sexta-feira, 28 de julho de 2023

Na Netflix


Dois ótimos documentários indicados ao Oscar, dirigidos por mulheres, sobre questões raciais.

What happened, Miss Simone?

Documentário biográfico da cantora, compositora e ativista do movimento negro dos anos de 1960 e 1970 Nina Simone (1933-2003) a partir de seus diários íntimos.

Não teve título traduzido no Brasil esse bonito e melancólico documentário da Netflix indicado ao Oscar em 2016 sobre a cantora Eunice Kathleen Waymon, a lendária Nina Simone (1933-2003), exímia pianista, compositora, cantora de jazz e blues e ativista pelos direitos civis dos negros. Tudo no documentário é intenso e trágico. Dona de uma voz potente e inesquecível, Nina nasceu de uma família pobre de sete irmãos na Carolina do Norte. Começou a tocar piano na igreja ainda criança, aos quatro anos, quando acompanhava a mãe pregadora, e 15 anos depois, tomada pela timidez, subiu aos palcos de bares para cantar, por acaso. O mundo se voltou para aquele vozeirão, e daí veio o apelido: Nina, colocado pelo namorado que a chamava de “Niña”, e “Simone”, em homenagem à atriz francesa Simone Signoret, da qual era fã. Ao longo da carreira enfrentou atropelos: apanhava do marido (um detetive que virou empresário dela), tinha problemas com sua única filha (a atriz e cantora Lisa Simone Kelly), brigava com as gravadoras, rompia contratos, até ser diagnosticada, tardiamente, com transtornos psiquiátricos (ela tinha uma bipolaridade mal cuidada, que a fazia cair em crises nervosas, brigar e se isolar). Nos anos de 1960, entrou nos movimentos em prol aos direitos dos negros, tornando-se uma figura poderosa na causa, ao lado de Angela Davis, Maya Angelou, Harry Belafonte e Martin Luther King. O doc mostra isso tudo, da infância da cantora à carreira de altos e baixos, do seu lado ativista e das crises familiares, tudo contado a partir de seus diários pessoais, além de entrevistas de familiares e amigos. Exibem-se imagens raras dela no palco e gravações inéditas, e em determinado momento reabre feridas, de um lado menos conhecido de Nina, no caso os transtornos maníaco-depressivos e a agressividade. Nina morreu solitária, triste, vítima de câncer, numa província no sul da França, aos 70 anos, deixando uma marca inigualável na cena musical norte-americana.




A trilha do filme reúne cerca de 30 canções importantes dela, as de protesto e ativismo como “To be young, gifted and black”, “Ain't got no/I got life” e “Why? (The King of love is dead”) e reinterpretações, como “Don’t let me be misunderstood”, “Sinnerman” e “My baby just cares for me”.
Produzido e lançado pela Netflix, recebeu indicação também ao Grammy de melhor filme musical e venceu o Emmy de documentário. A diretora, Liz Garbus, tinha sido indicada ao Oscar pelo doc “The farm: Angola, USA” (1998) e dirigiu, produziu e escreveu diversos filmes e minisséries para a Netflix. Um dos grandes documentários do catálogo da plataforma, que revi com muito prazer ontem.

What happened, Miss Simone? (Idem). EUA, 2015, 101 minutos. Documentário. Colorido/Preto-e-branco. Dirigido por Liz Garbus. Distribuição: Netflix


A 13ª Emenda

Um retrato político e social do sistema prisional dos Estados Unidos e a relação dele com a 13ª Emenda, aprovada em 1865, que tornava crime manter pessoas como escravas no território norte-americano.

A Netflix é reconhecida por produzir documentários investigativos tensos, que caíram no gosto popular, e aqueles sobre denúncia social de mazelas que se perpetuam na sociedade, como é o caso desse grande filme indicado ao Oscar na categoria em 2017. Aqui, a cineasta negra Ava DuVernay, que já esteve envolvida em mais de 90 produções, seja como roteirista, produtora ou diretora, na maioria deles sobre questões raciais, reflete sobre um lado triste e permanente da História dos EUA: os crimes raciais. Mas para contar essa história, ela se volta para a 13ª. Emenda da Constituição do país - aquela que, a partir de 1865, tornava crime manter escravos, forçando a abolição nos estados que resistiam mesmo com o fim da Guerra de Secessão (Guerra Civil), e faz um paralelo com o altíssimo número de negros presos, sendo muitos deles inocentes. A teoria é de que escravidão e criminalização caminham juntas, a cadeia tornou-se a escravidão contemporânea para os negros. Estudiosos, políticos, ativistas e negros que cumpriram penas relatam sobre esses dados e discutem a relação entre a criminalização e perseguição da população preta norte-americana com a explosão do sistema prisional, trazendo relatos chocantes. É um estudo pontual e detalhista sobre racismo estrutural, que deve ser assistido por todos (recomendo aos professores exibirem aos seus alunos).


Dois anos antes, em 2014, a diretora fez “Selma: Uma luta pela igualdade” (2014), sobre a marcha conduzida por Martin Luther King para conquistar o direito dos negros ao voto. Tirando a infeliz fita de fantasia e aventura para a Disney “Uma dobra no tempo” (2018), Ava realizou bons trabalhos, com destaque para a minissérie “Olhos que condenam” (2019), que também aborda o racismo e foi novamente produzida para a Netflix.
“A 13ª Emenda” ganhou o Bafta de melhor doc, quatro Emmys e outros 30 prêmios em mais de 50 festivais internacionais. Disponível no catálogo da Netflix.

A 13ª Emenda (13th.). EUA, 2016, 100 minutos. Documentário. Colorido/Preto-e-branco. Dirigido por Ava DuVernay. Distribuição: Netflix

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