sábado, 7 de julho de 2018

Cine Dica


Ninguém deseja a noite

Groenlândia, 1908. A expedicionária Josephine Peary (Juliette Binoche) viaja ao Polo Norte para procurar o marido, um desbravador de terras que desapareceu numa tempestade de gelo. Convicta de que ele está vivo, segue com seu espírito audacioso rumo ao desconhecido, enfrentando perigos numa terra tomada pela neve e baixíssimas temperaturas. Quase todos os membros da equipe de Josephine morreram congelados, e ela, solitária, encontra abrigo numa comunidade de esquimós, tornando-se próxima de uma nativa, Allaka (Rinko Kikuchi).

Indicado ao Urso de Ouro no Festival de Berlim em 2015, “Ninguém deseja a noite” é um drama sublime com ares de aventura, inteiramente transcorrido no Polo Norte, com um trabalho magistral da dama Juliette Binoche. Com marcas de poesia que tocam a alma e uma lição de fotografia, o filme trata, de maneira bem curiosa, de dois temas sinuosos, o choque cultural e o poder devastador da natureza selvagem, além de suscitar discussão sobre a amizade entre dois desconhecidos numa terra dura e os percalços para se reencontrar com o amor verdadeiro.
Os vinte primeiros minutos do filme alimentam o público de informações reais sobre os perigos do Polo Norte e as dificuldades de sobreviver no território congelado, uma espécie de preparação psicológica para o que iremos assistir em seguida, composta por uma história de desafios, medos e perdas. Sabendo dos riscos, um grupo de expedicionários organiza mesmo assim a busca por um desbravador perdido no gelo, marido da grã-fina Josephine Peary, que costuma caçar ursos polares na região. E ela quer ir junto. Entre avalanches, nevascas e um frio tenebroso, grande parte da equipe fica para trás, muitos morrem de frio e de fome, outros se perdem, e Josephine, machucada, permanece firme no trenó puxado por cães, para atingir os objetivos. Até que sua visão de mundo dá uma chacoalhada quando tem um encontro inesperado com uma jovem esquimó (papel da atriz indicada ao Oscar por ‘Babel’ Rinko Kikuchi), que a leva para um refúgio entre os iglus. A partir desse choque cultural e na busca pela sobrevivência, nasce entre elas uma estranha amizade.
Nesse clima de angústia sobre a percepção do fim da vida, o drama anda numa crescente até um forte clímax, relacionado a um terrível segredo entre as duas personagens.
Em todo o filme somos conduzidos aos entremeios da história por uma narração em forma de poesia na voz calma de Josephine, uma mulher que veste peles elegantes e coloridas, cujo visual adquire um impressionante contraste com o branco da neve (chega a ser uma composição surrealista). O trabalho técnico é incrível, há um cuidado com a fotografia e o figurino que realçam o charme da história.
Um dos poucos filmes que conheço em que mostra a tradição dos esquimós, como é por dentro de um iglu, e a relação deles com a comunidade isolada do mundo.
Adequada também são as reflexões que a obra provoca, principalmente sobre a amizade entre as duas mulheres de mundos tão diferentes e esse choque entre a cultura branca europeia e os povos indígenas da Groenlândia.
A direção preciosa é da criativa cineasta espanhola radicada na França Isabel Coixet, de dramas superoriginais misturados com outros gêneros, como “Minha vida sem mim” (2003), “A vida secreta das palavras” (2005) e “Fatal” (2008) – seus trabalhos já concorreram nos principais festivais do mundo, como Cannes, Berlim, Veneza, Toronto, Goya, Gaudí, Nantes, Valladolid e Roma.
Já em DVD pela Mares Filmes. Imperdível!

Ninguém deseja a noite (Nobody wants the night/ Endless night). Espanha/França/Bulgária, 2015, 104 min. Drama/Aventura. Colorido. Dirigido por Isabel Coixet. Distribuição: Mares Filmes

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