O cinema da violência
brutal de S. Craig Zahler
Rastro de maldade
Confronto no pavilhão 99
Justiça brutal
Diretor e roteirista, responsável
por filmes violentos e desconcertantes, o norte-americano S. Craig Zahler, de
51 anos, integra a nova geração de cineastas autorais dos Estados Unidos. Sua
obra – apenas cinco roteiros e três longas dirigidos – é marcada por
personagens agressivos, de forte densidade psicológica, alocados em lugares
caóticos, como deserto e prisão. As reviravoltas dadas nos filmes são assombrosas
e nunca há finais felizes. Conheça um pouco mais dos três filmes dirigidos por
Zahler, disponíveis em DVD e no streaming, todos com classificação de 18 anos.
Rastro de maldade
No Velho Oeste, durante
a Guerra Civil Americana, um xerife veterano, Hunt (Kurt Russell), um delegado
de meia-idade, Chicory (Richard Jenkins), e um pistoleiro especialista em
armas, Brooder (Matthew Fox), unem-se a um homem chamado Arthur (Patrick Wilson),
para cavalgar pelo deserto a fim de resgatar sua jovem esposa, uma enfermeira sequestrada
por uma tribo de canibais.
Polêmica e chocante, foi
a fita de estreia do diretor norte-americano S. Craig Zahler, que iniciou a
carreira como diretor de fotografia em curtas nos anos 90 e escreveu antes
apenas um roteiro, o do terror que se passa num hospital psiquiátrico
‘Desespero’ (2011), de Alexandre Courtès - nesse filme, Zahler já demonstrava
gosto pelo macabro, por situações horrendas, com personagens sanguinários. Em
‘Rastro de maldade’ (2015), Zahler escreve e dirige uma história de crueldade e
horror no velho oeste, acompanhando um grupo de homens durões, composto por
xerifes e pistoleiros e um marido em busca de vingança, que iniciam uma saga para
resgatar uma enfermeira – esposa de um deles, raptada por uma tribo indígena.
Na verdade, não são indígenas qualquer, e sim um pequeno bando de canibais primitivos
que se camuflam com tintas brancas pelo corpo, fazem armadilhas e atacam com
flechas; eles matam, comem as vísceras e usam partes do corpo das vítimas para
rituais. O grupo fará uma caminhada ao inferno, onde todos serão alvo desses
selvagens.
Zahler realizou um cult
movie impressionante e diferenciado, com momentos de pura violência, como as
cenas de canibalismo, sadismo e monstruosidades – por isso recebeu
classificação de 18 anos. Ele fez muito com pouco – o orçamento beirou U$ 1,8
milhões, e gravou em apenas 20 dias, com um script escrito em 2007, ou seja,
oito anos antes.
Zahler faz uma mistura
inusitada de gêneros, como o faroeste com terror, passando pelo drama, ação e
aventura. Um amigo crítico de cinema e diretor de filmes, Hsu Chien, disse que assistiu
uma espécie de ‘Rastros de ódio’ (1956) com ‘Holocausto canibal’ (1980) e ‘O
predador’ (1987).
O elenco está formidável
nessa fita que exige muito dos atores – em especial o quarteto Russell, Wilson,
Jenkins e Fox.
Exibido em diversos
festivais de cinema, onde ganhou prêmios, como BFI London, Sitges e Fangoria. Concorreu
ainda no Film Independent Spirit Awards, nas categorias melhor roteiro e ator
coadjuvante para Jenkins.
Disponível em DVD e
bluray e no streaming (Amazon Prime e Apple TV). Em DVD, saiu pela Califórnia
Filmes em 2016, e anos depois, em 2021, em bluray pela Versátil em parceria com
a Califórnia, numa caixa em luva reforçada com um disco com quase uma hora de
vídeos extras, além de pôster, livreto e cards.
Rastro de maldade (Bone Tomahawk). EUA/Reino Unido,
2015, 131 minutos. Faroeste/Terror. Colorido. Dirigido por S. Craig Zahler.
Distribuição: California Filmes (DVD de 2016) e Versátil Home Video/California
Filmes (BD de 2021)
Confronto no pavilhão 99
Bradley Thomas (Vince Vaughn) é um ex-boxeador que trabalha numa
oficina de carros. Por muito tempo usou drogas, hoje está ‘limpo’. Thomas perde
o emprego e no mesmo dia descobre a traição da esposa, Lauren (Jennifer Carpenter), que está
grávida dele. Para se sustentar, aceita um trabalho vendendo drogas, até que
ele e seus parceiros caem numa
armadilha e são presos após um tiroteio sangrento. Thomas é sentenciado a sete
anos numa prisão. Lá segue sua rotina, até que a esposa é vítima de um
sequestro, como represália daquele dia do tiroteio, em que milhões em drogas
foram apreendidos pela polícia. Para ver a ex-mulher solta, Thomas entra num
acordo com o chefão do crime – ele terá de eliminar um bandido perigoso que
está numa prisão de segurança máxima próximo a sua cadeia.
Escrito e dirigido por um dos talentos mais impressionantes do cinema
policial atual, o pouco conhecido S.
Craig Zahler, cujos filmes
precisam ser descobertos pelo público. Ele foi apontado como um novo Quentin Tarantino,
um cineasta que faz obras frenéticas, com personagens complexos e de inúmeras
camadas, com cenas grotescas de crimes e desfechos absurdamente chocantes. Esse
filme foi planejado durante as gravações do anterior do diretor, ‘Rastro de maldade’
(2015), um pesado western com ação e momentos de terror com canibalismo,
com Kurt Russell e Patrick Wilson, rodado dois anos antes. Em ‘Confronto’, Vince Vaughn, ator presente em boas
fitas de comédia e drama, como ‘Penetras bons de bico’ (2005), entrega
uma performance incrível, com a
cabeça raspada, com uma cruz tatuada de fora a fora na nuca, um ex-boxeador
traído pela esposa grávida, preso após um trabalho furado de tráfico de drogas que
culminou com mortos. De poucas palavras, forte como um touro, ele sofre outro
golpe do destino, quando a ex-mulher é sequestrada por um criminoso perigoso, e
terá de fazer um acordo para lá de inusitado – e quase impossível – para que
ela seja solta: entrar numa penitenciária de segurança máxima e matar um chefão
do crime que domina o local.
As situações das cenas de luta e tiros são realistas, nada de pirotecnias
do cinema blockbuster; Zahler
dá um tom melancólico para o protagonista e um grau de humanidade a todos os
personagens. Jennifer Carpenter,
da série ‘Dexter’, está correta como a esposa, ex-alcoólatra, Udo Kier, de ‘Bacurau’,
faz um criminoso que negocia o acordo com ele, e o astro dos anos 80 Don
Johnson, da série ‘Miami Vice’, aparece pouco, mas bem, como o diretor da
penitenciária, um homem durão. Que filme espetacular e que diretor certeiro!
O elenco todo retornaria
no último filme do diretor – ele só tem três longas, chamado ‘Justiça brutal’
(2018), com Mel Gibson, em que ele e Vince Vaughn interpretam uma dupla de
policiais que cometem atos ilegais na corporação e se infiltram no submundo do
crime.
‘Confronto no pavilhão 99’ foi filmado numa prisão desativada, a Arthur
Kill Correctional Facility, em Nova York, e numa instalação militar que lembra
cadeia, a Fort Wadsworth, também em NY, o que dá o tom real necessário para a
trama. O ‘pavilhão’ do título é referência a uma cena no fim do filme, mas até
lá muita água irá rolar, muitas mortes e crimes, com uma tensão crescente, de
um personagem que irá para o inferno para salvar a ex-esposa e o filho que irá
nascer.
Disponível em DVD pela Universal e no streaming para aluguel, no Prime
Video, Youtube Filmes e Apple TV.
Confronto no pavilhão
99 (Brawl in cell block
99). EUA, 2017, 132 minutos. Ação/Drama. Colorido. Dirigido por S. Craig Zahler.
Distribuição: Universal Pictures
Justiça brutal
A dupla de detetives Brett
Ridgeman (Mel Gibson) e Anthony Lurasetti (Vince Vaughn) é afastada da polícia
por torturar um indivíduo envolvido com o tráfico de drogas. Há um vídeo da
violência cometida por eles que viraliza, e os dois, logo depois, são demitidos
da corporação. Sem emprego, mudam de lado, vão para o crime, roubando, a mão
armada, dinheiro de assaltos cometidos por bandidos. Até que se deparam com uma
perigosa organização munida de fuzis e armamento pesado.
O controverso cineasta norte-americano
S. Craig Zahler, realizador do western com terror ‘Rastro de maldade’ (2015) e
da chocante fita de ação que se passa em duas penitenciárias ‘Confronto no
pavilhão 99’ (2017), trata nesse seu último longa-metragem a violência policial
nos Estados Unidos. Seu cinema é forte, com cenas que chocam pelo grau de
violência, em que ele não mede o senso – o anterior, ‘Confronto no pavilhão 99’,
é o mais cruel e sanguinário das três obras do diretor, e este ‘Justiça brutal’
passa bem perto. No longa-metragem, dois detetives mão pesada praticam atos
criminosos escondidos, até serem filmados por um anônimo e demitidos da
corporação. Eles mudam de lado, roubando grandes quantias de assaltantes, até
se depararem com um inimigo perigosíssimo. Nada caminha bem para eles, assim
como em todas as obras do diretor – os personagens costumam ter um desfecho
trágico, não há nem redenção nem final feliz. A moral dos personagens, e a do
filme em si, é sempre duvidosa – justiça com as próprias mãos, justiça a
qualquer preço, violência para conter violência, morte a bandidos independente
do que fizeram. Os astros Mel Gibson e Vince Vaughn interpretam a dupla
principal, um é tão corrompido quanto o outro, e juntos se entendem, forjando
provas, torturando pessoas, cometendo delitos e até matando sem pestanejar.
O filme recebeu uma chuva
de comentários negativos na época, já que os personagens são racistas e
preconceituosos, e atiram sem pensar duas vezes - numa das sequências, um dos
bandidos explode o rosto de uma mulher no banco, com um tiro. É tanta brutalidade
que recebeu uma indicação ao Razzie, o ‘Framboesa de Ouro’, prêmio dado aos
piores do ano, numa categoria criada para o filme, chamada de ‘Desprezo pela
humanidade’.
Para assistir, é
necessário conhecer o cinema de Zahler e ter nervos fortes. É um diretor duro
na queda, brutal, que costuma chocar. Outro ponto que é estranho em seu cinema
é o humor infame, com piadinhas toscas que ‘quebram’ o impacto das cenas mais
violentas.
Aqui ele aproveita parte
do elenco do filme anterior, ‘Confronto no pavilhão 99’, como Vince Vaugh, agora
como coadjuvante, Jennifer Carpenter, Udo Kier e Don Johnson. Foi o maior
orçamento do diretor, com US$ 15 milhões, que realiza filmes baratos – mesmo
assim, custando pouco, teve uma divulgação irrisória, e ninguém assistiu na
época. Também é o de maior duração, com 158 minutos - mais um alerta para o
público específico.
Exibido no Festival de
Veneza, foi distribuído no Brasil pelo Amazon Prime Video, disponível no
streaming para assinantes.
PS: Zahler dirige
atualmente um novo filme policial, com Adrien Brody e Vince Vaughn, sobre dois
veteranos da Segunda Guerra Mundial, traumatizados, que tentam reajustar seus
últimos dias de vida. ‘The Bookie & the Bruiser’ tem previsão de estreia nos
cinemas para 2025.
Justiça brutal (Dragged across concrete).
EUA/Canadá/Reino Unido, 2018, 158 minutos. Ação/Drama. Colorido. Dirigido por S.
Craig Zahler. Distribuição: Amazon Prime Video
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