segunda-feira, 22 de março de 2021

Cine Cult


O último poema do rinoceronte

O poeta curdo Sahel (Behrouz Vossoughi) é libertado após ficar injustamente preso por 30 anos, perseguido pelo governo iraniano. Velho e cansado, não desiste de encontrar a esposa, Mina (Monica Bellucci), que deixou a cidade há muito tempo.

Vencedor de prêmios técnicos no Festival de San Sebastian, esse belíssimo filme-poema coproduzido entre Turquia e Irã, e rodado em Beirute, carrega a assinatura de Martin Scorsese como produtor, o que ajudou o longa-metragem a entrar nos cinemas de vários países. Não esconde a alma cult e o labor experimental: o diretor Bahman Ghobadi, de “Tartarugas podem voar” (2004), recorreu a uma linguagem não-linear curiosa, misturando tempos com imagens surrealistas, e optou por uma intensa fotografia contrastante. Sem falar da linguagem própria ao propor ao elenco recitação de poemas, como se os atores estivessem no palco do teatro, cada um em seu momento, numa espécie de monólogo, para contar uma pequena história de base real, inspirada nos diários do poeta curdo Sadegh Kamangar, preso durante a Revolução Iraniana (e que ficou atrás das grades por 27 anos). O filme acompanha a saída do poeta da cadeia e sua tentativa de reencontrar a esposa, que foi embora após ficar sabendo da morte dele – a morte é algo constante, os personagens todos são fantasmagóricos e desalentados. A dupla de atores em cena está brilhante, em papeis humanos, que são o astro do cinema iraniano Behrouz Vossoughi (de 83 anos) e a atriz italiana Monica Bellucci (de filmes como “Malèna” e “Irreversível”).

Uma menção importante para entender o que irei comentar em seguida: o diretor Bahman Ghobadi, assim como o ator do filme Behrouz Vossoughi, está exilado desde 2009, perseguido pelo governo do Irã. Percebem-se, assim, traços autorais e autobiográficos na comovente história do poeta Sahel. Ghobadi utiliza-se de simbologias, metáforas e antíteses, como um jogo para disfarçar o tom político da obra e assim não sofrer represália –no Irã o cinema é altamente reprimido, vide a história do cineasta Jafar Panahi, que teve a casa invadida, seus filmes apreendidos, foi preso e proibido de gravar por 20 anos (mesmo assim Panahi roda seus longas escondido, como fez recentemente com “Taxi Teerã” e “3 faces”). Nos créditos finais o diretor dedica o filme aos presos políticos no regime autoritário do Irã. Ah, e já que falei sobre ele, o ator Behrouz Vossoughi vive exilado na California com a esposa (ele tem fisionomia parecida com Omar Sharif). Assista e reflita!

O último poema do rinoceronte (Fasle kargadan). Turquia/Irã, 2012, 92 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Bahman Ghobadi. Distribuição: Imovision

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