Decadente jornalista
da cidade grande, Chuck Tatum (Kirk Douglas) viaja para Albuquerque, no
interior do Novo México, para cobrir um evento inusitado – a tradicional caçada
de cascavéis. Ele está entediado e à beira de um colapso. Quando chega ao local
dominado por fenos e muita poeira, descobre um furo de reportagem: o desmoronamento
de uma mina, que deixou uma vítima presa nos escombros. Cheio de ambição, Tatum
transforma o soterramento em um espetáculo da mídia, com repercussão nacional.
Clássico de Billy
Wilder sobre ética jornalística e a imprensa sensacionalista, com teor bem
atual. Como de praxe, Wilder trabalhou como um artesão nesse projeto de inteira
pessoalidade. Na vida real, antes de ser diretor de cinema era jornalista
atuante em Viena e Berlim, na década de 20, quando saiu do país natal, a
Polônia. As impressões sobre a profissão jornalística estão nítidas, bem como o
posicionamento cínico e ácido ao redor da imprensa, que está aquém da função de
informar.
Aqui a rotina sem
brilho de um veterano repórter prestes a ser demitido de um grande jornal vira
uma jornada decisiva rumo ao estrelato. Kirk Douglas está no melhor momento da
carreira na pele de Chuck Tatum, esse cidadão em busca de uma guinada na vida
profissional. Sem escrúpulos, sem ética e sem ressentimentos, cria um circo
assustador em torno de um desabamento que descobre ter ocorrido há poucos
minutos. Debaixo dos escombros, uma vítima à espera de socorro (papel de Richard
Benedict, como Leo Minosa, espécie de arqueólogo que procura indícios indígenas
na região). Para ter o que quer (a notícia em primeira mão, símbolo da
superioridade, e o consecutivo reconhecimento, que nada mais é que o poder), o
repórter assume o lado cruel e individualista do ser humano deixando de lado
quaisquer valores morais. Ele tem acesso exclusivo ao caso, invade a área
desmoronada, colocando a vida do outro em risco. Tatum passa a mandar no lugar,
não respeita autoridades e prolonga o resgate do ferido, tudo para que o fato
em si fique exposto mais tempo na mídia.
Wilder propõe um
estudo de personalidade. A ganância, a ambição, o jeito de sair da fossa, custe
o que custar. A ideia não fica longe do nosso dia a dia. O bombardeio de tragédias
no noticiário ultrapassa qualquer senso de regras, no que chamamos de
“espetacularização da notícia”.
Com o cinismo usual,
Wilder explora a conduta do ser humano e seus traços mais diabólicos. Por isso
o título original é “Ace in the hole”, expressão idiomática relacionada ao
pôquer, que significa que o jogador tem “uma carta na manga” para vencer no final.
E a fabulosa tradução, “A montanha dos sete abutres” (nome dado à montanha onde
a vítima fica soterrada), não reduz essa perspectiva da banalização para com o
outro: o repórter do filme, assim como a mídia sensacionalista, é um abutre,
“comedor de gente”.
Indicado ao Oscar de
melhor roteiro em 1952 e vencedor do prêmio especial de direção no Festival de
Veneza, onde também concorreu ao Leão de Ouro, o drama não dá margem aos
personagens secundários, sempre em plano inferior ao do terrível protagonista –
no elenco desses coadjuvantes estão Jan Sterling, Robert Arthur e Porter Hall.
Influenciou
Costa-Gavras, que dirigiu um de seus filmes politizados de alto nível sobre a
mídia e o sensacionalismo, “O quarto poder” (1998), com John Travolta e Dustin
Hoffman. Ambas as obras se completam.
Não perca a
oportunidade de assistir (ou rever) “A montanha dos sete abutres”, genial
trabalho de Billy Wilder, lançado em DVD pela primeira vez pela Paramount. Um
primor. Por Felipe Brida
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