Dois ótimos documentários indicados ao Oscar, dirigidos por
mulheres, sobre questões raciais.
Documentário biográfico
da cantora, compositora e ativista do movimento negro dos anos de 1960 e 1970 Nina
Simone (1933-2003) a partir de seus diários íntimos.
Não teve título
traduzido no Brasil esse bonito e melancólico documentário da Netflix indicado
ao Oscar em 2016 sobre a cantora Eunice Kathleen Waymon, a lendária Nina Simone
(1933-2003), exímia pianista, compositora, cantora de jazz e blues e ativista
pelos direitos civis dos negros. Tudo no documentário é intenso e trágico. Dona
de uma voz potente e inesquecível, Nina nasceu de uma família pobre de sete
irmãos na Carolina do Norte. Começou a tocar piano na igreja ainda criança, aos
quatro anos, quando acompanhava a mãe pregadora, e 15 anos depois, tomada pela
timidez, subiu aos palcos de bares para cantar, por acaso. O mundo se voltou para
aquele vozeirão, e daí veio o apelido: Nina, colocado pelo namorado que a
chamava de “Niña”, e “Simone”, em homenagem à atriz francesa Simone Signoret,
da qual era fã. Ao longo da carreira enfrentou atropelos: apanhava do marido (um
detetive que virou empresário dela), tinha problemas com sua única filha (a
atriz e cantora Lisa Simone Kelly), brigava com as gravadoras, rompia
contratos, até ser diagnosticada, tardiamente, com transtornos psiquiátricos
(ela tinha uma bipolaridade mal cuidada, que a fazia cair em crises nervosas,
brigar e se isolar). Nos anos de 1960, entrou nos movimentos em prol aos
direitos dos negros, tornando-se uma figura poderosa na causa, ao lado de
Angela Davis, Maya Angelou, Harry Belafonte e Martin Luther King. O doc mostra
isso tudo, da infância da cantora à carreira de altos e baixos, do seu lado
ativista e das crises familiares, tudo contado a partir de seus diários
pessoais, além de entrevistas de familiares e amigos. Exibem-se imagens raras
dela no palco e gravações inéditas, e em determinado momento reabre feridas, de
um lado menos conhecido de Nina, no caso os transtornos maníaco-depressivos e a
agressividade. Nina morreu solitária, triste, vítima de câncer, numa província
no sul da França, aos 70 anos, deixando uma marca inigualável na cena musical
norte-americana.
A trilha do filme reúne cerca
de 30 canções importantes dela, as de protesto e ativismo como “To be young,
gifted and black”, “Ain't got no/I got life” e “Why? (The King of love is
dead”) e reinterpretações, como “Don’t let me be misunderstood”, “Sinnerman” e
“My baby just cares for me”.
Produzido e lançado pela
Netflix, recebeu indicação também ao Grammy de melhor filme musical e venceu o
Emmy de documentário. A diretora, Liz Garbus, tinha sido indicada ao Oscar pelo
doc “The farm: Angola, USA” (1998) e dirigiu, produziu e escreveu diversos
filmes e minisséries para a Netflix. Um dos grandes documentários do catálogo
da plataforma, que revi com muito prazer ontem.
What happened, Miss Simone? (Idem).
EUA, 2015, 101 minutos. Documentário. Colorido/Preto-e-branco. Dirigido por Liz
Garbus. Distribuição: Netflix
A 13ª Emenda
Um retrato político e social do sistema prisional dos Estados Unidos e a
relação dele com a 13ª Emenda, aprovada em 1865, que tornava crime manter
pessoas como escravas no território norte-americano.
A Netflix é reconhecida por produzir documentários investigativos tensos,
que caíram no gosto popular, e aqueles sobre denúncia social de mazelas que se
perpetuam na sociedade, como é o caso desse grande filme indicado ao Oscar na
categoria em 2017. Aqui, a cineasta negra Ava DuVernay, que já esteve envolvida
em mais de 90 produções, seja como roteirista, produtora ou diretora, na
maioria deles sobre questões raciais, reflete sobre um lado triste e permanente
da História dos EUA: os crimes raciais. Mas para contar essa história, ela se
volta para a 13ª. Emenda da Constituição do país - aquela que, a partir de
1865, tornava crime manter escravos, forçando a abolição nos estados que
resistiam mesmo com o fim da Guerra de Secessão (Guerra Civil), e faz um paralelo
com o altíssimo número de negros presos, sendo muitos deles inocentes. A teoria
é de que escravidão e criminalização caminham juntas, a cadeia tornou-se a
escravidão contemporânea para os negros. Estudiosos, políticos, ativistas e negros
que cumpriram penas relatam sobre esses dados e discutem a relação entre a
criminalização e perseguição da população preta norte-americana com a explosão
do sistema prisional, trazendo relatos chocantes. É um estudo pontual e
detalhista sobre racismo estrutural, que deve ser assistido por todos
(recomendo aos professores exibirem aos seus alunos).
Dois anos antes, em 2014, a diretora fez “Selma: Uma luta pela
igualdade” (2014), sobre a marcha conduzida por Martin Luther King para conquistar
o direito dos negros ao voto. Tirando a infeliz fita de fantasia e aventura para
a Disney “Uma dobra no tempo” (2018), Ava realizou bons trabalhos, com destaque
para a minissérie “Olhos que condenam” (2019), que também aborda o racismo e
foi novamente produzida para a Netflix.
“A 13ª Emenda” ganhou o Bafta de melhor doc, quatro Emmys e outros 30
prêmios em mais de 50 festivais internacionais. Disponível no catálogo da
Netflix.
A 13ª Emenda (13th.). EUA, 2016, 100 minutos.
Documentário. Colorido/Preto-e-branco. Dirigido por Ava DuVernay. Distribuição:
Netflix
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