Querido trópico
Premiada fita de arte
produzida no Panamá e Colômbia chega aos cinemas brasileiros, um filme tocante
sobre velhice e Alzheimer. Muitos filmes já trataram do tema com certo dissabor
e tristeza; aqui a seriedade, com um pequeno toque de humor, toma conta da
história, que envolve uma amizade intergeracional. Ana Maria (Jenny Navarrete)
é uma jovem imigrante colombiana que trabalha como cuidadora de idosos. Ela
atualmente mora na Cidade do Panamá. Sua próxima paciente será Mercedes (Paulina
García), uma senhora da classe alta, que enfrenta a demência. Dia a dia
Mercedes se atém a lembranças para barrar a evolução da cruel doença. Aos
poucos, entre ela e Ana Maria nascerá um vínculo que ultrapassará os limites da
relação enfermeiro/paciente. As duas atrizes em cena desenvolvem uma química impressionante,
interpretações de uma sinceridade ímpar, com destaque para o discreto charme da
atriz chilena Paulina García, protagonista de ‘Gloria’ (2013), papel que rendeu
a ela o prêmio de melhor atriz no Festival de Berlim. É um filme de alma
feminina, que se constrói nos detalhes, pelos olhares dos personagens, pelo
toque entre eles. Escrito e dirigido pela cineasta panamenha Ana Endara Mislov,
o filme teve première nos Festivais de Toronto e San Sebastián e aqui no Brasil
no Festival do Rio. Está nos cinemas com distribuição do Filmes do Estação.
Meu pior vizinho
A Sato Company,
distribuidora especializada em cinema asiático, traz ao Brasil a graciosa
comédia romântica sul-coreana ‘Meu pior vizinho’, uma adaptação da fita
francesa ‘Blind date’. Com elementos típicos dos doramas que tanto fazem
sucesso, o filme se passa em dois apartamentos vizinhos, separados por uma fina
parede; no primeiro mora um músico, que acabou de se mudar e precisa de
concentração para exercer seu trabalho, enquanto no apê ao lado reside uma
jovem designer em crise emocional. A menina chora diariamente, tem poucos
amigos, e o barulho das ferramentas que ela usa no trabalho, bem como o chororô,
chama a atenção do músico, que passa a ouvir pela parede seus lamentos. Ele
então cria coragem para marcar um encontro com a misteriosa vizinha. Os atores,
apesar de iniciantes, são carismáticos e entregam o melhor de si numa história
leve, apaixonante, mas que não deixa de refletir sobre o isolamento na cidade
grande – a parede que separa os dois é uma alegoria para a solidão e o
distanciamento da vida moderna. O filme está em circuito em dezenas de cidades
brasileiras, dentre elas capitais como Salvador, Brasília, Vitória, Goiânia, Belo
Horizonte, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.
Lar
Bom documentário na
linha do novo cinema independente brasileiro, assinado pelo jovem cineasta Leandro
Wenceslau. Um trabalho muitíssimo autoral do diretor, que reflete pontos de sua
vida ao tratar das novas formas de amor e cuidado. São três famílias LGBTQIAPN+
que partilham suas relações com os filhos, bem como o preconceito enraizado na
sociedade e suas formas de enfrentamento. Quem conduz as histórias são os
filhos e as filhas daquelas famílias, que falam de afeto, o percurso da adoção,
a rotina na escola e os desafios de se viver num lar diverso. A câmera registra
o cotidiano dessas pessoas em suas individualidades, mostra conversas
reveladoras em que desabafam e também apontam as inseguranças. O diretor
aparece como narrador trazendo colaborações sobre sua jornada de descobertas ao
relembrar momentos cruciais da infância e juventude e da vontade em adotar um
filho com seu companheiro – algo que motivou a realização do documentário. Um bonito
filme sobre vínculo familiar e que levanta também discussão sobre enfrentamento
ao preconceito de gênero, reunindo uma gama de histórias que se completam no
tema proposto. Produtor, roteirista e diretor, Leandro Wenceslau fez aqui seu
bom ‘debut’ em longa-metragem após uma série de curtas-metragens de tema LGBTQIAPN+.
Entrega um filme reflexivo e importante para os dias atuais. Estreia nos
principais cinemas com distribuição da Embaúba Filmes.
Maldito Modigliani
Chega aos cinemas mais
um documentário da série de filmes para cinema das produtoras italianas 3D
Produzioni e Nexo Digital, com distribuição no Brasil pela Autoral Filmes – elas
rodaram 65 trabalhos entre séries e filmes, de 2014 para cá, e a Autoral já
distribui alguns como ‘Picasso – Um rebelde em Paris’ (2023). O filme faz um
apanhado das obras do artista italiano Amedeo Modigliani (1884-1920) a partir
da análise delas por historiadores de arte e curadores de museu, bem como
momentos decisivos de sua vida – como a boemia, a pobreza, a fome, a relação
com pintores russos, a incorporação do Expressionismo e Fauvismo e a morte
prematura por tuberculose aos 35 anos. Um dos comentadores no documentário é o
diretor de cinema Paolo Virzì, fã das obras de Modigliani. O filme foi
produzido em 2020, no centenário de morte do artista, um gênio vanguardista que
teve reconhecimento somente após a morte. A originalidade do doc está na
narração – quem conta é a esposa de Modigliani, Jeanne Hébuterne, musa de seus
trabalhos e que cometeu suicídio dois dias após a morte de Modigliani. Um filme
rico de informações e bem construído, que vale a pena assistir, principalmente
aqueles que curtem artes plásticas.
Corações jovens
A Mares Filmes lança,
após grande espera do público, a apaixonante fita belga ‘Corações jovens’,
coproduzida nos Países Baixos, que fala do primeiro amor, no caso entre dois
meninos que moram na mesma rua. Discreto, é um filme emotivo e bem cuidado, de
tema LGBTQIAPN+ que leve para a tela dois personagens não causais no cinema, dois
meninos na pré-adolescência que se apaixonam – em seu primeiro longa-metragem,
o cineasta e roteirista Anthony Schatteman soube entrar nessa seara
cinematográfica com muito afinco, sem pieguice ou melodrama barato. Menos
dramático e sem aquela carga de tristeza do conterrâneo ‘Close’ (2022), nem tão
complexo e com densidade psicológica do japonês ‘Monster’ (2023), ambos filmes
sobre jovens na descoberta do amor, o filme é mais terno e atraente para o
grande público. Elias e Alexander acabam de se tornar vizinhos e passam a
desenvolver um carinho especial um pelo outro. Da amizade entre as brincadeiras
de escola e corrida de bicicleta, nasce ali o amor. Elias é mais intenso,
precisa resolver aquele estranho sentimento dentro dele, mas tem medo de falar
para a família sobre o assunto – ele tem pai, mãe e irmão mais velho. Já Alexander
é mais tímido, fala pouco, é um menino curioso e não esconde o carinho que tem
pelo novo amigo. A ambientação do filme é um atrativo para a história
romântica, pois se passa numa cidadezinha bucólica, cercada por matas e um
enorme silêncio. Os atores mirins nos emocionam com tamanha sensibilidade e
tato para os papéis, ambos estreantes, Lou Goossens e Marius De Saeger. É
bonita a relação que se constrói entre Elias e sua família e as formas de
encontro dos dois meninos, como na cena final na festa que movimenta a cidade. Exibido
no Festival de Berlim, onde recebeu menção especial dos jurados na seção
Generation Kplus, o filme venceu prêmio especial no Cannes Écrans Juniors. Vem
fazendo certo sucesso entre os jovens, principalmente após o filme viralizar
nas redes sociais. Que o público o encontre, pois é uma obra linda demais, voltada
especialmente para quem quer ver na tela uma história romântica sendo
construída nos detalhes.
Eu, Eddie
Aos 64 anos, o astro da
comédia Eddie Murphy ganha agora um documentário especial na Netflix, um filme
que recupera toda a sua carreira, que completou quatro décadas. Com fotos de arquivo,
reportagens e vídeos caseiros, o filme mostra o início de Eddie no humor,
quando começou no stand up de Nova York no início dos anos 80, até se tornar ator
de filmes populares e queridos pelo público, como ’48 horas’, ‘Um tira da
pesada’, ‘Trocando as bolas’ e ‘Um príncipe em Nova York’. Eddie é entrevistado
pela equipe do diretor Angus Wall, relembra fatos marcantes da carreira, fala
de como foi difícil entrar no cinema - um território de brancos, até se
consolidar e abrir as portas para jovens atores negros nos anos 80 – já existiu
a Blaxploitation que trouxe o ator negro para a tela, mas a vinda de Eddie
marcou um novo momento do cinema pós-Nova-Hollywood, um cinema mais moderno e
comercial. Em determinado momento Murphy toca em temas espinhosos, como seu
lado temperamental no set de filmagem, quando abandonou o Oscar no meio da cerimônia
por não ter ganhado a estatueta em sua única indicação – por ‘Dreamgirls: Em
busca de um sonho’ (2006), as duras críticas recebidas com seus filmes que
andaram na corda bamba nos anos 90, além de entraves que culminaram em mal estar
com colegas atores de sua geração. A Netflix produz bons documentários em
formato de filme, e este é um deles.
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