sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Viva Nostalgia!


A quarta aliança da Sra. Margarida

O jovem Sofren (Einar Röd) é escolhido para ser pastor em um vilarejo norueguês. Ao chegar à misteriosa congregação rural, fica receoso com os velhos hábitos que ditam as regras ali. Uma delas é de que terá de se casar com a viúva do pastor recém-falecido. Trata-se de Margarida (Hildur Carlberg), uma estranha senhora de 75 anos, que já enterrou três maridos e dizem ser bruxa. Mas Sofren tem uma noiva, Mari (Greta Almroth), e ao levá-la junto, apresenta a jovem à comunidade como sua irmã. Os dois então planejarão a morte de Margarida.

Raríssima fita de Carl Theodor Dreyer (1889–1968), um dos mais respeitados cineastas da Dinamarca, que realizou uma grandiosa fita sombria que joga com gêneros diferentes, a comédia, o drama e o horror inspirado no movimento expressionista, que começava a percorrer a Alemanha. Mudo e preto-e-branco, lançado em 1920, este filme, o segundo da carreira do diretor, abre em um tom reflexivo sobre a natureza, pontua momentos de afeto e comicidade em torno do casal Sofren e Mari e, com a aprição da senhora Margarida, cresce do suspense ao terror, num desfecho com ar existencialista embasada nas ideias do filósofo Kierkegaard. Tanto Dreyer quanto Kierkegaard estudaram e produziram materiais sobre a cristandade, a moralidade e a ética, com metáforas e ironias, cada qual à sua linguagem. Neste filme percebemos tais tratamentos e temas, sob influência da infância maltratada de Dreyer, que foi abandonado pela mãe ainda pequeno e logo adotado por uma família severa, com valores cristãos intrínsecos (por isto seus filmes tratam de fé, moral, opressão, dúvidas e excessos); por ter sido jornalista, Dreyer escrevia os roteiros com minúcias, como aqui, e por ter trabalhado em empresas de montagem de cinema, sabia das técnicas como ninguém e detinha um olhar atencioso. Buscou a naturalidade no trabalho dos atores e no uso dos cenários, métodos de um cinema artesanal que pregou até o final da vida – ele realizou 14 longas num espaço de 45 anos (entre 1919 e 1964).
No final das gravações a atriz sueca Hildur Carlberg, que interpreta a enigmática senhora Margarida, morreu aos 76 anos.
Uma curiosidade: o filme foi rodado na bucólica Lillehammer, comuna norueguesa próxima da capital, Oslo, bastante visitada hoje. Além da Noruega, Dreyer rodou seus filmes na Dinamarca, país natal, na Alemanha e na Suécia.
O filme havia saído no mercado brasileiro pela Magnus Opus e agora pode ser assistido em novo máster pela Obras-Primas do Cinema, que resgatou o diretor num box em disco duplo contendo “Michael” (1924), “A queda do tirano” (1925) e sete curtas-metragens, com extras (entrevistas e vídeos especiais sobre o cineasta). Vem quatro cards colecionáveis, com as capas dos filmes.
Quem curtir pode procurar também as três obras-primas de Dreyer, “A paixão de Joana D’Arc” (1928), “O vampiro” (1932) e “A palavra” (1955), disponíveis em excelentes edições pela Versatil.

A quarta aliança da Sra. Margarida (Prästänkan/ The Parson's widow). Suécia, 1920, 71 min. Comédia/Drama/Horror. Preto-e-branco. Dirigido por Carl T. Dreyer. Distribuição: Obras-Primas do Cinema

* Publicado na coluna Middia Cinema, na revista Middia, edição de julho/agosto de 2018


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