domingo, 30 de novembro de 2025

Especial de cinema

 
10ª Mostra de Cinema Chinês termina hoje com nove filmes online gratuitos
 
Realizado pelo Instituto Confúcio da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pelo Centro Cultural São Paulo (CCSP), a ‘10ª Mostra de Cinema Chinês’ chega a sua edição online e gratuita, disponível para o público até hoje, dia 30/11. A edição comemorativa de 10 anos pode ser acessada pelas plataformas SP Cine Play e iQIYI (streaming chinês) e conta com curadoria de Lilith Li e Wang Xiangyi. São nove títulos, de filmes de 2023 a 2025, 3xibidos em festivais como Veneza, Toronto e Shangai. Com o tema ‘Uma janela para a China’, a mostra de 2025 fortalece nova parceria entre Brasil e China. Como nas edições anteriores, a modalidade online da mostra é feita um mês após a presencial – que este ano foi realizada de 09 a 19 de outubro, no CCSP. São ao todo nove filmes exclusivos exibidos online nas plataformas SpCine Play e iQIYI:
 
雪豹 - Leopardo das neves (2023)
乘船而去 - Deixe o barco partir (2023)
热搜 - Trending topic (2023)
看不见的顶峰 - O monte invisível (2023)
出走的决心 - A estrada de Li Hong (2024)
 小小的我 - O meu pequeno eu (2024)
我才不要和你做朋友呢 - Eu e minha mãe adolescente (2024)
· - Impacto (2025)
说话的爱 - O amor de Mu Mu (2025) 

Acesse a mostra pelo site https://mostracinema.institutoconfucio.com.br/
 
Confira abaixo dois filmes assistidos que eu recomendo:
 
O monte invisível
(2023, de Lixin Fan)
 
Documentário de destaque na programação da 10ª Mostra de Cinema Chinês realizada este ano, o filme reconstitui a jornada de um alpinista cego chamado Zhang Hong que se tornou o primeiro asiático a escalar o pico mais alto do mundo, o Everest – situado no Himalaia, na Ásia, com sua imponente altitude de 8.848 metros. A caso ocorreu em 2021, no auge da pandemia da covid. Com narrativa de documentário, mas que lembra cinema ficcional, o filme mostra com detalhes os treinamentos de Hong em academias especializadas com seus guias, os testes de altura, até chegar aos dias cruciais da escalada, em que fez pelo lado do Nepal. Hong, hoje um massagista de 50 anos, perdeu a visão quando jovem por causa de um glaucoma e sempre teve o sonho de atingir o ponto mais extremo do Everest, uma montanha congelada e perigosa. A busca desafiadora de seu sonho envolveu outros obstáculos, como a dificuldade financeira, a falta de apoio da família e as limitações físicas – a esposa foi uma das poucas pessoas a apoiá-lo naquela jornada também espiritual, o que o motivou a seguir em frente. É um filme tocante sobre resiliência e desafios extremos, narrado por várias vozes – tem o ponto de vista do personagem, o dos amigos e guias e reportagens de TV que viraram registro preciso da época, que mostram a preparação e depois a conquista de Hong.
 


 
Leopardo das neves
(2023, de Pema Tseden)
 
Último trabalho do diretor, roteirista e produtor tibetano Pema Tseden (1969-2023), de ‘As pedras sagradas silenciosas’ (2005), que faleceu repentinamente aos 53 anos, vítima de infarto. Um filmaço inspirado em caso real que movimentou a mídia chinesa em 2016. No Tibet, região autônoma da China localizada no norte do Himalaia, que reúne templos budistas, uma equipe de cinegrafistas viaja de carro por longas estradas congeladas. Eles procuram imagens de um animal raro, o leopardo das neves, felino que por décadas ficou em extinção, cujo habitat é o pico das montanhas geladas da Ásia. Eles instalam câmeras em pontos diferentes para o registro, até que são chamados para um caso policial ali próximo, que vem gerando discórdia num vilarejo: o aprisionamento de um leopardo das neves por uma família de pastores tibetanos que perdeu suas ovelhas. Os animais foram caçados e mortos pelo felino, então o chefe da família, um homem bruto e arredio, conseguiu prender o bicho e cercá-lo num cativeiro de pedras. A polícia ambiental, a guarda e alguns moradores revoltados tentam uma negociação com o pastor de ovelhas, e a equipe de filmagem resolve trabalhar no delicado caso. Com lindas paisagens do altiplano tibetano e de imagens reais do leopardo das neves, o drama discute a relação do humano com a natureza, algo sagrado para os tibetanos, assim como a complexa vida em sociedade num local marcado por regras rígidas e tradições milenares. A câmera na mão acompanha em primeira pessoa todas as situações da história. Paralelo a isto há uma subtrama essencial, que dá ao filme um tom sobrenatural/místico, de um monge daquele grupo que recorda um passado inusitado, quando domesticou um leopardo das neves chegando a cavalgá-lo em suas costas, voando pelas montanhas. Premiado em mais de 10 festivais e exibido nos festivais de Veneza, Toronto, Varsóvia e Tóquio, é um filme de pura apreciação artística e com discussões relevantes.



Resenhas especiais


Especial ‘Cinema folk horror’
 

Um clássico filme de terror
 
Em viagem, um grupo de jovens se perde em uma estrada abandonada. Ela fica ao lado de uma vasta floresta no sul da Itália. Os amigos acabam sequestrados por membros de uma estranha seita. Eles passam por torturas e tentam fugir do local onde estão aprisionados, num casarão antigo.
 
Fita italiana independente, lançada pela Netflix na pandemia, em 2021, com roteiro inspirado em antigos filmes de folk horror – por isso o título do longa. O terror folclórico envolve uma seita de pessoas que se vestem com túnicas vermelhas com capuz e máscaras de madeira com traços monstruosos. Eles sequestram os personagens centrais da história e os aprisionam numa velha casa na floresta. No porão, os membros daquela comunidade torturam as vítimas com instrumentos da época da Inquisição, tipo a Dama de Ferro, e arrancam os olhos dos coitados para concluir seus rituais pagãos, de sacrifício humano. Os que sobrevivem tentam escapar daquele inferno. Traz características do terror slasher, já que a seita tem assassinos perversos, que matam de maneira sanguinária, e momentos que remetem ao maior folk horror do cinema, ‘O homem de palha’ (1973). A fotografia escura da casa antiga – o filme se passa inteiramente lá, dá o tom de medo e aprisionamento. Com um estilo de gravação de filme antigo, envelhecido, como em películas em 16 e 35mm, o filme foi exibido no Festival de Taormina e concorreu na categoria de melhor efeitos visuais no David di Donatello, o Oscar italiano. A protagonista é a atriz Matilda Lutz, de ‘Vingança’ (2017) e ‘Camaleões’ (2023).



Para quem gosta de trilhas sonoras em filmes, como eu, repare na famosa música italiana ‘Il cielo in una stanza’, na voz de Gino Paoli, cantada nos anos 50, que abre e fecha o longa – uma canção melancólica, triste e que combina com o enredo. Disponível na Netflix.
 
Um clássico filme de terror (A classic horror story). Itália, 2021, 95 minutos. Terror. Colorido. Dirigido por Roberto De Feo e Paolo Strippoli. Distribuição: Netflix
 
 
Fréwaka
 
Shoo (Clare Monnelly) trabalha como cuidadora de idosos. Ela aceita um serviço longe de sua cidade e viaja até uma remota vila para cuidar de uma idosa com agorafobia, Peig (Bríd Ní Neachtain). A senhora conta para Shoo que está aprisionada na casa por espíritos que a raptaram. A jovem acredita que aquilo seja apenas superstição, já que Peig é idosa e está doente, no entanto estranhos acontecimentos a deixarão perplexa, colocando suas crenças em jogo.
 
Gosto de filmes de terror sem ter violência explícita ou monstros e fantasmas. O subentendido causa mais medo e angústia, como acontece neste folk horror irlandês pouco conhecido do público, exibido nos festivais de Locarno e Chicago e premiado em Sitges, festival de cinema espanhol especializado em terror, realizado na cidade costeira de Sitges. Na história, realidade e paranoia se confundem na rotina de trabalho de uma jovem cuidadora de idosos em uma cidadezinha remota. Ao se aproximar de sua paciente, uma idosa solitária, temida pelos vizinhos por acharem que ela endoidou de vez, a jovem começa a duvidar da própria sanidade. Teriam, de verdade, espíritos malignos raptados aquela mulher, como a senhorinha diz? No filme, as ameaças são nos detalhes, com vultos e urros estranhos, que provocam um ou outro jumpscare – até a descoberta de um sinistro porão na casa, onde se faz bruxarias. Aquilo se transforma num jogo mental – a apreensão da protagonista a faz revisitar o passado marcado por um suicídio e outros traumas, colaborando para o tormento dela. O folk horror aos poucos se revela, com símbolos sagrados e uma seita naquela comunidade rural na Irlanda.



Produção original da Shudder, streaming norte-americano especialista em terror e fantasia, está disponível no streaming Reserva Imovision – aliás, a Imovision é responsável por lançar vários títulos da Shudder no Brasil, já que não existe o streaming original deles disponível por aqui, como ‘Mad god’ (2021), ‘A tristeza’ (2021), ‘Deadstream’ (2022), a primeira versão de ‘Não fale o mal’ (2022) e a série ‘The Creep tapes’ (2024). OBS - Fréwaka é um termo irlandês que significa ‘raízes’, no sentido de conexão e ancestralidade.
 
Fréwaka (Idem). Irlanda, 2024, 103 minutos. Terror. Colorido. Dirigido por Aislinn Clarke. Distribuição: Imovision

sábado, 29 de novembro de 2025

Especial de cinema

 
Festival de Cinema Italiano no Brasil segue gratuito até 29/11
 
A 20ª edição do Festival de Cinema Italiano no Brasil, que teve início em 28 de outubro, segue até hoje, dia 29/11. Gratuito e online, com itinerância também em 90 cidades brasileiras com sessões presenciais, a programação conta com 24 longas-metragens, inéditos e clássicos restaurados. Para assisti-los basta acessar o site do festival e dar play no título, em https://festivalcinemaitaliano.com.
Criado em 2005 por Nico Rossini e Erica Bernardini, o festival é um projeto organizado pela Câmara de Comércio Italiana de São Paulo – Italcam, em colaboração com a Embaixada da Itália e com o Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet. Conta com patrocínio da Pirelli, da Persol e do Istituto Italiano di Cultura di San Polo. A cada edição, o festival apresenta uma seleção de longas inéditos e filmes que integram retrospectivas do cinema italiano em cópias restauradas. A iniciativa fortalece os laços culturais e afetivos entre Brasil e Itália, trazendo de forma gratuita ao público uma série de filmes, democratizando o acesso ao cinema.
Dentre as produções inéditas no Brasil estão os dramas de época ‘A ilusão’ (2025), de Roberto Andò, ‘Napoli – Nova York’ (2024), de Gabriele Salvatores, e ‘As provadoras de Hitler’ (2025), de Silvio Soldini, e os dramas ‘Diamantes’ (2024), de Ferzan Özpetek, ‘Hey Joe’ (2024), de Claudio Giovannesi, e ‘Irmãos’ (2025), de Greta Scarano. Na lista dos clássicos estão ‘Ladrões de bicicleta’ (1948), de Vittorio de Sica, ‘Antes da revolução’ (1964), de Bernardo Bertolucci, ‘Henrique IV’ (1984), de Marco Bellocchio, ‘Tomara que seja mulher’ (1986), de Mario Monicelli, e ‘O jantar’ (1998), de Ettore Scola.


 
Confira abaixo alguns títulos conferidos e recomendados.
 
Hey, Joe
(2024, de Claudio Giovannesi)
 
Descendente de italianos, portugueses, russos e suecos, James Franco, que fala bem italiano, viajou para a Itália para rodar este projeto que se encontra num lugar especial na nova fase da carreira do ator, que completou 47 anos. Ele interpreta um ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, que lutou bem jovem no front em 1944. Transcorridos 25 anos, atualmente reside em New Jersey, Estados Unidos. Uma carta o leva de volta para Nápoles, para reencontrar um filho perdido, que teve com uma moradora de lá quando era soldado. Ele desembarca numa nova cidade e descobre que o rapaz está no mundo do crime trabalhando com um chefão da máfia. Pai e filho tentam uma conexão, por mais duro que seja. Franco envelheceu, aqui é um pai solitário, com quase 50 anos, que no início da década de 70 retorna para uma terra que o marcou duramente, quando lutou na guerra. Ele embarca numa jornada por lembranças da juventude e redescobertas de um lugar longínquo onde lá vive um filho que mal sabia da existência. É um filme de visual setentista, com flashbacks rápidos, e uma história melancólica de reconexão familiar, longe de ter final feliz. Escrito e dirigido por Claudio Giovannesi, diretor de ‘Fiore’ (2016), foi exibido no Festival de Roma e indicado ao David di Donatello de melhor fotografia. Está me cartaz no Festival de Cinema Italiano no Brasil e conta com distribuição da Pandora Filmes, que levará o longa para as salas de cinema em 2026.



 
A ilusão
(2025, de Roberto Andò)
 
Drama histórico exibido no Festival de Rotterdam, escrito e dirigido pelo diretor Roberto Andó, um veterano cineasta que faz obras de ar ao mesmo tempo cult e moderno. Novamente trabalha com o nome mais importante da Itália do momento, premiado este ano em Veneza, Toni Servillo – eles fizeram juntos pelo menos três longas que gosto muito, ‘Viva a liberdade’ (2013), ‘As confissões’ (2016) e ‘A estranha comédia da vida’ (2022). Nesta intrigante história real ocorrida nos anos finais do Risorgimento, a Unificação Italiana, Servillo interpreta o coronel siciliano Vincenzo Orsini, que liderou tropas para enfrentar o exército Bourbon, na campanha de 1860, de Giuseppe Garibaldi (papel aqui de Tommaso Ragno). Orsini e Garibaldi criam a Expedição dos Mil, na tentativa de conquistar Palermo; para tanto, organizam um mirabolante plano, de simular a retirada dos soldados para enganar os inimigos. Um filme de estratégias militares, que lembra uma partida de xadrez, onde cada movimento é decisivo. Apesar de poucos recursos, Andó realizou um filme diferenciado, de uma história esquecida e que se tornou emblemática para a Unificação da Itália na metade do século XIX. Bom figurino de época e diálogos auspiciosos impulsionam a trama de disputa de território e heroísmo.

 
 
Roberto Rosselini – Mais que uma vida
(2025, de Ilaria de Laurentiis, Raffaele Brunetti e Andrea Paolo Massara)
 
Documentário inédito, realizado neste ano, sobre um dos maiores diretores da Itália de todos os tempos, Roberto Rosselini, que infelizmente caiu no ostracismo e se tornou uma figura amarga e complexada. O filme tem um recorte específico da carreira dele, de 1956 a 1977, período de uma profunda crise pessoal e profissional, quando abandonou o cinema, desiludido, e separou-se da esposa, a atriz Ingrid Bergman, com quem fez filmes importantes e teve uma filha, a também atriz Isabella Rosselini. Neste período mudou-se para a Índia, onde se casou novamente e trabalhou com cinema e publicidade para o primeiro-ministro Nehru. É nesta fase que o filme é recriado, com inúmeras entrevistas de Rosselini afirmando que não queria mais ouvir falar em cinema nem realizar longas ficcionais, pelo menos do molde como sempre fez – aqueles do Neorrealismo Italiano, movimento do qual foi mentor número 1. Inclusive em várias passagens do doc ele diz que não se interessa mais pelos filmes que fez, que não os assistia e que aquilo ficou restrito a um passado distante. O filme é baseado em escritos que Rosselini deixou, narrados em primeira pessoa pelo ator Sergio Castellitto. Só com imagens pessoais, fotos e entrevistas antigas, e pontos de vista de amigos cineastas, como Truffaut, é um doc revelador. Rosselini realizou obras-primas emblemáticas do movimento neorrealista nos anos 40, como ‘Roma, cidade aberta’ e ‘Pais à’. Engajado na política, aos poucos viu o fracasso de público de seus longas, foi mal interpretado por parte da crítica e dos cineastas e colocado de lado por produtores, tendo de financiar os próprios trabalhos. Morreu em 1977 – ano final do recorte do documentário, que mostra cenas do funeral do cineasta. Deixou um legado impressionante de obras sociais que ajudariam a entender a Itália do pós-guerra, e com o passar das décadas foi sendo redescoberto. Surpreendi-me com o filme, e vi que não há nada sobre ele na internet, nem no IMDB. A Pandora Filmes está por trás do lançamento, que deve levá-lo para as salas em 2026.


O assassino
(1961, de Elio Petri)
 
Na seção de ‘Clássicos restaurados’ do Festival Italiano no Brasil de 2025 há 12 filmes disponíveis, vários com Marcello Mastroianni. ‘O assassino’ é um deles, um título forte para uma obra poética, um thriller policial de alto teor psicológico e narrativa ousada. É uma obra circunscrita na fase do cinema social do pós-Neorrealismo, onde surgiram nomes como Pietro Germi, Valerio Zurlini, Francesco Rosi e Elio Petri, o diretor deste – quase todos eles se dedicaram a um cinema político a partir da década seguinte, anos 70. O filme acompanha a estranha prisão de Alfredo Martelli – papel de Mastroianni, um negociante de antiguidades detido de maneira inesperada e interrogado na delegacia de polícia por um inspetor sagaz (Salvo Randone). No interrogatório, Martelli recorda de breves momentos de sua vida, vindo à luz uma série de segredos guardados e memórias perdidas na mente. Descobre estar ali por ser o principal suspeito do assassinato da amante, uma mulher rica e mais velha, Adalgisa De Matteis (Micheline Presle). O drama vira um suspense que pouco a pouco revela a identidade do protagonista, um homem aparentemente bem resolvido que vai sendo tragado pela investigação policial. Mastroianni, um estrondo como ator, entrega tudo em uma história vibrante de desconstrução de personagem, escrita por Petri e pelo roteirista parceiro de Frederico Fellini, Tonino Guerra. Um filme essencial do período pós-Neorrealismo, que critica a hipocrisia na sociedade. A cópia está belíssima, restaurada em 2011, a mesma do DVD lançado no Brasil pela Versátil Home Video.



quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Estreias da semana - Nos cinemas e no streaming - Parte 2

 
Angel’s egg
 
Acaba de receber novo tratamento de imagem e som esta animação cult japonesa dos anos 80, feita numa época pré-cinema digital, um filme de estética escura e sombria, para público adulto. O master restaurado, agora num evocativo 4K, vale toda a experiência na tela grande – o filme está no circuito de salas de cinema do Brasil, com distribuição pela Sato Company.
A concepção do desenho, do diretor e roteirista Mamoru Oshii, é de um mundo devastado, onde predominam escombros e metal retorcido, e aparentemente sempre é noite. A penumbra e o cenário azul preenchem o quadro – estética que inspiraria o sucesso seguinte do diretor Oshii, realizado 10 anos depois, ‘Ghost in the shell – O fantasma do futuro’ (1995). Nesse mundo pós-apocalíptico cercado por uma aura de mistério, dois personagens o habitam e se tornam amigos: uma jovem, guardiã de um ovo gigante de origem desconhecida, e um garoto aventureiro, com roupas de herói de revista, que leva consigo uma cruz. Juntos, trilham o mesmo caminho, explorando uma cidade em ruínas e com uma missão dentro deles que aos poucos se revela. Com pouquíssimos diálogos, a animação é puro exercício de linguagem, de visual surrealista marcante, feito pelas mãos do visionário designer Yoshitaka Amano – ele escreveu também o roteiro ao lado de Oshii, formando uma parceria de décadas. Devido ao tom pessimista e existencialista, é, como disse, um filme para público mais velho. O novo master em 4K saiu em comemoração aos 40 anos da obra, apresentado em sessão especial no Festival de Cannes de 2025, na seção ‘Cannes Classics’. Na época do lançamento original, em 1985, teve como título no Brasil e em outros países de língua portuguesa ‘A menina e o ovo de anjo’, que explica a origem do enigmático ovo que a personagem carrega com todo zelo. Imperdível para fãs de anime cult.
 

Caso Eloá: Refém ao vivo
 
A Netflix encontrou um filão com os documentários de casos policiais chocantes. Só nestes últimos dois meses lançou três documentários em formato de filme que ficaram no top 5 de bilheteria do streaming: ‘A vizinha perfeita’, cotado para o Oscar, ‘Aileen: A História de uma serial killer’, e ‘Caso Eloá: Refém ao vivo’. O doc em questão traz de volta toda a angústia de um fato que paralisou o país e se tornou um estudo de sensacionalismo na mídia. É aquele de uma jovem chamada Eloá Pimentel, de 15 anos, que ficou em cárcere privado, no apartamento da família, sob a mira de um revólver do namorado, Lindemberg Alves. O sequestro, em Santo André (SP), durou quatro dias, entre 13 e 17 de outubro de 2008, terminando com a morte de Eloá. A repercussão invadiu as emissoras, que só transmitiram isto por dias, com momentos ao vivo e infinitas suítes. O doc resgata cenas de arquivo da TV, desde reportagens de jornalistas que cobriram o caso em frente ao apartamento da vítima até as panorâmicas feitas por helicóptero e as negociações com a polícia; dos dias atuais, traz depoimentos dos pais de Eloá, de policiais que atuaram na ocorrência, de familiares e amigos tanto dela quanto de Lindemberg (hoje preso na P2 de Tremembé em regime semiaberto, após condenação inicial de 98 anos por três crimes, dentre eles homicídio qualificado e cárcere privado). O filme critica a espetacularização da mídia a partir de questionamentos da equipe aos jornalistas que estiveram à frente da cobertura em 2008 - a falta de ética tomou conta sem o mínimo de respeito aos envolvidos, a ponto de alguns jornalistas chegarem a entrevistar ao vivo o sequestrador Lindemberg e Eloá dentro do cárcere. Um verdadeiro show de horrores em busca de audiência. Um bom filme da Netflix, porém uma pedrada, que volta a mexer com antigas feridas.



quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas - Parte 1


 
A quem eu pertenço
 
Em 2020, a jovem cineasta canadense de origem tunisiana Meryam Joobeur venceu uma dezena de prêmios em festivais ao redor do mundo pelo curta-metragem ‘Ikhwène’ (2018), um sensível drama de guerra falado em árabe cujas locações retratam a terra natal de seus pais. Anos mais tarde, em 2024, realizou o primeiro longa da carreira, ‘A quem eu pertenço’, que acaba de estrear nos cinemas do Brasil pela Pandora Filmes. O drama tunisiano, rodado na capital, Túnis, coprodução França, Canadá, Noruega, Catar e Arábia Saudita, traz para a tela resquícios do filme ‘Ikhwène’ ao explorar relações familiares conturbadas em meio a uma guerra e as redescobertas de identidade e território de uma mãe de meia-idade. Ela é Aicha (Salha Nasraoui), que mora com o marido e um dos filhos em um povoado no norte da Tunísia. Dois outros filhos dela deixaram a cidade para lutar na guerra. Até que um deles, Mehdi (Malek Mechergui), retorna com a esposa grávida para a casa da família. Aicha não compreende a volta inesperada do rapaz, tampouco a mudança de comportamento dele. O retorno de Mehdi – que se parece com a parábola do ‘filho pródigo’, desencadeia conflitos não só naquele núcleo familiar, mas em toda a comunidade. A Tunísia é marcada pela guerra religiosa, o Estado Islâmico atrelado ao jihadismo, que aparece como contexto na sólida trama – o drama sobre maternidade, pertencimento e de busca de identidade vai se fragmentando em uma história pesada de terrorismo e guerra religiosa, com um desfecho violento, de grande impacto sensorial. A paisagem seca e árida do Norte da Tunísia corresponde ao interior dos personagens, marcado por feridas e medo. É uma obra densa e política, com personagens em constante reconstrução, vivendo no caos de um país ameaçado pelo Estado Islâmico, que nos ajuda a repensar a geopolítica do Oriente Médio e os desdobramentos disso na sociedade. O filme esteve na competição do Festival de Berlim de 2024, indicado lá ao Urso de Ouro.
 

 
O que a natureza te conta
 
Indicado ao Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2025, o novo filme do constante diretor sul-coreano Hong Sang-soo acaba de estrear nas salas brasileiras pela Pandora Filmes. Houve a primeira exibição do longa no Festival do Rio, em outubro passado, e agora a comédia dramática chega ao circuito. Mas recomendo apenas para quem curte fitas de arte e que esteja acostumado ao cinema minimalista do veterano cineasta – ele também é roteirista e produtor - que costuma rodar de dois a três filmes por ano, muitos deles curtinhos, que não ultrapassam 70 minutos de duração. Sang-soo optou aqui por uma metragem maior, de 108 minutos, onde celebra uma história de encontros e desencontros, como faz com maestria em seu estilo particular – ele roda tudo em poucos ambientes, sem close no rosto dos personagens, que costumam aparecer de lado, com longas conversas na mesa e pequenos conflitos humanos. Um jovem poeta passa alguns dias na companhia da namorada e dos pais dela – o pai, fissurado por carros antigos, e a mãe, uma poetisa que deixou a carreira. Ele está hospedado na charmosa residência dos futuros sogros, onde lá também estão as irmãs da namorada. Aquele grupo familiar conversará por longas tardes e noites assuntos diversos, ao lado de bebidas e fartas comidas. Sang-soo já demonstrou ser um hábil contador de histórias rotineiras que se passam em núcleos familiares e relações entre amigos, e aqui não faz diferente, retornando com um de seus atores preferidos, o veterano Kwon Hae-hyo – eles fizeram juntos cerca de 10 obras, dentre elas ‘A mulher que fugiu’ (2020) e ‘As aventuras de uma francesa na Coreia’ (2024), ambos lançados pela Pandora. É, novamente, uma obra cíclica, em torno de um pequeno grupo de pessoas do nascer ao pôr do sol que se encontram, comem juntas, andam de lá para cá, resolvem conflitos, e no outro dia tudo se repete. Sang-soo é um diretor que aprendi a gostar, aplaudido em festivais, premiadíssimo, que encontrou no Brasil um seleto número de seguidores – muitos dos filmes dele são exibidos na Mostra Internacional de Cinema de SP, onde passei a vê-lo. Agora o filme disponível para ver na tela grande pela Pandora - aliás, a Pandora, em parceria com o ‘Belas Artes a la Carte’, streaming do cinema Belas Artes, acaba de lançar no catálogo outro de Sang-soo, este exibido em Cannes, ‘De frente para você’ (2021 – também com o ator Kwon Hae-hyo). Está disponível para os assinantes da plataforma, e lá no ‘Belas Artes a la Carte’ há disponível vários títulos de Sang-soo, como ‘O dia depois’, ‘A câmera de Claire’, ‘A mulher que fugiu’ e ‘Encontros’ – acesse em http://belasartesalacarte.com.br/



segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Especial de cinema

 
Festival MixBrasil divulga lista dos premiados
 
A equipe do ‘33º Festival MixBrasil de Cultura da Diversidade’ anunciou na última semana a lista dos filmes premiados em todas as categorias. Um dos maiores festivais de cinema LGBTQIAPN+ da América Latina, que reúne também outras expressões artísticas, como games, exposições de artes visuais, workshops, literatura e shows, deu aos seguintes filmes o prêmio principal, o Coelho de Ouro: ‘A natureza das coisas invisíveis’, de Rafaela Camelo, ‘Arrenego’, de Fernando Weller e Alan Oliveira, e ‘Boi de salto’, de Tássia Araújo. O Mix Brasil termina ontem, dia 23/11.


 
Premiados
 
Os vencedores na categoria ‘Cinema’ da 33ª edição do Festival MixBrasil de Cultura da Diversidade foram anunciados na noite da última quarta-feira, 19 de novembro, na Biblioteca Mário de Andrade. ‘A natureza das coisas invisíveis’, de Rafaela Camelo, recebeu o prêmio de melhor longa-metragem brasileiro, enquanto ‘Arrenego’, de Fernando Weller e Alan Oliveira, venceu a Mostra Reframe; o curta-metragem brasileiro ‘Boi de salto’, de Tássia Araújo, levou o prêmio nesta categoria. Todos eles receberam pelo júri o Coelho de Ouro, honraria máxima do evento.
De acordo com a votação do público, o Coelho de Prata ficou para ‘Apolo’, de Tainá Müller e Ísis Broken, na categoria de melhor longa-metragem nacional, e o australiano ‘A sapatona galáctica’, de Leela Varghese e Emma Hough Hobb, como melhor longa internacional.  ‘Fardado’, de Dan Biurrum, e ‘Tão pouco tempo’, de Athina Gendry, receberam respectivamente os prêmios de melhor curta nacional e internacional. Confira abaixo outros filmes premiados na edição 2025 do Mix Brasil:
 
 
Coelho de Prata - Prêmio do Júri da Mostra Competitiva Brasil para Curtas-metragens
 
·       Melhor Direção: Rosa Caldeira e Nay Mendl, por ‘Fronteriza’
 
·       Melhor Roteiro: Luma Flôres, por ‘Como nasce um rio’
 
·       Melhor Interpretação: Leona Vingativa, Aria Nunes, Laiana do Socorro, Victor Henrique Oliver, Agarb Braga, Mac Silva e Juan Moraes por ‘Americana’
 
·       Menções Honrosas: ‘A Vaqueira, a dançarina e o porco’, de Stella Carneiro e Ary Zara, e ‘Vípuxovuko – Aldeia’, de Dannon Lacerda
 
 
Coelho de Prata - Prêmio do Júri da Mostra Competitiva Brasil para Longas-metragens
 
·       Melhor Direção: Guto Parente, por ‘Morte e vida Madalena’
 
·       Melhor Roteiro: Guto Parente, por ‘Morte e vida Madalena’
 
·       Melhor Interpretação: Laura Brandão e Serena, por ‘A natureza das coisas invisíveis’
 
·       Menções Honrosas: ‘Apolo’, de Tainá Müller e Ísis Broken, e ‘Apenas coisas boas’, de Daniel Nolasco
 
 
Coelho de Prata - Prêmio do Júri da Mostra Competitiva de Inteligência Artificial
 
·       Melhor Filme: ‘Sakura Gansha’, de Sijin Liu (Reino Unido/Taiwan)
 
·       Menção Honrosa: ‘Essa não é uma carta de amor’, de Danilo Craveiro (Brasil)
 
 
Coelho de Prata - Prêmio do Público
 
·       Melhor Curta-Metragem Nacional: ‘Fardado’, de Dan Biurrum
 
·       Melhor Curta-Metragem Internacional: ‘Tão pouco tempo’, de Athina Gendry (França, Alemanha)
 
·       Melhor Longa-Metragem Nacional: ‘Apolo’, de Tainá Müller e Ísis Broken
 
·       Melhor Longa-Metragem Internacional: ‘A sapatona galáctica’, de Leela Varghese, Emma Hough Hobb (Austrália)
 
Menção Honrosa – Mostra Reframe: ‘Resumo da ópera’, de Honório Félix e Breno de Lacerda
 
• Prêmio Canal Brasil de Curtas: ‘Fronteriza’, de Rosa Caldeira e Nay Mendl
 
• Prêmio SescTV Apresenta: ‘Como nasce um rio’, de Luma Flôres
 
• Prêmio Show do Gongo: ‘A perna cabeluda’, de Manequins Harmonizades
 
 
Com o tema “A gente quer +”, o ‘33º Festival Mix Brasil’ trouxe uma das maiores programações da sua história, exibindo 142 filmes de 33 países e de 18 estados brasileiros, além de uma série nacional e diversos curtas-brasileiros e internacionais. O evento é uma realização da Associação Cultural Mix Brasil e do Ministério da Cultura, conta com a iniciativa da Lei de Incentivo à Cultura, e patrocínio do Itaú,  Spcine e Prefeitura de São Paulo, e com o apoio cultural do SescSP e da Embaixada da França, e parceria com a Talent —  responsável pela campanha “A Gente Quer +”, Bumblebeat e Surreal. Apoio institucional: Instituto Moreira Salles, Teatro Sérgio Cardoso, Museu da imagem e do Som, Centro Cultural São Paulo, Mistika e DOT Cine, ImpulseSP, Reserva Cultural, Imovision e Cinemark. Promoção: Canal Brasil e Gazeta.
 
Confira abaixo dois bons títulos conferidos no festival por mim, que devem estrear em breve no circuito de cinemas e nos streamings:
 
Niñxs
(México/Alemanha, 2025, de Kani Lapuerta)
 
Uma jornada de autodescoberta em torno da nova identidade de gênero de um garoto é o tema central do bom documentário mexicano coproduzido na Alemanha que teve a première no Brasil no 33º Festival Mix Brasil. Na idílica cidade de Tepoztlán, localizada no México e conhecida por suas lendas e misticismo, Karla, de 15 anos, vive os primeiros meses com a nova identidade, de pessoa transgênero – antes ela era um menino que não aceitava sua condição. Alegre, inteligente, ela perambula pelas ruas com amigos, tem respeito da família, mas percebe olhares preconceituosos da sociedade. É o amadurecimento de uma garota da geração Z, antenada no mundo digital e preocupada com questões sobre diversidade e inclusão. A personagem conquista pelo carisma, o filme é curtinho, tem uma fotografia mágica dessa cidadezinha mexicana cercada por pirâmides, penhascos e florestas, e há boa apresentação da vida da protagonista e dos amigos e familiares dela – em momentos de pura intimidade, outros engraçados e alguns de reflexões. Exibido no importante festival suíço de documentários Visions du Réel, ganhou prêmios em mostras competitivas internacionais. O ‘x’ do título afirma a linguagem neutra, entre ‘Niños’ e ‘Ninãs’.
 

 
Gravidade
(Brasil, 2025, de Leo Tabosa)
 
Depois de passar por festivais como Cine Ceará e Mostra de Cinema de SP, ‘Gravidade’, longa pernambucano de Leo Tabosa, teve exibição no Mix Brasil onde foi recebido com calorosos aplausos. É um bom filme de teor tanto feminista quanto queer, que flerta com gêneros dos mais diversos, como drama, ficção científica e até o terror sobrenatural. O tom do filme é de ‘fim do mundo’. Duas mulheres, mãe e filha, passam a noite em claro esperando pelo fim dos tempos. Isto porque uma delas acredita em supostas teorias da conspiração que apontam que a gravidade irá acabar nas próximas horas. Isoladas em casa, os ânimos se acirram, as brigas crescem, e nada de o mundo acabar. Porém uma fenda na parede da cozinha aos poucos se abre, chamando a atenção para uma luz que sai de dentro. Não é um filme fácil nem fluido, exige-se atenção, há muitas passagens simbólicas e visualmente ousadas, como a da misteriosa fenda e a entrada de personagens ocasionais na trama, que mudam o destino da história. Vejo o filme como um exercício estético para poucos – é difícil vermos o scifi estilizado no cinema brasileiro. O elenco engrandece o curioso filme independente, com veteranas do cinema em cena, como Clarisse Abujamra e Helena Ignez, e um trabalho pessoal impecável de Hermila Guedes e Marcélia Cartaxo. Gostei de ter conhecido o filme no Festival Mix e espero que logo estreie para que o público possa vê-lo.


Resenhas especiais

 
Queen & Slim – Os perseguidos
 
Após um encontro romântico, Queen (Jodie Turner-Smith) e Slim (Daniel Kaluuya), dois jovens pretos, são abordados por um policial branco, que alega que o farol do carro deles está quebrado. O casal conversa com aquele policial, e é intimidado por ele. O bate-boca entre os três escala para agressões, que culminam na morte do policial, por legítima defesa. Queen e Slim, sem saber o que fazer, fogem de carro. O caso cai na mídia, eles são procurados como criminosos em fuga e perseguidos em toda a região.
 
Pouco conhecido pelo grande público, o filme de drama com policial à moda ‘road movie’ veio na esteira do movimento Black Lives Matter, uma campanha de ampla repercussão no mundo iniciada em 2013, muito forte nos Estados Unidos, contra a violência racial e policial - num determinado momento do filme até aparecem os manifestantes do BLM em manifestação pelas ruas. Na história – diga-se de passagem muito boa e que nos deixa apreensivos ao nos colocarmos na pele dos personagens perseguidos, uma simples abordagem policial vira um caso de racismo que termina em tragédia, e as vítimas, que agiram em legítima defesa, tornam-se inimigos número 1 da sociedade. O astro londrino Daniel Kaluuya ganharia o Oscar dois anos depois por ‘Judas e o messias negro’ (2021), um ator de primeira qualidade, revelado em ‘Corra!’ (2017); aqui ele brilha mais uma vez, ao lado da parceria de trabalho, a britânica Jodie Turner-Smith, de ‘Sem remorso’ (2021) – eles interpretam o casal Queen e Slim.


O filme trata do preconceito, da violência policial e também o papel da imprensa ao midiatizar casos de racismo de forma sensacionalista. Quem produz e escreve o filme é Lena Whaite, da premiada série da Netflix ‘Master of none’ (2015-2021). Primeiro longa da diretora Melina Matsoukas, antes responsável por clipes de Beyoncé e Ne-Yo – fazendo um bom trabalho inicial no cinema e sabendo como contar uma história forte sobre intolerância. Disponível em DVD e Bluray pela Universal Pictures e no streaming para aluguel nas principais plataformas, como Google Play Filmes, Apple TV e Youtube Filmes.
 
Queen & Slim – Os perseguidos (Queen & Slim). EUA/Canadá, 2019, 132 minutos. Drama/Ação. Colorido. Dirigido por Melina Matsoukas. Distribuição: Universal Pictures
 
 
Síndrome da Apatia
 
O casal Sergei (Grigory Dobrygin) e Natalia (Chulpan Khamatova) moram hoje na Suécia. Eles são refugiados políticos e têm duas filhas pequenas. Uma delas, Katja (Miroslava Pashutina), devido aos traumas do passado, desmaia e entra em um estado de paralisia parecido com o coma. Ela só dorme e não responde a estímulos - na Medicina isto é chamado de ‘Síndrome de Resignação’ ou ‘Síndrome da Apatia’, uma forma complexa de o corpo reagir ao medo, ‘desligando-se’ de tudo. Enquanto o casal luta por asilo político, eles buscam soluções para proteger Katja.
 
Desde o fim dos anos 90, milhares de crianças e jovens da Suécia entraram numa espécie de coma, estudados como uma nova síndrome, a da ‘Resignação Infantil’. Lá essa síndrome é tratada como doença desde 2014, atingindo sobretudo crianças que passaram por alto estresse, boa parte delas refugiadas de guerra – elas ‘adormecem’ como uma hibernação e acordam após meses, algumas com sequelas. Estudos tentam entender melhor o que é essa nova doença. Pegando esse tema, o diretor grego Alexandros Avranas, realizador de uma fita polêmica e mal compreendida anos atrás, ‘Miss Violence’ (2013 - premiada em Veneza), rodou seu novo trabalho na Suécia, juntando questões como a nova política de imigração em países da Europa, alienação coletiva e crise familiar, a partir da Síndrome da Apatia que acomete a filha dos personagens centrais. Ela é uma menina tímida, que desmaia e não sai mais da cama. Ela não responde a nada, a família entra em choque e tenta compreender o complexo caso clínico. Com muitos diálogos, fotografia pastel em tons leves de azul e branco, que ajuda a criar um ambiente de repouso eterno da personagem infantil, o filme venceu prêmio especial no Festival de Veneza de 2024 e lá concorreu na principal modalidade da Mostra Horizons.


Em abril, teve a première no Brasil, durante a 1ª edição do Festival de Cinema Europeu Imovision, realizado pela distribuidora Imovision em parceria com o Reserva Cultural. Também passou nos cinemas meses atrás e acaba de ser lançado no streaming Reserva Imovision. Conheça, é um filme muitíssimo curioso, mas se prepare para algo duro, que não nos deixa indiferentes.
 
Síndrome da Apatia (Quiet life). França/ Suécia/ Alemanha/ Estônia/ Grécia/ Finlândia, 2024, 99 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Alexandros Avranas. Distribuição: Imovision

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Especial de cinema

 
Festival MixBrasil segue até dia 23 gratuitamente em SP
 
Considerado o maior festival de cinema LGBTQIAPN+ da América Latina, que reúne não só exibição de filmes, mas outras expressões artísticas, o ‘33º Festival MixBrasil de Cultura da Diversidade’ segue com extensa programação até o dia 23/11, em diversos espaços da capital paulista. São exibidos 142 filmes de 33 países e de 18 estados brasileiros, além de uma série nacional e oito curtas-brasileiros. Há também oito espetáculos teatrais, experiências XR, artes visuais, literatura, games, conferências, o tradicional Show do Gongo e a novidade desta edição, que é uma mostra competitiva de filmes feitos com Inteligência Artificial. O tema escolhido para esta edição é "A gente quer+".
Destacam-se os seguintes filmes da seção ‘Panorama internacional’ da edição de 2025: ‘Twinless - Um gêmeo a menos’ (2025), vencedor do Prêmio do Público no Festival de Sundance; ‘O olhar misterioso do flamingo’ (2025), vencedor do Prêmio do Júri de melhor filme na mostra Un Certain Regard em Cannes; ‘A sapatona galáctica’ (2024), animação australiana de Leela Varghese e Emma Hough Hobb, vencedora do prêmio Félix de melhor longa internacional no Festival do Rio; ‘Sabbath Queen’ (2024), documentário com animação exibido no festival de Tribeca; e ‘Queens of the dead’ (2025), comédia de zumbi dirigida por Tina Romero (filha do famoso cineasta do cinema de horror George A. Romero).
O Festival MixBrasil 2025 é realizado nos seguintes espaços: CineSesc, Anexo do CineSesc, Museu da Imagem e do Som de SP – MIS, Instituto Moreira Salles (IMS Paulista), Centro Cultural São Paulo (CCSP), Galeria Vermelho, Reserva Cultural, Biblioteca Mário de Andrade, Teatro Sérgio Cardoso, Museu da Diversidade Sexual, SPCine Olido, Tendal da Lapa e Cinemark Cidade São Paulo. Os ingressos, para a maioria das atividades e sessões, são gratuitos, com retirada 1h antes de cada apresentação/sessão. Entrada livre, sem necessidade de ingressos, no MIS, Museu da Diversidade, Galeria Vermelho, Anexo CineSesc e Tendal da Lapa. Ingressos pagos (R$ 20 - meia para todos) para a programação no Reserva Cultural, Cinemark Shopping Cidade São Paulo e Teatro Sérgio Cardoso (Show do Gongo). Também haverá a programação online de filmes, em exibição gratuita nas plataformas Sesc Digital, Spcine Play e Itaú Cultural Play.


O MixBrasil é uma realização da Associação Cultural MixBrasil e do Ministério da Cultura e conta com a iniciativa da Lei de Incentivo à Cultura e patrocínio do Itaú,  Spcine e Prefeitura de São Paulo, com o apoio cultural do SescSP e da Embaixada da França, além da parceria com a Talent —  responsável pela campanha "A gente quer +", Bumblebeat e Surreal. Apoio institucional: Instituto Moreira Salles, Teatro Sérgio Cardoso, Museu da imagem e do Som, Centro Cultural São Paulo, Mistika e DOT Cine, ImpulseSP, Reserva Cultural, Imovision e Cinemark. Promoção: Canal Brasil e Gazeta.
Toda a programação do 33º Festival MixBrasil de Cultura da Diversidade pode ser conferida no site mixbrasil.org.br ou pelo Instagram oficial do evento, em @festivalmixbrasil. Confira alguns filmes que assisti e recomendo.
 
Twinless – Um gêmeo a menos
(EUA, 2025, de James Sweeney)
 
Exibido nos festivais norte-americanos de Tribeca e Sundance, onde ganhou dois prêmios especiais, dentre eles o do público, a comédia dramática escrita, dirigida e protagonizada por James Sweeney aborda um relacionamento gay confuso e cheio de nuances. Sweeney interpreta Dennis, um jovem inteligente, mas muito irônico, que tem dificuldade em relacionamentos; em um grupo de apoio para pessoas que perderam seu irmão gêmeo, conhece Roman – papel de Dylan O’Brien, da franquia ‘Maze runner’, um rapaz solitário, em processo de luto. De uma amizade colorida surge um forte vínculo nesse momento delicado em que passam. Com humor negro e cenas engraçadas de sexo, o filme trabalha, de forma humana e espirituosa, temas como reconhecimento e pertencimento, além, claro, da ressignificação do luto. A dupla está muito bem, e o longa conta com participação da atriz Lauren Graham, protagonista da premiada série ‘Gilmore girls’. Teve a primeira exibição no Brasil no Festival do Rio e agora chega ao Mix Brasil com destaque na programação 2025.

 
 
Scarlet blue
(França, 2024, de Aurélia Mengin)
 
Fita de arte francesa com estética radical num roteiro desafiador, que parece ter saído do cinema scifi B dos anos 80. Com visual estranho juntando cores neon azuladas e lugares fechados, o filme faz uma mistura eclética de gêneros, como drama, romance, ficção científica, terror e ação. Alter (Anne-Sophie Charron) é uma mulher que enfrenta a esquizofrenia e uma crise de depressão. Atormentada por desejos carnais, já tentou duas vezes o suicídio; sem amigos ou família por perto, acaba participando de sessões de hipnose com um homem que mais parece um curandeiro que médico ou psicólogo (papel do ator italiano Stefano Cassetti) – ele faz nela uma espécie de hipnose mística, o que a leva a chafurdar lembranças escondidas, algumas dolorosas envolvendo a mãe. Nesse processo de autoconhecimento, Alter percebe que a realidade se mescla a fantasias, até um dia crucial em que conhece o amor. Diferente, com ousadias técnicas e um roteiro cheio de reviravoltas, o filme integra a seção do Mix Brasil dedicada a obras de novas estéticas – o longa foi premiado em diversos festivais de cinema fantástico. Sessão apenas online no Sesc Digital, disponível até dia 30/11 – no Sesc Digital há também nove curtas-metragens do Festival Mix 2025, todos gratuitos, até dia 30/11.



 

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Estreias da semana - Nos cinemas e no streaming

 
Querido trópico
 
Premiada fita de arte produzida no Panamá e Colômbia chega aos cinemas brasileiros, um filme tocante sobre velhice e Alzheimer. Muitos filmes já trataram do tema com certo dissabor e tristeza; aqui a seriedade, com um pequeno toque de humor, toma conta da história, que envolve uma amizade intergeracional. Ana Maria (Jenny Navarrete) é uma jovem imigrante colombiana que trabalha como cuidadora de idosos. Ela atualmente mora na Cidade do Panamá. Sua próxima paciente será Mercedes (Paulina García), uma senhora da classe alta, que enfrenta a demência. Dia a dia Mercedes se atém a lembranças para barrar a evolução da cruel doença. Aos poucos, entre ela e Ana Maria nascerá um vínculo que ultrapassará os limites da relação enfermeiro/paciente. As duas atrizes em cena desenvolvem uma química impressionante, interpretações de uma sinceridade ímpar, com destaque para o discreto charme da atriz chilena Paulina García, protagonista de ‘Gloria’ (2013), papel que rendeu a ela o prêmio de melhor atriz no Festival de Berlim. É um filme de alma feminina, que se constrói nos detalhes, pelos olhares dos personagens, pelo toque entre eles. Escrito e dirigido pela cineasta panamenha Ana Endara Mislov, o filme teve première nos Festivais de Toronto e San Sebastián e aqui no Brasil no Festival do Rio. Está nos cinemas com distribuição do Filmes do Estação.
 

 
Meu pior vizinho
 
A Sato Company, distribuidora especializada em cinema asiático, traz ao Brasil a graciosa comédia romântica sul-coreana ‘Meu pior vizinho’, uma adaptação da fita francesa ‘Blind date’. Com elementos típicos dos doramas que tanto fazem sucesso, o filme se passa em dois apartamentos vizinhos, separados por uma fina parede; no primeiro mora um músico, que acabou de se mudar e precisa de concentração para exercer seu trabalho, enquanto no apê ao lado reside uma jovem designer em crise emocional. A menina chora diariamente, tem poucos amigos, e o barulho das ferramentas que ela usa no trabalho, bem como o chororô, chama a atenção do músico, que passa a ouvir pela parede seus lamentos. Ele então cria coragem para marcar um encontro com a misteriosa vizinha. Os atores, apesar de iniciantes, são carismáticos e entregam o melhor de si numa história leve, apaixonante, mas que não deixa de refletir sobre o isolamento na cidade grande – a parede que separa os dois é uma alegoria para a solidão e o distanciamento da vida moderna. O filme está em circuito em dezenas de cidades brasileiras, dentre elas capitais como Salvador, Brasília, Vitória, Goiânia, Belo Horizonte, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.
 

 
Lar
 
Bom documentário na linha do novo cinema independente brasileiro, assinado pelo jovem cineasta Leandro Wenceslau. Um trabalho muitíssimo autoral do diretor, que reflete pontos de sua vida ao tratar das novas formas de amor e cuidado. São três famílias LGBTQIAPN+ que partilham suas relações com os filhos, bem como o preconceito enraizado na sociedade e suas formas de enfrentamento. Quem conduz as histórias são os filhos e as filhas daquelas famílias, que falam de afeto, o percurso da adoção, a rotina na escola e os desafios de se viver num lar diverso. A câmera registra o cotidiano dessas pessoas em suas individualidades, mostra conversas reveladoras em que desabafam e também apontam as inseguranças. O diretor aparece como narrador trazendo colaborações sobre sua jornada de descobertas ao relembrar momentos cruciais da infância e juventude e da vontade em adotar um filho com seu companheiro – algo que motivou a realização do documentário. Um bonito filme sobre vínculo familiar e que levanta também discussão sobre enfrentamento ao preconceito de gênero, reunindo uma gama de histórias que se completam no tema proposto. Produtor, roteirista e diretor, Leandro Wenceslau fez aqui seu bom ‘debut’ em longa-metragem após uma série de curtas-metragens de tema LGBTQIAPN+. Entrega um filme reflexivo e importante para os dias atuais. Estreia nos principais cinemas com distribuição da Embaúba Filmes.
 

 
Maldito Modigliani
 
Chega aos cinemas mais um documentário da série de filmes para cinema das produtoras italianas 3D Produzioni e Nexo Digital, com distribuição no Brasil pela Autoral Filmes – elas rodaram 65 trabalhos entre séries e filmes, de 2014 para cá, e a Autoral já distribui alguns como ‘Picasso – Um rebelde em Paris’ (2023). O filme faz um apanhado das obras do artista italiano Amedeo Modigliani (1884-1920) a partir da análise delas por historiadores de arte e curadores de museu, bem como momentos decisivos de sua vida – como a boemia, a pobreza, a fome, a relação com pintores russos, a incorporação do Expressionismo e Fauvismo e a morte prematura por tuberculose aos 35 anos. Um dos comentadores no documentário é o diretor de cinema Paolo Virzì, fã das obras de Modigliani. O filme foi produzido em 2020, no centenário de morte do artista, um gênio vanguardista que teve reconhecimento somente após a morte. A originalidade do doc está na narração – quem conta é a esposa de Modigliani, Jeanne Hébuterne, musa de seus trabalhos e que cometeu suicídio dois dias após a morte de Modigliani. Um filme rico de informações e bem construído, que vale a pena assistir, principalmente aqueles que curtem artes plásticas.
 

 
Corações jovens
 
A Mares Filmes lança, após grande espera do público, a apaixonante fita belga ‘Corações jovens’, coproduzida nos Países Baixos, que fala do primeiro amor, no caso entre dois meninos que moram na mesma rua. Discreto, é um filme emotivo e bem cuidado, de tema LGBTQIAPN+ que leve para a tela dois personagens não causais no cinema, dois meninos na pré-adolescência que se apaixonam – em seu primeiro longa-metragem, o cineasta e roteirista Anthony Schatteman soube entrar nessa seara cinematográfica com muito afinco, sem pieguice ou melodrama barato. Menos dramático e sem aquela carga de tristeza do conterrâneo ‘Close’ (2022), nem tão complexo e com densidade psicológica do japonês ‘Monster’ (2023), ambos filmes sobre jovens na descoberta do amor, o filme é mais terno e atraente para o grande público. Elias e Alexander acabam de se tornar vizinhos e passam a desenvolver um carinho especial um pelo outro. Da amizade entre as brincadeiras de escola e corrida de bicicleta, nasce ali o amor. Elias é mais intenso, precisa resolver aquele estranho sentimento dentro dele, mas tem medo de falar para a família sobre o assunto – ele tem pai, mãe e irmão mais velho. Já Alexander é mais tímido, fala pouco, é um menino curioso e não esconde o carinho que tem pelo novo amigo. A ambientação do filme é um atrativo para a história romântica, pois se passa numa cidadezinha bucólica, cercada por matas e um enorme silêncio. Os atores mirins nos emocionam com tamanha sensibilidade e tato para os papéis, ambos estreantes, Lou Goossens e Marius De Saeger. É bonita a relação que se constrói entre Elias e sua família e as formas de encontro dos dois meninos, como na cena final na festa que movimenta a cidade. Exibido no Festival de Berlim, onde recebeu menção especial dos jurados na seção Generation Kplus, o filme venceu prêmio especial no Cannes Écrans Juniors. Vem fazendo certo sucesso entre os jovens, principalmente após o filme viralizar nas redes sociais. Que o público o encontre, pois é uma obra linda demais, voltada especialmente para quem quer ver na tela uma história romântica sendo construída nos detalhes.
 
 
Eu, Eddie
 
Aos 64 anos, o astro da comédia Eddie Murphy ganha agora um documentário especial na Netflix, um filme que recupera toda a sua carreira, que completou quatro décadas. Com fotos de arquivo, reportagens e vídeos caseiros, o filme mostra o início de Eddie no humor, quando começou no stand up de Nova York no início dos anos 80, até se tornar ator de filmes populares e queridos pelo público, como ’48 horas’, ‘Um tira da pesada’, ‘Trocando as bolas’ e ‘Um príncipe em Nova York’. Eddie é entrevistado pela equipe do diretor Angus Wall, relembra fatos marcantes da carreira, fala de como foi difícil entrar no cinema - um território de brancos, até se consolidar e abrir as portas para jovens atores negros nos anos 80 – já existiu a Blaxploitation que trouxe o ator negro para a tela, mas a vinda de Eddie marcou um novo momento do cinema pós-Nova-Hollywood, um cinema mais moderno e comercial. Em determinado momento Murphy toca em temas espinhosos, como seu lado temperamental no set de filmagem, quando abandonou o Oscar no meio da cerimônia por não ter ganhado a estatueta em sua única indicação – por ‘Dreamgirls: Em busca de um sonho’ (2006), as duras críticas recebidas com seus filmes que andaram na corda bamba nos anos 90, além de entraves que culminaram em mal estar com colegas atores de sua geração. A Netflix produz bons documentários em formato de filme, e este é um deles.



domingo, 16 de novembro de 2025

Cine clássico

 
Tara maldita
 
Gentil e atuante no trabalho, Christine (Nancy Kelly) é casada com um comandante da Marinha, Penmark (William Hopper), com quem tem uma filha, Rhoda (Patty McCormack). A garotinha, de apenas oito anos, tem cara de anjo, mas esconde um perfil sombrio quando está sozinha. Egoísta e mentirosa, Rhoda também pode fazer planos diabólicos e até matar. Até que um dia um crime horrendo ocorre na vizinhança da família Penmark.
 
Ousado na época de seu lançamento, há quase 70 anos, ‘Tara maldita’, também conhecido no Brasil por ‘A semente maldita’, é a adaptação para as telas de um romance sombrio que se tornou cult, ‘The bad seed’, último livro de William March, no Brasil lançado recentemente pela Darskide com o título de ‘Menina má’. Foi um dos primeiros filmes com criança vilã, que esconde um perfil de assassina e sabe como ninguém mentir e fazer planos criminosos. Ela disfarça com seu lado angelical, fala muito bem e tem lábia para ludibriar. Sua mãe não desconfia e até a superprotege, enquanto o pai, comandante da Marinha, é ausente devido ao trabalho. Ela encarna a maldade, o lado mais sombrio do ser humano, capaz de matar com frieza. Certo dia, um amiguinho de classe da menina morre de maneira misteriosa, e ela se torna suspeita – a ponto de a mãe do garoto, uma alcoólatra, ameaçar a família da menina. A construção do filme é de tensão constante, com um clima ameaçador e de neurose – e na nossa mente sempre ecoa a figura perturbadora daquela criança vil. A fotografia do filme, num preto-e-branco único, foi indicada ao Oscar – aliás, o filme teve outras três indicações, no caso o elenco – de melhor atriz para Nancy Kelly, no papel da mãe, a protagonista; atriz coadjuvante para Patty McCormack, a menina, na época com 11 anos, e também coadjuvante, num papel deslumbrante, Eileen Heckart, como a mãe do garoto morto, sempre alcoolizada.



Um estudo sobre crianças com transtornos de personalidade e conduta, que as levam a agir com manipulação, sem remorso e com muita frieza em suas atitudes. Direção grandiosa de Mervyn LeRoy (1900-1987), que captura bons diálogos e cenas fechadas na casa da família Penmark, que são verdadeiras aulas de enquadramento. Saiu há tempos em DVD pela Classicline e recentemente no box ‘Obras-primas do terror - Vol. 22’ pela Versátil, em cópia restaurada – na caixa vem sete filmes, dentre eles ‘A balada de Tam Lin’
(1970) e ‘Herança maldita’ (1974).
 
Tara maldita (The bad seed). EUA, 1956, 129 minutos. Terror/Suspense. Preto-e-branco. Dirigido por Mervyn LeRoy. Distribuição: Versátil Home Video (em DVD no box ‘Obras-primas do terror – vol. 22’, lançado em 2024) e Classicline (DVD lançado em 2020)
 
 
O castelo sinistro
 
Mary Carter (Paulette Goddard) fica rica da noite para o dia ao herdar uma mansão em uma ilha remota de Cuba. Ela decide viajar ao local para conhecer melhor os aposentos, e convida para ir junto o locutor de rádio Larry Lawrence (Bob Hope). Ao chegarem lá, descobrem que o casarão na verdade é um antigo castelo considerado mal-assombrado.
 
Um dos atores mais engraçados e longevos do cinema se junta a uma das atrizes mais charmosas e bonitas de Hollywood nesse filme de comédia com boas doses de suspense, que representou bem o cinema dos anos 40, quando a fantasia e o fantástico se misturavam a temáticas realistas. Estamos falando de Bob Hope (1903-2003), que chegou aos 100 anos, tornou-se embaixador de causas humanitárias em Hollywood, ganhou prêmios especiais pela carreira e apresentou por décadas o Oscar, participando de mais de 100 filmes, e Paulette Goddard (1910-1990), ex-mulher de Charles Chaplin, com quem trabalhou em ‘Tempos modernos’ (1936) e foi indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante por ‘A legião branca’ (1944). Eles fazem uma dupla que arranca risos e altas emoções em cenas que beiram o terror, como dois cidadãos que viajam a Cuba para inspecionar um castelo mal-assombrado que será herdado pela protagonista. Tem estereótipos típicos da época, como fantasmas envoltos de aura luminosa, uma Cuba mística e momentos pastelão e outros de filmes de gangsters – no meio da trama eles serão perseguidos por mafiosos.



Tornou-se um filme notório nos Estados Unidos e apontado pelos fãs de Bob Hope um de seus melhores filmes – eu gosto muito deste, ao lado de outro clássico de Hope que via quando pequeno, ‘O valente treme-treme’ (1948). Adaptação para o cinema da peça teatral da dupla Paul Dickey e Charles W. Goddard, que escreviam peças e roteiros de mistério com humor, como um outro filme que lembra este, ‘Morrendo de medo’ (1953 – feito pela dupla Dean Martin e Jerry Lewis). Em DVD pela Classicline.
 
O castelo sinistro
(The ghost breakers). EUA, 1940, 84 minutos. Comédia. Preto-e-branco. Dirigido por George Marshall. Distribuição: Classicline (em DVD)

Estreias da semana – Nos cinemas – Parte 2

  Primeiro encontro   Dois filmes cult estão nos principais cinemas brasileiros com o selo de distribuição da Pandora Filmes: a comédia româ...