domingo, 12 de janeiro de 2020

Resenha Especial



Vá e veja

Em 1943, o garoto Florya (Aleksey Kravchenko), morador de uma aldeia na Bielorússia, vivencia os horrores da guerra quando, ao encontrar um rifle na praia, junta-se ao exército soviético contra os nazistas.

Um dos dramas de guerra mais chocantes já produzidos no cinema, “Vá e veja” (1985) ganhou em dezembro passado uma excelente cópia restaurada pela Mosfilm, disponível no mercado brasileiro em Bluray pela CPC-Umes Filmes. É a melhor que podemos encontrar, lembrando que há alguns anos o filme saiu em DVD tanto pela Lume quanto pela própria CPC numa cópia riscada, com granulações, além da metragem reduzida. Pelo minucioso trabalho de restauração, o filme ganhou um prêmio em 2017 no Festival de Veneza, onde foi exibido em sessão especial - a cópia em BD realmente está um deslumbre de nitidez e som, com a duração original de 142 minutos.
Existem muitos filmes sobre o olhar de uma criança sobre a guerra, mas nenhum com tamanho impacto visual que “Vá e veja”. Próximo dele somente o angustiante “O pássaro pintado” (2019), que vi no ano passado na Mostra Intl de Cinema de São Paulo, uma fita húngara pré-selecionada ao Oscar.
Em “Vá e veja” temos como protagonista Florya (Aleksey Kravchenko, que estreava no cinema aos 16 anos), um garotinho que, depois de encontrar um rifle enterrado num corpo na areia da praia, alia-se a um grupo de jovens para lutar na Segunda Guerra Mundial. Aqueles meninos seguem ao lado da Resistência Soviética rumo ao campo de batalha. Florya não compreende o que está ocorrendo ali, de início parece uma aventura pela floresta. Pelo caminho cruzará as linhas inimigas, será torturado e inevitavelmente verá aldeias inteiras serem consumidas pelas chamas.


Gravado com câmera em constante movimento, o drama narra um amargo capítulo da Segunda Guerra Mundial, a ocupação dos nazistas na Bielorrússia, onde milhares de vilas foram dizimadas e cerca de seiscentos mil soviéticos morreram nessa região - com o fim da URSS, em 1990, a Bielorrússia, que faz fronteira com a Rússia, Polônia, Ucrânia, Lituânia e Letônia, tornou-se independente, sob o nome de República de Belarus. Carrega uma forte mensagem antiguerra, que provoca em nós uma aturdida reflexão sobre o lado sombrio do ser humano, capaz de cometer atrocidades sem limites – o filme, quando lançado, chocou pelas cenas violentas, como a do galpão incendiado com centenas de pessoas dentro enquanto os alemães comem lagosta e se divertem vendo as pessoas carbonizarem.
O trabalho do protagonista é ótimo, e a trilha sonora é uma obra-prima à parte, assim como a fotografia enevoada.
Último trabalho do diretor de “Agonia Rasputin” (1981) e “A despedida” (1983), Elem Klimov, ex-marido da cineasta Larisa Shepitko, de “A ascensão” (1977), falecida em um acidente de carro. Foi o seu trabalho com maior dimensão psicológica e criativa, impactante desde o título, uma alusão a uma passagem do Apocalipse de São João, referente ao inferno e ao juízo final. Indicado para público com nervos de aço.

Vá e veja (Idi i smotri). URSS, 1985, 142 minutos. Drama/Guerra. Colorido/Preto-e-branco. Dirigido por Elem Klimov. Distribuição: CPC-Umes Filmes

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