sexta-feira, 1 de junho de 2018

Cine Lançamento


Elle

Michèle Leblanc (Isabelle Huppert), gerente de uma empresa que produz jogos para videogame, é estuprada dentro de casa por um criminoso mascarado. Egoísta e dotada de uma ironia cruel em seus posicionamentos, procura formas de se proteger, sem se deixar afetar pelo que ocorreu. Dia após dia passa a receber mensagens de ameaça no celular, que acredita ser do estuprador, mas não procura a polícia. Poderá Michèle ser atacada de novo?

Intrigante thriller erótico de um dos peritos do assunto, o veterano cineasta holandês Paul Verhoeven, de “Instinto selvagem” (1992). Deu o que falar seu novo filme, uma obra cult indispensável e de vanguarda, protagonizado pela exuberante Isabelle Huppert. Ela recebeu indicação ao Oscar e ao Globo de Ouro de atriz por este complexo personagem (de perfeito encaixe à Miss Huppert), uma anti-heróina perversa e sedutora.
Abre com a cena de estupro da empresária Michèle Leblanc (Isabelle Huppert), atacada em casa, cuja única testemunha é o gato de estimação. Ela não se abala e conta o ocorrido naturalmente aos amigos e ao ex-marido, sem se colocar como vítima (esta é a fortaleza da personalidade de Michèle, mulher indestrutível, que recusa ser vista com vítima). Aos poucos somos impactados pelas ações, comportamentos e pensamentos dela: a empresária trata as pessoas com frieza, mantém autoridade sem limites, escolhe amantes diferentes por dia, cria conflitos com a mãe idosa que sai com garotões e fica atraída por um vizinho recém-chegado, charmoso, porém casado, de nome Patrick (Laurent Lafitte). Michèle vira voyeur, observa os passos do vizinho, e enquanto tudo isto se desenrola, é atormentada por mensagens no celular, possivelmente do estuprador – em vários momentos do dia a ação do estupro baterá na mente dela, assim como maneiras que poderia ter lidado na hora do crime. Não bastasse isto tudo, guarda um segredo monstruoso de infância, relacionado ao pai, um psicopata hoje detido na prisão. Até que as coisas fogem do controle.
Nada é o que parece. Para contar essa provocadora história, Verhoeven optou pelo caminho menos convencional; misturou suspense ao erotismo (a classificação indicativa é de 16 anos) e resfriou o caldo com um humor ácido inundado de ironias e situações ambíguas que contrapõe aspectos sombrios da trama com o realismo dos fatos. Subverteu a narrativa. Deixou o foco nas relações humanas complexas e desfalcadas, dando voz a personagens com muitas camadas. E deu atenção especial à forte protagonista, que gera dúvida sobre sua índole; Michèle reúne argumentos feministas que desconstroem a visão da mulher do século XX. Verhoeven é uma potência criativa! Pode abalar até os menos sensíveis esta obra autoral de prestígio, baseada no tórrido romance do francês Philippe Djian, escritor de “Betty Blue” (1986).
“Elle” (que significa “ela”, em francês”) foi exibido na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, onde vi pela primeira vez, e saiu há três meses em DVD pela Sony Pictures, numa edição boa, com extras especiais (na revisão, gostei mais).
Indicado à Palma de Ouro em Cannes, também concorreu ao Bafta e ao Globo de Ouro de filme estrangeiro (a produção é França, Alemanha e Bélgica). Estrela em ascensão, Isabelle Huppert brilha como ouro e nos desconcerta com esse papel fantástico (que bom que pelo menos a Academia reconheceu o talento da atriz francesa, de 65 anos, dando a ela uma indicação ao Oscar em 2017).
“Elle” comprova o genuíno talento de Paul Verhoeven, que em julho completará 80 anos de idade e seis décadas de carreira, criador de fitas eletrizantes de ficção científica, como “RoboCop – O policial do futuro” (1987), “O vingador do futuro” (1990) e “Tropas estelares” (1997).

Elle (Idem). França/Alemanha/Bélgica, 2016, 131 min. Suspense. Colorido. Dirigido por Paul Verhoeven. Distribuição: Sony Pictures

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