Dollhouse
Um
sinistro J-horror (horror japonês), com uma boneca amaldiçoada, chega aos
cinemas neste fim de semana, lançamento exclusivo da Sato Company. Quem tem
medo com filmes de brinquedos malditos irá curtir a pegada desse terror que também
é um drama sobre luto. Yoshie (Masami Nagasawa) entra em depressão profunda
após a morte da filha de cinco anos, Mei (Totoka Honda). Ela e o marido tentam,
pouco a pouco, superar a perda. Um dia, Yoshie encontra numa loja de
antiguidades uma boneca com traços que lembram Mei, então a adquire. Encontra
na boneca uma forma de superar o luto, integrando-a como membro da família. Tempos
depois nasce a nova filha do casal, Mai (Aoi Ikemura), e a boneca é deixada de
lado. Quando Mai completa cinco anos, a garotinha desenvolve uma certa atração
pela boneca, dando início a estranhas ocorrências sobrenaturais. Em seu novo
projeto, o diretor e roteirista Shinobu Yaguchi muda radicalmente de gênero,
saindo das habituais comédias para atingir um outro nível na cinematografia, o
horror sobrenatural – ele dirigiu 14 filmes, como o premiado sucesso de público
‘Garotas do balanço’ (2004). Ele se saiu bem, por ser um bom contador de
histórias, fazendo uma obra assustadora, com jumpscares de pular da cadeira; o
horror se divide com um drama psicológico, uma preocupação do diretor, que
trouxe reflexões sobre luto, perda e reparação, com um triste assombroso. Yaguchi
conta em entrevistas que sempre quis realizar uma fita de horror, já que é fã
do gênero – em alguns aspectos ‘Dollhouse’ lembra ‘Annabelle’, com melhor
refinamento artístico, pois trata de uma boneca que, quando jogada fora,
retorna de maneira inexplicável e guarda uma maldição. Disponível em vários
cinemas brasileiros, incluindo o Sato Cinema - fundada em 1985, a Sato Company
é pioneira na distribuição de animes e tokusatsu, referência aos cinéfilos; a Sato
lançou no Brasil filmes e séries asiáticos de sucesso de público e crítica,
como ‘Akira’, ‘Ghost in the shell’, ‘National Kid’, ‘Ultraman’, ‘Godzilla Minus
One’ e ‘O menino e a garça’.
Meu nome Hitchcock
Documentário monumental
do diretor, roteirista, pesquisador e professor de cinema Mark Cousins, que
esteve no Brasil no ano passado para lançar uma retrospectiva de oito filmes
seus e fazer masterclass no festival ‘É Tudo Verdade’. Produção britânica,
exibida em festivais como Telluride e Hong Kong e na Mostra de Cinema de SP de
2022, o documentário de Mark Cousins está disponível gratuitamente no Sesc
Digital até o dia 19/11. Em 2022 houve a comemoração dos 100 anos de lançamento
do primeiro trabalho de Alfred Hitchcock, ‘Number 13’ (também conhecido por ‘Mrs.
Peabody’), comédia muda rodada no Reino Unido, considerada perdida, já que os
rolos da película foram destruídos, o roteiro datilografado sumiu, e há hoje
uma ou outra cena por aí no Youtube, em péssima qualidade. Para celebrar o
centenário do primeiro filme de um dos diretores mais conhecidos e influentes
do planeta, Cousins lançou este longa que é resultado de uma ampla pesquisa feita
por ele ao longo dos últimos anos ele criou um filme super bem montado para
estudiosos e fãs de Hitchcock, uma preciosidade que dá prazer em assistir. Com
seu olhar crítico e direto, Cousins, só com trechos das 70 obras de Hitchcock,
compõe um rico painel sobre os processos de criação do cineasta falecido em 1980;
ele divide o filme em pontos de vista de Hitchcock, como o controle e os planos
das cenas, a altura da câmera e os elementos escondidos, que se transformaram
em obsessões do cineasta, e assim um virtuosismo que inspiraria diretores como
Brian De Palma e M. Night Shyamalan. Um recurso curioso, que chama demais nossa
atenção, é a narração - quem fala a todo momento em primeira pessoa é o próprio
Hitchcock, como se estivesse nos dias atuais – no crédito final é explicado
como isto foi feito. É uma viagem supersônica ao cinema de Hitchcock, com 80% do
filme composto por imagens de seus filmes, e o restante com fotos raras de
Hitchcock em bastidores, dando entrevistas e posando para capas de revistas e
matérias jornalísticas. Cousins está no rol dos enormes documentaristas contemporâneos;
ele completou 60 anos recentemente, e dele há trabalhos imprescindíveis para
quem quer estudar o cinema, como a minissérie ‘A História do Cinema – Uma
odisseia’ (2011), e os longas ‘Uma História de crianças e cinema’ (2013), ‘Os
olhos de Orson Welles’ (2018), o díptico ‘A História do olhar’ e ‘A História do
Cinema – Uma nova geração’ - lançados em
2021, e ‘O cinema tem sido o meu amor: O trabalho e a vida de Lynda Myles’
(2023). Conheçam ‘Meu nome é Hitchcock’.
Você é o universo
Poucos sabem, mas a Ucrânia,
bem antes da guerra com a Rússia, tem investido em um cinema autoral, com
filmes sobre debate social, conflitos étnicos-culturais e disputa de território.
Mesma com a crise financeira que se arrasta há pelo menos três décadas, o país faz
coproduções e realiza longas independentes de altíssima qualidade, com uma
ampla cinematografia, infelizmente desconhecida – a Ucrânia era uma das 15
repúblicas socialistas da URSS, o país foi invadido pela Rússia e continua
sendo devastado desde 2014, com intensificação do conflito a partir de 2022. O
cinema ucraniano tem mínima projeção fora da Europa, e talvez os dois filmes
mais conhecidos de lá foram os documentários ‘Winter on fire: Ukraine's fight
for freedom’ (2015), indicado ao Oscar, e o vencedor do Oscar de doc do ano
passado, a coprodução EUA/Ucrânia ’20 dias em Mariupol’ (2023), excelente por
sinal. Uma das salvações para ver cinema ucraniano é acessar o catálogo da
Reserva Imovision, que apresenta sete produções do país e coproduções de 2019 a
2024, como este curiosíssimo filme de ficção científica ‘Você é o universo’ (2024).
É um drama scifi que se passa num futuro próximo. O mundo acabou depois das
guerras que assolaram o planeta – dentre ela a Russo-Ucraniana. Só existe um
sobrevivente, um astronauta viajando pelo espaço, o ucraniano Andriy Melnyk (Volodymyr
Kravchuk). Ele está a trabalho, sozinho na nave, transportando lixo nuclear em
um cargueiro para Calisto, uma lua abandonada de Júpiter. Sem saber o que fazer
quando a Terra vira cinzas, procura na nave jogos e brincadeiras para ocupar o
tempo e planejar um pouso. Até que, por meio de sinais do rádio, descobre que uma
astronauta francesa, de nome Catherine (Alexia Depicker), está também em viajando
no espaço solitariamente. Andriy se sente aliviado por não estar só, então
combina com Catherine uma forma de as naves se aproximarem para se conhecerem.
Um personagem em cena, uma ambientação somente, e um vazio absoluto dominam a
cena, num filme de esplêndidas fotografia e direção de arte. O drama scifi se
torna aos poucos uma pequena aventura espacial em que dois estranhos buscam se
encontrar para viver uma história de amor, apesar dos milhares de obstáculos. Destaco
a direção de arte bem cuidada do interior da nave espacial do protagonista, além
do bom trabalho dele. A direção de Pavlo Ostrikov é segura – é seu filme de
estreia, escrito e dirigido por ele, que demorou 10 anos para realizá-lo,
devido ao orçamento apertado, a pandemia e a guerra que prorrogaram a produção.
Totalmente rodado e produzido na Ucrânia, o filme prende a atenção e é um belo
exemplar do cinema autoral do país. Há, da metade para o final, uma reviravolta
impressionante que mudará o humor do filme. Vi por acaso após comentários
positivos na internet e gostei muito – o longa integrou a seleção oficial do
Festival de Toronto e da primeira edição do Festival de Cinema Europeu
Imovision, lançado neste ano em São Paulo.
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