viveu até sua morte, em 1903). Isolado do mundo numa cabana paupérrima, aproximou-se de uma cultura inteiramente oposta da europeia, trazendo assim um outro olhar para seu processo de criação nas obras plásticas. Nesse período impõe um colorido especial aos quadros, com uma iconografia exótica do povo taitiano, das praias paradisíacas e, acima de tudo, das mulheres negras. Uma de suas marcas do período foi a mistura do erotismo à ingenuidade ao retratá-las. Nesse segundo momento que esteve no Taiti (e o filme aborda isto da metade para o final) conheceu sua musa inspiradora, Tehura, 35 anos mais jovem (ele tinha 48, e ela, 13), com quem teve um filho, que morreu poucos dias depois de nascer.


Vincent Cassel encaixou-se bem no papel do protagonista que foi uma figura central da cena artística parisiense do final do século XIX. Para mim é o ator mais versátil da França atual - ele vem muito ao Brasil, já filmou várias vezes em nossa terra.
É o segundo trabalho do diretor Edouard Deluc, com roteiro dele escrito em parceria com outros três roteiristas, a partir de um livro desconhecido do próprio Gauguin, “Noa noa”; dentre os roteiristas estão Thomas Lilti, de “Hipócrates” (2014), e Etienne Comar, de “Meu rei” (2015), um drama pesadíssimo com o mesmo Cassel.

Gauguin: Viagem ao Taiti (Gauguin - Voyage de Tahiti). França, 2017, 100 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Edouard Deluc. Distribuição: Focus Filmes


El Pepe: Uma vida suprema

Documentário sobre a vida e a carreira do ex-presidente uruguaio José Mujica, o “Pepe”, da juventude quando integrou o movimento guerrilheiro Tupamaros passando pelos cinco anos de seu governo (entre 2010 e 2015) até chegar aos dias atuais.

O Netflix produziu (e acertou em cheio) esse documentário curtinho sobre a carreira de José Mujica, o “El Pepe”, ex-presidente do Uruguai, recontando uma série de fatos de sua vida particular entrelaçada à História do país, com forte menção e crítica à ditadura militar que vigorou lá de 1973 a 1985. Quem dirige nada mais é que um de meus cineastas favoritos, o iugoslavo Emir Kusturica, duas vezes premiado com a Palma de Ouro em Cannes - por “Quando papai saiu em viagem de negócios” (1985) e ”Underground - Mentiras de guerra (1995)”, além do prêmio de diretor no mesmo festival, por “Vida cigana” (1988). Ele volta seu olhar mais uma vez para a América Latina, depois do documentário “Maradona by Kusturica” (2008), que trazia para a cena cinematográfica a carreira do jogador argentino Diego Maradona.
O filme já encanta nos créditos de abertura, com Kusturica tomando chimarrão com o presidente Mujica, os dois sentados num velho banco no sítio do ex-presidente, onde por alguns minutos só trocam olhares, sem falar nada. E daí em diante acompanhamos uma jornada poética/romântica em torno do ex-presidente uruguaio que serviu ao país entre 2010 e 2015. Uma vida marcada por lutas contra a ditadura, desde quando foi membro dos Tupamaros, um movimento guerrilheiro marxista-leninista que batia de frente com os militares. Preso por 14 anos, Mujica tornou-se inimigo do Estado, foi torturado diversas vezes, ficou confinado num poço nos escombros da prisão e por pouco não morreu – esse assunto originou o grandioso filme “Uma noite de 12 anos” (2018).

Não há como não admirar Mujica, um homem simples que mora num sítio antigo, que como político ajudou o povo pobre e inspirou líderes pelo mundo afora. E adorado pela maioria dos uruguaios (eu estive em Montevidéu três vezes, duas durante o governo dele, e reparei pelas minhas andanças o quanto é uma figura reverenciada).
O doc é sem firulas, é uma análise sobre o protagonismo do ex-presidente na política uruguaia, fala-se sobre o passado e a família, sempre com imagens raras de Mujica na prisão. No final o foco muda para sua estreita ligação afetiva com a esposa Lucía Topolansky, que conheceu no movimento Tupamaros – ela era guerrilheira também, exerceu cargos políticos (de senadora e ministra), e assim como Mujica sempre trabalhou como agricultora.
Exibido em Veneza de 2018, ganhou nesse festival o prêmio CICT-Unesco.

El Pepe: Uma vida suprema (El Pepe: Una vida suprema). Argentina/Uruguai/Sérvia, 2018, 73 minutos. Documentário. Colorido/Preto-e-branco. Dirigido por Emir Kusturica. Distribuição: Netflix


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