quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Especial sobre cinema


Os melhores, os razoáveis e os dispensáveis da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

A 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, iniciada em 20 de outubro, exibe 322 filmes em 35 espaços culturais (cinemas, galerias etc), com produções de mais de 70 países. Estou em São Paulo desde a abertura oficial do evento, dia 19, e até domingo passado, dia 23, conferi 18 produções, em cabines de imprensa destinada à crítica especializada e nas sessões em salas comuns. Abaixo separei, em três categorias – “Os melhores da Mostra”, “Razoáveis” e “Dispensáveis”, as produções que assisti, como dica (ou não) para o público. Vamos lá!

Os melhores da Mostra. Não vá para casa sem assistir!

Tanna

Fascinante e exótico drama romântico rodado na Ilha de Tanna, com a própria tribo Yakel interpretando eles mesmos uma história real ocorrida no território num passado remoto. Um enredo simples, sobre uma garota que quebra as tradições da cultura local ao recusar um casamento arranjado pelos pais. Fotografia belíssima das florestas e vulcões de uma região perdida do Globo terrestre desperta ainda mais o interesse. É o indicado da Austrália para disputar uma vaga ao Oscar de 2017. (Foto abaixo)

Tanna (Austrália/Vanuatu, 2015, de Martin Butler e Bentley Dean)

Os demônios

Soberba produção canadense em língua francesa que não tem nada de terror, mas um drama psicológico intenso e atual sobre um menino que descobre a adolescência de forma provocadora enquanto vê o vilarejo onde mora ser atacado por um pedófilo. As crianças mandam super bem nesse filme sombrio para público maduro. Um ótimo exemplar da Mostra que deve ser visto.

Os demônios (Canadá, 2015, de Philippe Lesage)

Zoology

Bizarro, melancólico, diferente de tudo, a co-produção Rússia, França e Alemanha é um achado em meio a tantos filmes da Mostra, sobre uma mulher de meia idade que, de tão apaixonada pela profissão – ela trabalha em um zoológico – desenvolve uma cauda. Sua rotina está com os dias contados quando conhece o jovem funcionário do hospital onde é atendida. Nada de comédia, o filme russo discute fanatismo religioso e intolerância sem pender para o lado político. Uma obra única e que merece ser conferida.

Zoology (Rússia/França/Alemanha, 2016, de Ivan I. Tverdovskiy)

O apartamento

Vencedor dos prêmios de melhor ator (Shahab Hosseini) e roteiro em Cannes e indicado à Palma de Ouro de 2016, este é o novo trabalho do importante diretor iraniano Asghar Farhadi, de obras memoráveis como “A separação” e “O passado”. Já na lista dos meus filmes preferidos da safra atual, o filmaço é uma aula de direção e roteiro, com final surpreendente. Entre o drama e o suspense psicológico, conta a história de um casal de atores que é obrigado a se mudar de apartamento, em meio à encenação da peça teatral “A morte do caixeiro viajante”. Já no novo espaço, um quarto fechado, pertencente à antiga moradora, colocará a vida deles em risco. Obra essencial da Mostra de 2016 que percorre temas como dúvida, mentira, persuasão e redenção, com atores fantásticos em cena. É o indicado da Irã para disputar uma vaga ao Oscar de 2017.

O apartamento (Irã/França, 2016, de Asghar Farhadi)

Zero days

Um dos grandes documentários do ano, polêmico e com temática assustadora, trazendo à tona a guerra cibernética iniciada pelos Estados Unidos na virada do século XX para o XXI, a partir das guerras do Golfo e do Iraque. Repleto de momentos jornalísticos e históricos estampados na tela (até o Jornal Nacional aparece), apresenta depoimentos decisivos sobre a manipulação fora de controle da rede social e o uso dela para fins de guerra. Indicado ao Urso de Ouro no Festival de Berlim.

Zero days (EUA, 2016, de Alex Gibney)

Pitanga

Talvez o melhor documentário brasileiro de 2016, um divertido documentário sobre o ator Antonio Pitanga, descrevendo suas aventuras amorosas e sua intensa posição político-social. A partir da figura emblemática de Pitanga no cinema, traça-se um percurso da história dos negros no Brasil. Uma homenagem de filha para pai (Camila Pitanga co-dirige ao lado do talentoso Beto Brant). Obrigatório!

Pitanga (Brasil, 2016, de Beto Brant e Camila Pitanga)

O ídolo

Emocionante drama palestino, co-produzido em outros seis países, uma biografia honestíssima de Mohammed Assaf, jovem cantor de festas de casamento que faz de tudo para participar do programa televisivo Arab Idol. Detentor de uma voz poderosa, classifica-se entre os finalistas, dedicando-se de corpo e alma para o grande prêmio. Destaca-se pela história bonita, leve, de superação, desde a infância do cantor até os dias atuais, com um ótimo protagonista na frente das câmeras, Tawfeek Barhom. É o indicado da Palestina para disputar uma vaga ao Oscar de 2017.

O ídolo (Holanda/Inglaterra/Qatar/Argentina/Egito/Palestina/Emirados Árabes, 2015, de Hany Abu-Assad)

Paterson

Bom drama/romance do cultuado diretor Jim Jarmusch, com Adam Driver no papel de um motorista de ônibus apaixonado por poesia, que nas horas vagas rabisca versos numa caderneta. Sua rotina é do trabalho para casa – ele mora com a namorada (a talentosa iraniana Golshifteh Farahani) e um cachorro desconfiado, e uma volta noturna no bar de velhos amigos. Perfeito na concepção de roteiro, com toques de excentricidade, o diretor encaixa situações inusitadas em exatos sete dias na vida do motorista de ônibus chamado Paterson, de uma segunda até a próxima segunda-feira. Aliás, tudo é Paterson no filme: a cidade, o personagem, a estação de ônibus etc. Divertido e rápido, recebeu indicação à Palma de Ouro em Cannes esse ano.

Paterson (EUA/França/Alemanha, 2016, de Jim Jarmusch)

Invasão zumbi

Eletrizante e claustrofóbica fita de zumbi que se passa inteiramente dentro de vagões de um trem de passageiros durante um apocalipse na Coreia do Sul. Segure-se na cadeira para conferir o melhor filme de terror do ano, com direito a sustos, gritos e sangue. Fãs do gênero aplaudirão! Entra no circuito de cinemas brasileiros no final de novembro, com distribuição da Paris Filmes.

Invasão zumbi (Coreia do Sul, 2016, de Sang-ho Yeon)

Razoáveis. Ainda vale um ingresso sem preocupação maior

Belos sonhos

Trabalho autoral mais recente de Marco Bellocchio, o grande homenageado da 40ª Mostra (é dele a arte do cartaz da edição desse ano). Assisti na noite de abertura, dia 19, com a plateia cheia, que dividiu opinião acerca do resultado. É simplesmente uma história singela em torno do olhar da criança sobre perda e separação, com paralelo a sua idade adulta. Como de costume, o cineasta faz um novelão, com toques biográficos, com inúmeros personagens mal desenvolvidos. De duração exagerada, o filme traz a argentina indicada ao Oscar Bérénice Bejo. Interessou?

Belos sonhos (Itália/França, 2016, de Marco Bellocchio)

Sangue do meu sangue

Outra fita inédita de Marco Bellocchio, um drama histórico irregular sobre intolerância religiosa, com toques breves de surrealismo. Um padre segue até um convento para convencer uma freira a confessar seus pecados, que culminaram com o suicídio de um homem. Com bonita concepção de figurinos, trilha sonora e direção de arte, perde-se da metade para frente quando abre margem para outras histórias e personagens, discutíveis, como a venda do convento e a aparição sinistra de um velho vigário. Repare na melancólica versão em coro de crianças da música “Nothing else matters”, do Mettalica.

Sangue do meu sangue (Itália/França/Suíça, 2015, de Marco Bellocchio)

A garota desconhecida

O menor trabalho dos irmãos Dardenne, com uma atriz inexpressiva emoldurada no figurino de uma médica que investiga por conta o assassinato de uma negra, ocorrido em frente à clínica onde trabalha. Mesclando drama e thriller, apresenta as velhas técnicas marcantes dos diretores (câmera em movimento, por exemplo), mas está aquém da inventividade dos dois cineastas belgas. Uma fita corriqueira.

A garota desconhecida (Bélgica/França, 2016, de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne)

Hedi

Tunisiano com casamento agendado apaixona-se por outra mulher e questiona o futuro. Já conhecemos a história em milhares de produções por aí, porém o que pesa na Mostra é a assinatura da Tunísia nesse mediano filme, território onde não há cinema. E só. O roteiro carece de impacto, emoções vitais, não sofremos ou vibramos com as indecisões do jovem protagonista. Saí indiferente da sessão. Indicado ao Urso de Ouro em Berlim.

Hedi (Tunísia/Bélgica/França, 2016, de Mohamed Ben Attia)

The handmaiden

Não espere a violência incomum do cinema de Chan-Wook Park nesse seu novo filme, que parte para um drama voraz, dividido em três capítulos. Uma criada assume função especial na casa de uma tradicional família coreana, e aos poucos recebe confiança e liberdade da manipuladora matriarca. Não revelo mais devido às inúmeras surpresas, algumas boas, outras fracas. Confesso que não tive paciência na primeira parte, porém as duas outras são instigantes, crescendo ao longo do filme. Park deixou legado com “Oldboy”, por isso fica difícil comparação. É com certeza seu filme menos importante. Indicado à Palma de Ouro em Cannes. Assista e dê sua opinião.

The handmaiden (Coreia do Sul, 2016, de Chan-wook Park)

Mr. Pig

Uma comédia dramática modesta com Danny Glover como um criador de porcos que viaja até o México com Howard, seu porco de estimação, para encontrar novo lar ao animal. No caminho reencontra-se com a filha (a sempre adequada Maya Raudolph) e enfrenta crises existenciais. Dirigido pelo ator mexicano Diego Luna, o filme retrata fielmente o carinho absurdo do velho com o porco para questionar sua sanidade, e por tocar sempre no ponto dá a impressão que faltou ideias mais geniais. Com desfecho poético, vale uma conferida na repescagem.

Mr. Pig (México, 2016, de Diego Luna)

Encarando meu prato

Fita croata interessante, mas interminável, que acompanha mãe, filha e filho adquirindo liberdade total dentro de casa quando o pai autoritário sofre um AVC. O defeito é arrastar demais os pequenos dramas, deixando de lado o clímax e as reviravoltas tão necessárias. Segundo filme da premiada diretora croata Hana Jusic.

Encarando meu prato (Croácia/Dinamarca, 2016, de Hana Jusic)


Dispensáveis. Troque por outra sessão...

Um outono sem Berlim

Filme descontínuo, sem emoção, bobinho. Uma jovem sonhadora procura convencer o namorado a se mudar para Berlim. A crise se instala para que juntos decidam o futuro. Lento, nada de marcante ou com toque especial.

Um outono sem Berlim (Espanha, 2015, de Lara Izagirre)

Desconhecida

Não entendo o motivo de estar na Mostra essa fita norte-americana meia-boca, com elenco desperdiçado (talvez os piores momentos de Michael Shannon e Rachel Weisz), uma comédia dramática sobre uma mulher que muda de identidade assim como troca de roupa. Abre sem explicações e termina sem conclusões absolutas. Um tiro no escuro.

Desconhecida (EUA, 2016, de Joshua Marston)

Confira a programação da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em http://40.mostra.org/br/home



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