Os
melhores, os razoáveis e os dispensáveis da 40ª Mostra Internacional de Cinema
de São Paulo.
A 40ª Mostra Internacional de Cinema de São
Paulo, iniciada em 20 de outubro, exibe 322 filmes em 35 espaços culturais
(cinemas, galerias etc), com produções de mais de 70 países. Estou em São Paulo
desde a abertura oficial do evento, dia 19, e até domingo passado, dia 23,
conferi 18 produções, em cabines de imprensa destinada à crítica especializada
e nas sessões em salas comuns. Abaixo separei, em três categorias – “Os
melhores da Mostra”, “Razoáveis” e “Dispensáveis”, as produções que assisti,
como dica (ou não) para o público. Vamos lá!
Os
melhores da Mostra. Não vá para casa sem assistir!
Tanna
Fascinante e exótico drama romântico rodado
na Ilha de Tanna, com a própria tribo Yakel interpretando eles mesmos uma
história real ocorrida no território num passado remoto. Um enredo simples,
sobre uma garota que quebra as tradições da cultura local ao recusar um
casamento arranjado pelos pais. Fotografia belíssima das florestas e vulcões de
uma região perdida do Globo terrestre desperta ainda mais o interesse. É o
indicado da Austrália para disputar uma vaga ao Oscar de 2017. (Foto abaixo)
Tanna (Austrália/Vanuatu, 2015, de Martin
Butler e Bentley Dean)
Os
demônios
Soberba produção canadense em língua
francesa que não tem nada de terror, mas um drama psicológico intenso e atual
sobre um menino que descobre a adolescência de forma provocadora enquanto vê o
vilarejo onde mora ser atacado por um pedófilo. As crianças mandam super bem
nesse filme sombrio para público maduro. Um ótimo exemplar da Mostra que deve
ser visto.
Os demônios (Canadá, 2015, de Philippe
Lesage)
Zoology
Bizarro, melancólico, diferente de tudo, a
co-produção Rússia, França e Alemanha é um achado em meio a tantos filmes da
Mostra, sobre uma mulher de meia idade que, de tão apaixonada pela profissão –
ela trabalha em um zoológico – desenvolve uma cauda. Sua rotina está com os
dias contados quando conhece o jovem funcionário do hospital onde é atendida.
Nada de comédia, o filme russo discute fanatismo religioso e intolerância sem pender
para o lado político. Uma obra única e que merece ser conferida.
Zoology (Rússia/França/Alemanha, 2016, de
Ivan I. Tverdovskiy)
O
apartamento
Vencedor dos prêmios de melhor ator (Shahab
Hosseini) e roteiro em Cannes e indicado à Palma de Ouro de 2016, este é o novo
trabalho do importante diretor iraniano Asghar Farhadi, de obras memoráveis
como “A separação” e “O passado”. Já na lista dos meus filmes preferidos da
safra atual, o filmaço é uma aula de direção e roteiro, com final
surpreendente. Entre o drama e o suspense psicológico, conta a história de um
casal de atores que é obrigado a se mudar de apartamento, em meio à encenação
da peça teatral “A morte do caixeiro viajante”. Já no novo espaço, um quarto
fechado, pertencente à antiga moradora, colocará a vida deles em risco. Obra essencial
da Mostra de 2016 que percorre temas como dúvida, mentira, persuasão e
redenção, com atores fantásticos em cena. É o indicado da Irã para disputar uma
vaga ao Oscar de 2017.
O apartamento (Irã/França, 2016, de Asghar
Farhadi)
Zero
days
Um dos grandes documentários do ano,
polêmico e com temática assustadora, trazendo à tona a guerra cibernética iniciada
pelos Estados Unidos na virada do século XX para o XXI, a partir das guerras do
Golfo e do Iraque. Repleto de momentos jornalísticos e históricos estampados na
tela (até o Jornal Nacional aparece), apresenta depoimentos decisivos sobre a
manipulação fora de controle da rede social e o uso dela para fins de guerra. Indicado
ao Urso de Ouro no Festival de Berlim.
Zero days (EUA, 2016, de Alex Gibney)
Pitanga
Talvez o melhor documentário brasileiro de
2016, um divertido documentário sobre o ator Antonio Pitanga, descrevendo suas
aventuras amorosas e sua intensa posição político-social. A partir da figura
emblemática de Pitanga no cinema, traça-se um percurso da história dos negros
no Brasil. Uma homenagem de filha para pai (Camila Pitanga co-dirige ao lado do
talentoso Beto Brant). Obrigatório!
Pitanga (Brasil, 2016, de Beto Brant e Camila
Pitanga)
O
ídolo
Emocionante drama palestino, co-produzido
em outros seis países, uma biografia honestíssima de Mohammed Assaf, jovem
cantor de festas de casamento que faz de tudo para participar do programa
televisivo Arab Idol. Detentor de uma voz poderosa, classifica-se entre os
finalistas, dedicando-se de corpo e alma para o grande prêmio. Destaca-se pela
história bonita, leve, de superação, desde a infância do cantor até os dias
atuais, com um ótimo protagonista na frente das câmeras, Tawfeek Barhom. É o
indicado da Palestina para disputar uma vaga ao Oscar de 2017.
O ídolo
(Holanda/Inglaterra/Qatar/Argentina/Egito/Palestina/Emirados Árabes, 2015, de
Hany Abu-Assad)
Paterson
Bom drama/romance do cultuado diretor Jim
Jarmusch, com Adam Driver no papel de um motorista de ônibus apaixonado por
poesia, que nas horas vagas rabisca versos numa caderneta. Sua rotina é do
trabalho para casa – ele mora com a namorada (a talentosa iraniana Golshifteh
Farahani) e um cachorro desconfiado, e uma volta noturna no bar de velhos
amigos. Perfeito na concepção de roteiro, com toques de excentricidade, o
diretor encaixa situações inusitadas em exatos sete dias na vida do motorista
de ônibus chamado Paterson, de uma segunda até a próxima segunda-feira. Aliás,
tudo é Paterson no filme: a cidade, o personagem, a estação de ônibus etc.
Divertido e rápido, recebeu indicação à Palma de Ouro em Cannes esse ano.
Paterson (EUA/França/Alemanha, 2016, de Jim
Jarmusch)
Invasão
zumbi
Eletrizante e claustrofóbica fita de zumbi
que se passa inteiramente dentro de vagões de um trem de passageiros durante um
apocalipse na Coreia do Sul. Segure-se na cadeira para conferir o melhor filme
de terror do ano, com direito a sustos, gritos e sangue. Fãs do gênero
aplaudirão! Entra no circuito de cinemas brasileiros no final de novembro, com
distribuição da Paris Filmes.
Invasão zumbi (Coreia do Sul, 2016, de
Sang-ho Yeon)
Razoáveis.
Ainda vale um ingresso sem preocupação maior
Belos
sonhos
Trabalho autoral mais recente de Marco Bellocchio,
o grande homenageado da 40ª Mostra (é dele a arte do cartaz da edição desse
ano). Assisti na noite de abertura, dia 19, com a plateia cheia, que dividiu
opinião acerca do resultado. É simplesmente uma história singela em torno do
olhar da criança sobre perda e separação, com paralelo a sua idade adulta. Como
de costume, o cineasta faz um novelão, com toques biográficos, com inúmeros
personagens mal desenvolvidos. De duração exagerada, o filme traz a argentina
indicada ao Oscar Bérénice Bejo. Interessou?
Belos sonhos (Itália/França, 2016, de Marco
Bellocchio)
Sangue
do meu sangue
Outra fita inédita de Marco Bellocchio, um
drama histórico irregular sobre intolerância religiosa, com toques breves de surrealismo.
Um padre segue até um convento para convencer uma freira a confessar seus pecados,
que culminaram com o suicídio de um homem. Com bonita concepção de figurinos,
trilha sonora e direção de arte, perde-se da metade para frente quando abre margem
para outras histórias e personagens, discutíveis, como a venda do convento e a
aparição sinistra de um velho vigário. Repare na melancólica versão em coro de
crianças da música “Nothing else matters”, do Mettalica.
Sangue do meu sangue (Itália/França/Suíça,
2015, de Marco Bellocchio)
A
garota desconhecida
O menor trabalho dos irmãos Dardenne, com
uma atriz inexpressiva emoldurada no figurino de uma médica que investiga por
conta o assassinato de uma negra, ocorrido em frente à clínica onde trabalha. Mesclando
drama e thriller, apresenta as velhas técnicas marcantes dos diretores (câmera
em movimento, por exemplo), mas está aquém da inventividade dos dois cineastas
belgas. Uma fita corriqueira.
A garota desconhecida (Bélgica/França,
2016, de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne)
Hedi
Tunisiano com casamento agendado
apaixona-se por outra mulher e questiona o futuro. Já conhecemos a história em
milhares de produções por aí, porém o que pesa na Mostra é a assinatura da
Tunísia nesse mediano filme, território onde não há cinema. E só. O roteiro
carece de impacto, emoções vitais, não sofremos ou vibramos com as indecisões
do jovem protagonista. Saí indiferente da sessão. Indicado ao Urso de Ouro em
Berlim.
Hedi (Tunísia/Bélgica/França, 2016, de
Mohamed Ben Attia)
The handmaiden
Não espere a violência incomum do cinema de
Chan-Wook Park nesse seu novo filme, que parte para um drama voraz, dividido em
três capítulos. Uma criada assume função especial na casa de uma tradicional família
coreana, e aos poucos recebe confiança e liberdade da manipuladora matriarca.
Não revelo mais devido às inúmeras surpresas, algumas boas, outras fracas. Confesso
que não tive paciência na primeira parte, porém as duas outras são instigantes,
crescendo ao longo do filme. Park deixou legado com “Oldboy”, por isso fica difícil
comparação. É com certeza seu filme menos importante. Indicado à Palma de Ouro em Cannes. Assista e dê sua opinião.
The handmaiden (Coreia do Sul, 2016, de
Chan-wook Park)
Mr.
Pig
Uma comédia dramática modesta com Danny
Glover como um criador de porcos que viaja até o México com Howard, seu porco
de estimação, para encontrar novo lar ao animal. No caminho reencontra-se com a
filha (a sempre adequada Maya Raudolph) e enfrenta crises existenciais. Dirigido
pelo ator mexicano Diego Luna, o filme retrata fielmente o carinho absurdo do
velho com o porco para questionar sua sanidade, e por tocar sempre no ponto dá
a impressão que faltou ideias mais geniais. Com desfecho poético, vale uma
conferida na repescagem.
Mr. Pig (México, 2016, de Diego Luna)
Encarando
meu prato
Fita croata interessante, mas interminável,
que acompanha mãe, filha e filho adquirindo liberdade total dentro de casa
quando o pai autoritário sofre um AVC. O defeito é arrastar demais os pequenos
dramas, deixando de lado o clímax e as reviravoltas tão necessárias. Segundo
filme da premiada diretora croata Hana Jusic.
Encarando meu prato (Croácia/Dinamarca,
2016, de Hana Jusic)
Dispensáveis.
Troque por outra sessão...
Um
outono sem Berlim
Filme descontínuo, sem emoção, bobinho. Uma
jovem sonhadora procura convencer o namorado a se mudar para Berlim. A crise se
instala para que juntos decidam o futuro. Lento, nada de marcante ou com toque
especial.
Um outono sem Berlim (Espanha, 2015, de
Lara Izagirre)
Desconhecida
Não entendo o motivo de estar na Mostra
essa fita norte-americana meia-boca, com elenco desperdiçado (talvez os piores
momentos de Michael Shannon e Rachel Weisz), uma comédia dramática sobre uma
mulher que muda de identidade assim como troca de roupa. Abre sem explicações e
termina sem conclusões absolutas. Um tiro no escuro.
Desconhecida (EUA, 2016, de Joshua Marston)