segunda-feira, 27 de maio de 2024

Estreias da semana

 

‘A alegria é a prova dos nove’ (2023)

 

 

Exibido em festivais brasileiros como Mostra de Tiradentes e Mostra Intl de Cinema de SP, o novo filme de Helena Ignez – que aqui dirige, escreve, produz e protagoniza, é uma reflexão íntima sobre a liberdade sexual feminina e as políticas do corpo da mulher. Ignez, uma cineasta que veio do cinema underground, faz uma homenagem aos filmes daquele período. Ela interpreta uma artista e sexóloga de 80 anos de idade, amiga e amante de um ativista dos Direitos Humanos (papel de Ney Matogrosso, que já trabalhou em outros longas de Ignez, como ‘Ralé). Juntos, embarcam nas memórias de uma última viagem que fizeram ao Marrocos, cinquenta anos atrás, onde ocorreu uma situação desafiadora. Passado e presente se misturam com efusividade, num filme independente de grandes virtudes. Conta com um elenco grande e formidável, em pequenas participações, e na tela vemos Djin Sganzerla, Guilherme Leme, Mario Bortolotto e outros. Estreou nos principais cinemas brasileiros, com distribuição da Mercúrio Produções.

 


 

‘Às vezes quero sumir’ (2023)

 

Daisy Ridley, conhecida como a protagonista Rey da última saga “Star Wars”, é uma atriz inglesa talentosíssima e pouca vista nas telas. Em ‘Às vezes quero sumir’, tem a chance de mostrar sua versatilidade e a verve dramática, numa fita independente peculiar, indicada a dois prêmios no Festival de Sundance (incluindo o do júri para a diretora Rachel Lambert). Num papel sensível e marcante, Daisy faz uma jovem de poucas palavras, que trabalha num escritório numa cidadezinha costeira americana. Ela é afligida por pensamentos ruins, como de morrer ou de abandonar tudo e fugir de casa. A chegada de um novo colega de trabalho (o humorista Dave Merheje, aqui contido em papel sério, dramático) a transforma; eles têm forte conexão, passam a se encontrar fora do trabalho, e até um interesse romântico surge ali, fazendo com que ela veja esperança em sua tediosa vida. Com romance, comédia e drama, é um filme bonito e melancólico, que trata da solidão, da dificuldade das pessoas em estabelecer conexões. Inspirada na peça “Killers”, de Kevin Armento, que adaptou o roteiro ao lado de Stefanie Abel Horowitz e Katy Wright-Mead. Está em exibição nos principais cinemas brasileiros, com distribuição da Synapse Distribution.

 


‘De repente, miss!’ (2024)

 

O diretor Hsu Chien, nascido em Taiwan e radicado no Brasil, está com dois filmes nos cinemas, diga-se de passagem um feito raríssimo – ‘Morando com o crush’ e esse divertido e simpático ‘De repente miss!’. Fui assisti-lo e me deliciei com Fabiana Karla no papel de uma publicitária quarentona que enfrenta uma dura crise pessoal e de trabalho. Ela fará de tudo para reconquistar a filha e o marido, e com eles parte para um resort, onde haverá um concurso de miss. Lá, uma série de aventuras virará os dias daquela família de cabeça para baixo. Leve, espirituoso, fugindo de besteirol e sem piadas apelativas, o filme é um barato e arranca bons risos da plateia. Tem pequenos e pontuais momento de drama, o que dá um charme para a história. Fabiana está bem, ao lado de um elenco de apoio com boas atuações, como Giulia Benite, Nany People, Danielle Winits, Roney Villela e João Baldasserini. Recomendo! Está em cartaz nos principais cinemas brasileiros, com distribuição da Elo Studios/Sony Pictures.




sexta-feira, 24 de maio de 2024

Nota do Blogueiro


Cine Debate traz filme sobre figura histórica brasileira ligada à reforma agrária

O Cine Debate do Imes Catanduva traz neste sábado, dia 25/05, o documentário brasileiro “Minha perna, minha classe” (2023, 86 minutos), dirigido por Arturo Saboia. Sessão e debate serão no Espaço de Tecnologia e Artes (ETA) do SESC Catanduva, às 14h, gratuito e aberto a todos os públicos. A mediação do debate será realizada pelo idealizador do Cine Debate, o jornalista, professor do IMES e do SENAC e crítico de cinema Felipe Brida, e para esse filme haverá a participação, no debate, do professor de História e Geografia Paolo Humberto Dias.

Sinopse do filme: Documentário que relembra a trajetória do lavrador, camponês, educador, sindicalista envolvido na causa da reforma agrária, ambientalista e líder político Manoel da Conceição (1935-2021), que foi preso, mutilado, torturado e exilado pela ditadura militar. Por causa das torturas sofridas, perdeu uma perna e virou símbolo da resistência num período turbulento da História do Brasil.



Cine Debate

O Cine Debate é um projeto de extensão do curso de Psicologia do IMES Catanduva em parceria o SESC e o SENAC Catanduva. Completou 12 anos em 2024 trazendo filmes cult de maneira gratuita a toda a população. Conheça mais sobre o projeto em https://www.facebook.com/cinedebateimes

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Especial de Cinema


O cinema da violência brutal de S. Craig Zahler

Diretor e roteirista, responsável por filmes violentos e desconcertantes, o norte-americano S. Craig Zahler, de 51 anos, integra a nova geração de cineastas autorais dos Estados Unidos. Sua obra – apenas cinco roteiros e três longas dirigidos – é marcada por personagens agressivos, de forte densidade psicológica, alocados em lugares caóticos, como deserto e prisão. As reviravoltas dadas nos filmes são assombrosas e nunca há finais felizes. Conheça um pouco mais dos três filmes dirigidos por Zahler, disponíveis em DVD e no streaming, todos com classificação de 18 anos.


Rastro de maldade

No Velho Oeste, durante a Guerra Civil Americana, um xerife veterano, Hunt (Kurt Russell), um delegado de meia-idade, Chicory (Richard Jenkins), e um pistoleiro especialista em armas, Brooder (Matthew Fox), unem-se a um homem chamado Arthur (Patrick Wilson), para cavalgar pelo deserto a fim de resgatar sua jovem esposa, uma enfermeira sequestrada por uma tribo de canibais.

Polêmica e chocante, foi a fita de estreia do diretor norte-americano S. Craig Zahler, que iniciou a carreira como diretor de fotografia em curtas nos anos 90 e escreveu antes apenas um roteiro, o do terror que se passa num hospital psiquiátrico ‘Desespero’ (2011), de Alexandre Courtès - nesse filme, Zahler já demonstrava gosto pelo macabro, por situações horrendas, com personagens sanguinários. Em ‘Rastro de maldade’ (2015), Zahler escreve e dirige uma história de crueldade e horror no velho oeste, acompanhando um grupo de homens durões, composto por xerifes e pistoleiros e um marido em busca de vingança, que iniciam uma saga para resgatar uma enfermeira – esposa de um deles, raptada por uma tribo indígena. Na verdade, não são indígenas qualquer, e sim um pequeno bando de canibais primitivos que se camuflam com tintas brancas pelo corpo, fazem armadilhas e atacam com flechas; eles matam, comem as vísceras e usam partes do corpo das vítimas para rituais. O grupo fará uma caminhada ao inferno, onde todos serão alvo desses selvagens.
Zahler realizou um cult movie impressionante e diferenciado, com momentos de pura violência, como as cenas de canibalismo, sadismo e monstruosidades – por isso recebeu classificação de 18 anos. Ele fez muito com pouco – o orçamento beirou U$ 1,8 milhões, e gravou em apenas 20 dias, com um script escrito em 2007, ou seja, oito anos antes.
Zahler faz uma mistura inusitada de gêneros, como o faroeste com terror, passando pelo drama, ação e aventura. Um amigo crítico de cinema e diretor de filmes, Hsu Chien, disse que assistiu uma espécie de ‘Rastros de ódio’ (1956) com ‘Holocausto canibal’ (1980) e ‘O predador’ (1987).
O elenco está formidável nessa fita que exige muito dos atores – em especial o quarteto Russell, Wilson, Jenkins e Fox.





Exibido em diversos festivais de cinema, onde ganhou prêmios, como BFI London, Sitges e Fangoria. Concorreu ainda no Film Independent Spirit Awards, nas categorias melhor roteiro e ator coadjuvante para Jenkins.
Disponível em DVD e bluray e no streaming (Amazon Prime e Apple TV). Em DVD, saiu pela Califórnia Filmes em 2016, e anos depois, em 2021, em bluray pela Versátil em parceria com a Califórnia, numa caixa em luva reforçada com um disco com quase uma hora de vídeos extras, além de pôster, livreto e cards.

Rastro de maldade (Bone Tomahawk). EUA/Reino Unido, 2015, 131 minutos. Faroeste/Terror. Colorido. Dirigido por S. Craig Zahler. Distribuição: California Filmes (DVD de 2016) e Versátil Home Video/California Filmes (BD de 2021)


Confronto no pavilhão 99

Bradley Thomas (Vince Vaughn) é um ex-boxeador que trabalha numa oficina de carros. Por muito tempo usou drogas, hoje está ‘limpo’. Thomas perde o emprego e no mesmo dia descobre a traição da esposa, Lauren (Jennifer Carpenter), que está grávida dele. Para se sustentar, aceita um trabalho vendendo drogas, até que ele e seus parceiros caem numa armadilha e são presos após um tiroteio sangrento. Thomas é sentenciado a sete anos numa prisão. Lá segue sua rotina, até que a esposa é vítima de um sequestro, como represália daquele dia do tiroteio, em que milhões em drogas foram apreendidos pela polícia. Para ver a ex-mulher solta, Thomas entra num acordo com o chefão do crime – ele terá de eliminar um bandido perigoso que está numa prisão de segurança máxima próximo a sua cadeia.

Escrito e dirigido por um dos talentos mais impressionantes do cinema policial atual, o pouco conhecido S. Craig Zahler, cujos filmes precisam ser descobertos pelo público. Ele foi apontado como um novo Quentin Tarantino, um cineasta que faz obras frenéticas, com personagens complexos e de inúmeras camadas, com cenas grotescas de crimes e desfechos absurdamente chocantes. Esse filme foi planejado durante as gravações do anterior do diretor, ‘Rastro de maldade’ (2015), um pesado western com ação e momentos de terror com canibalismo, com Kurt Russell e Patrick Wilson, rodado dois anos antes. Em ‘Confronto’, Vince Vaughn, ator presente em boas fitas de comédia e drama, como ‘Penetras bons de bico’ (2005), entrega uma performance incrível, com a cabeça raspada, com uma cruz tatuada de fora a fora na nuca, um ex-boxeador traído pela esposa grávida, preso após um trabalho furado de tráfico de drogas que culminou com mortos. De poucas palavras, forte como um touro, ele sofre outro golpe do destino, quando a ex-mulher é sequestrada por um criminoso perigoso, e terá de fazer um acordo para lá de inusitado – e quase impossível – para que ela seja solta: entrar numa penitenciária de segurança máxima e matar um chefão do crime que domina o local.





As situações das cenas de luta e tiros são realistas, nada de pirotecnias do cinema blockbuster; Zahler dá um tom melancólico para o protagonista e um grau de humanidade a todos os personagens. Jennifer Carpenter, da série ‘Dexter’, está correta como a esposa, ex-alcoólatra, Udo Kier, de ‘Bacurau’, faz um criminoso que negocia o acordo com ele, e o astro dos anos 80 Don Johnson, da série ‘Miami Vice’, aparece pouco, mas bem, como o diretor da penitenciária, um homem durão. Que filme espetacular e que diretor certeiro!
O elenco todo retornaria no último filme do diretor – ele só tem três longas, chamado ‘Justiça brutal’ (2018), com Mel Gibson, em que ele e Vince Vaughn interpretam uma dupla de policiais que cometem atos ilegais na corporação e se infiltram no submundo do crime.
‘Confronto no pavilhão 99’ foi filmado numa prisão desativada, a Arthur Kill Correctional Facility, em Nova York, e numa instalação militar que lembra cadeia, a Fort Wadsworth, também em NY, o que dá o tom real necessário para a trama. O ‘pavilhão’ do título é referência a uma cena no fim do filme, mas até lá muita água irá rolar, muitas mortes e crimes, com uma tensão crescente, de um personagem que irá para o inferno para salvar a ex-esposa e o filho que irá nascer.
Disponível em DVD pela Universal e no streaming para aluguel, no Prime Video, Youtube Filmes e Apple TV.

Confronto no pavilhão 99 (Brawl in cell block 99). EUA, 2017, 132 minutos. Ação/Drama. Colorido. Dirigido por S. Craig Zahler. Distribuição: Universal Pictures


Justiça brutal

A dupla de detetives Brett Ridgeman (Mel Gibson) e Anthony Lurasetti (Vince Vaughn) é afastada da polícia por torturar um indivíduo envolvido com o tráfico de drogas. Há um vídeo da violência cometida por eles que viraliza, e os dois, logo depois, são demitidos da corporação. Sem emprego, mudam de lado, vão para o crime, roubando, a mão armada, dinheiro de assaltos cometidos por bandidos. Até que se deparam com uma perigosa organização munida de fuzis e armamento pesado.

O controverso cineasta norte-americano S. Craig Zahler, realizador do western com terror ‘Rastro de maldade’ (2015) e da chocante fita de ação que se passa em duas penitenciárias ‘Confronto no pavilhão 99’ (2017), trata nesse seu último longa-metragem a violência policial nos Estados Unidos. Seu cinema é forte, com cenas que chocam pelo grau de violência, em que ele não mede o senso – o anterior, ‘Confronto no pavilhão 99’, é o mais cruel e sanguinário das três obras do diretor, e este ‘Justiça brutal’ passa bem perto. No longa-metragem, dois detetives mão pesada praticam atos criminosos escondidos, até serem filmados por um anônimo e demitidos da corporação. Eles mudam de lado, roubando grandes quantias de assaltantes, até se depararem com um inimigo perigosíssimo. Nada caminha bem para eles, assim como em todas as obras do diretor – os personagens costumam ter um desfecho trágico, não há nem redenção nem final feliz. A moral dos personagens, e a do filme em si, é sempre duvidosa – justiça com as próprias mãos, justiça a qualquer preço, violência para conter violência, morte a bandidos independente do que fizeram. Os astros Mel Gibson e Vince Vaughn interpretam a dupla principal, um é tão corrompido quanto o outro, e juntos se entendem, forjando provas, torturando pessoas, cometendo delitos e até matando sem pestanejar.
O filme recebeu uma chuva de comentários negativos na época, já que os personagens são racistas e preconceituosos, e atiram sem pensar duas vezes - numa das sequências, um dos bandidos explode o rosto de uma mulher no banco, com um tiro. É tanta brutalidade que recebeu uma indicação ao Razzie, o ‘Framboesa de Ouro’, prêmio dado aos piores do ano, numa categoria criada para o filme, chamada de ‘Desprezo pela humanidade’.





Para assistir, é necessário conhecer o cinema de Zahler e ter nervos fortes. É um diretor duro na queda, brutal, que costuma chocar. Outro ponto que é estranho em seu cinema é o humor infame, com piadinhas toscas que ‘quebram’ o impacto das cenas mais violentas.
Aqui ele aproveita parte do elenco do filme anterior, ‘Confronto no pavilhão 99’, como Vince Vaugh, agora como coadjuvante, Jennifer Carpenter, Udo Kier e Don Johnson. Foi o maior orçamento do diretor, com US$ 15 milhões, que realiza filmes baratos – mesmo assim, custando pouco, teve uma divulgação irrisória, e ninguém assistiu na época. Também é o de maior duração, com 158 minutos - mais um alerta para o público específico.
Exibido no Festival de Veneza, foi distribuído no Brasil pelo Amazon Prime Video, disponível no streaming para assinantes.
PS: Zahler dirige atualmente um novo filme policial, com Adrien Brody e Vince Vaughn, sobre dois veteranos da Segunda Guerra Mundial, traumatizados, que tentam reajustar seus últimos dias de vida. ‘The Bookie & the Bruiser’ tem previsão de estreia nos cinemas para 2025.

Justiça brutal (Dragged across concrete). EUA/Canadá/Reino Unido, 2018, 158 minutos. Ação/Drama. Colorido. Dirigido por S. Craig Zahler. Distribuição: Amazon Prime Video

domingo, 19 de maio de 2024

Estreias da semana

 

‘A estrela cadente’ (2023)

 

Mais uma fita autoral inusitada e vibrante de Fiona Gordon e Dominique Abel, casados na vida real, que dirigem, escrevem, produzem e costumam atuar em seus filmes. Depois de ‘Rumba’ (2008) e ‘Perdidos em Paris’ (2016), retornam com criatividade vivaz em ‘A estrela cadente’, uma comédia dramática poética com uma série de personagens diferentes numa aventura policial fora do comum. Um ex-ativista trabalha como barman no bar ‘Estrela cadente’ (papel de Abel) e guarda a sete-chaves seu passado sombrio. Até que um homem, vítima de um plano malsucedido dele, o reencontra desejando vingança. Fotografia, cenários e figurinos coloridos aliados a planos e direção de arte minimalistas dialogam com o cinema do finlandês Aki Kaurismäki, em que o burlesco e o verossímil se confundem.
Exibido no Festival de Locarno, o filme, uma produção França/Bélgica, estreou nesse fim de semana no Brasil, com distribuição da Pandora Filmes.




domingo, 12 de maio de 2024

Estreia nos cinemas

 

‘Vermelho Monet’ (2022)

 

De olho numa das melhores estreias nacionais do ano nos cinemas. Depois de percorrer mais de 15 festivais entre 2022 e 2023, chega agora nas principais salas de cinema do país esse incrível e vigoroso filme de Halder Gomes, especializado em comédias, que fez ‘Cine Holliúdy’ e ‘O shaolim do sertão’. Agora muda o tom e faz um drama íntimo, feminino e cheio de metáforas. Chico Diaz está incrível como um pintor que está perdendo a visão e procura inspiração para sua nova obra plástica. Até que se depara com uma atriz em crise (Samantha Müller) e uma marchand (Maria Fernanda Cândido). Passado e presente do artista plástico se fundirão numa fita inteligente, complexa e que discute o processo criativo de artistas pouco aceitos e o valor material e imaterial das pinturas. Adorei e recomendo. O longa é coprodução da ATC, da Glaz Entretenimento e da Globo Filmes, com produção executiva da Ukbar Filmes, de Portugal. Distribuição nos cinemas pela Pandora Filmes.



sexta-feira, 3 de maio de 2024

Cine Cult


Confira a resenha de três filmes cultuados, de gêneros diferentes e produzidos em épocas distintas. Disponíveis em DVD, bluray e no streaming.

Adoção

Uma viúva (Katalin Berek) envolve-se com um homem casado. Ela deseja ser mãe, porém atingiu os 40 anos. Caminhando pela rua, entra numa instituição que abriga órfãos, e lá conhece uma jovem moça abandonada pelos pais. Entre elas nasce um forte vínculo que testará os limites das duas mulheres.

A distribuidora Obras-primas do Cinema destaca em seus últimos lançamentos em DVD o cinema de Márta Mészáros, cineasta socialista e feminista de origem judia, expoente do Novo Cinema Húngaro, que reformulou as bases e as teorias da produção cinematográfica do país no pós-guerra. Suas obras sociais e críticas tratam justamente do trabalho das mulheres no país intercalando temas como maternidade e solidão na meia-idade. ‘Adoção’ (1975), seu principal filme, trata desses temas, com enfoque nos dois últimos. De forma delicada, com muitas cenas de troca de olhares e longas sequências de silêncio, a diretora - e também roteirista aqui - conta a história de uma mulher solitária e cheia de amarguras, viúva, que deseja ser mãe agora com mais de 40 anos. Ela fica fixada em uma menina prestes a atingir a maioridade, que vive em uma instituição de caridade, uma espécie de orfanato para jovens. De início as duas mulheres de mundos tão opostos têm crispações, mas aos poucos uma encontra conforto ao lado da outra. No filme acompanhamos a crise de meia-idade da protagonista, feito pela grande atriz húngara já falecida Katalin Berek, e os dilemas da jovem que cresce sem lar, sem pais, sem futuro – outro bom papel, o da atriz Gyöngyvér Vigh.
Mészáros filma tudo numa belíssima fotografia preto-e-branca, e com este trabalho ganhou o Urso de Ouro em Berlim - foi a primeira mulher a receber o prêmio no festival.



É um filme belo e trágico, que merece ser descoberto, ainda mais agora nessa grande cópia em DVD pela Obras-primas do Cinema – recomendo assistirem também ao making of de quase uma hora sobre a diretora, que vem como extra.

Adoção (Örökbefogadás). Hungria, 1975, 89 min. Drama. Preto-e-branco. Direção: Márta Mészáros. Distribuição: Obras-primas do Cinema.


A sétima profecia

O fim dos tempos está próximo. A chegada de um misterioso andarilho (Jürgen Prochnow) em uma cidade coincide com graves alterações climáticas ao redor do mundo - os mares se agitam, o calor aumenta, as catástrofes da natureza levam milhares à morte. O andarilho segue até a casa de Abby Quinn (Demi Moore) e seu marido (Michael Biehn), que esperam um bebê. Um padre vindo do Vaticano (Peter Friedman) investiga as estranhas ocorrências.

Lançado no finalzinho dos anos 80, quando já se profetizava o fim do mundo com a chegada do próximo milênio, esse filme de drama, suspense e terror foi um dos tantos nessa linha catastrofista. Na história, fenômenos climáticos entram em choque e colocam a vida de milhões em risco com a chegada de um andarilho misterioso numa cidadezinha. Um casal que espera o nascimento do primeiro filho é procurado incessantemente por esse homem, que tem uma revelação a fazer. Do outro lado, um padre, emissário do Vaticano e ligado à ciência, desconfia desses fenômenos e inicia uma longa e perigosa investigação que colocará a vida de todos em jogo.
O filme popularizou-se em VHS, não é uma obra impressionante, mas serve como entretenimento nessa linha de filmes sobre o Apocalipse, ou como queiram, o Juízo Final. Há uma ambientação estranha, um clima de perturbação que nos deixa angustiados e atentos para o desfecho. Qual o segredo que o andarilho guarda?




Quem dirige é Carl Schultz, que trabalhou mais em séries de TV, e o roteiro é de Clifford e Ellen Green, casados na época, de ‘SpaceCamp – Aventura no espaço’ (1986) e que depois fariam um filme semelhante a esse, ‘A filha da luz’ (2000). Demi Moore estava em início de carreira, logo se tornaria estrela, e Michael Biehn já se projetava no cinema após ‘Aliens, o resgate’ (1986). O alemão Jürgen Prochnow, de ‘O barco – Inferno no mar’ (1981), faz o papel do andarilho que não sabemos ser anjo ou demônio.
Disponível em DVD, recém-lançado num digipack especial pela Classicline, com cards.

A sétima profecia (The seventh sign). EUA, 1988, 97 minutos. Drama/Terror. Colorido. Dirigido por Carl Schultz. Distribuição: Classicline


Verão de 85

No verão francês de 1985, prestes a completar 16 anos, Alexis (Félix Lefebvre) é salvo de um acidente de barco na costa da Normandia. Quem o resgata das águas é David (Benjamin Voisin), um rapaz de 18 anos que gosta de nadar e trabalha com a mãe na loja da família. Alexis e David tornam-se grandes amigos, até que se apaixonam.

Em parceria com a distribuidora California Filmes, a Versátil Home Video lançou há pouco tempo, em bluray, esse simpático drama romântico gay de um dos diretores mais aclamados da França atual, François Ozon, de ‘8 mulheres’ (2002), ‘Swimming pool - À beira da piscina’ (2003), ‘Dentro de casa’ (2012) e ‘Graças a Deus’ (2018). O diretor realizou mais de 30 longas-metragens, grande parte autoral e semiautobiográfico; muitos retratam o universo feminino e há alguns polêmicos que tocam em tema tabu, como pedofilia. Além de diretor, Ozon é roteirista, montador e produtor.
De forma crível, sem flertar com o melodrama barato, em ‘Verão de 85’ ele apresenta o relacionamento de dois garotos na fase de amadurecimento, em que se conhecem após um incidente de proporções quase trágicas. A amizade entre eles aumenta, passam a dormir na casa um do outro, até que um inevitável relacionamento amoroso acontece. Um deles tem fixação com a morte e é pensativo, enquanto o outro quer curtir a vida e as baladas e nadar. Dois jovens estranhos nos anos 80, de personalidades diferentes, no desabrochar da vida e das curiosidades amorosas, que procuram se confortar quando estão juntos. Suas famílias não sabem do romance secreto, mas desconfiam. Só que, de maneira abrupta e chocante, o romance, que parecia engrenar, sofrerá uma fatalidade do destino.
Ozon escreveu o delicado roteiro levemente inspirado no romance infanto-juvenil ‘Dance on my grave’, uma obra literária do início dos anos 80 e que faz parte de uma série, do britânico Aidan Chambers – o título inusitado aparecerá em uma cena emocionante do filme. Ozon tem apuro com a técnica, trabalhou bem com o diretor de fotografia belga Hichame Alaouie, de ‘Propriedade privada’ (2006), que usa paletas de cores variadas, de cores fortes e sensuais aos tons pastéis. A trilha sonora é muito boa, com clássicos como ‘Cruel summer’, de Bananarama, ‘In between days’, de The Cure, e ‘Sailing’, de Rod Stewart, que dão sentido ao enredo e às experiências dos dois personagens.





Exibido nos Festivais de Cannes, San Sebastian e no César, o filme é contado por meio de flashbacks pelo ator principal, o bom Félix Lefebvre, de ‘O professor substituto’ (2018).
Um filme com uma história singela e verdadeira que merece ser descoberto.
No bluray lançado pela Versátil, o filme vem em caixa com luva reforçada e traz o filme com comentários em áudio do cineasta e uma hora de vídeos extras, incluindo o curta-metragem ‘Um vestido de verão’ (‘Une robe d'été’, de 1996), de François Ozon, exibido na Semana da Crítica em Cannes e que está na origem de ‘Verão de 85’. Na caixa vem um livreto de 16 páginas, um pôster e dois cards. O filme também está disponível no Telecine, e para aluguel no Prime Video, Apple TV e Youtube Filmes.

Verão de 85 (Été 85). França, 2020, 101 minutos. Drama/Romance. Colorido. Dirigido por François Ozon. Distribuição: Versátil Home Video

Estreias nos cinemas

 

Verissimo (Brasil, 2024, 89 minutos, de Angelo Defanti)

 

Chega aos cinemas brasileiros um dos melhores documentários da edição desse ano do Festival É Tudo Verdade (que terminou no mês passado). ‘Verissimo’ traz a rotina do escritor gaúcho Luís Fernando Verissimo prestes a completar 80 anos – o doc foi filmado em 2016 e só lançado agora. A agenda cheia de Verissimo está presente, com viagens para lançar livros pelo Brasil, participação em conferências, recepção de amigos em casa, entrevistas para TV e telefonemas que não cessam. Cansado e de voz baixa, Verissimo fala sobre sua velhice e como ele lida com essa fase da vida, enquanto sua mente trabalha a mil por hora. Não é uma biografia do escritor, até porque já existem dois filmes sobre ele, e sim essa amostra da rotina do escritor em casa e nos diversos tipos de trabalho. O diretor Angelo Defanti já tinha contato com o universo de Verissimo, pois adaptou um dos livros do gaúcho para o cinema, ‘O clube dos anjos’ (2020). Distribuição pela Boulevard Filmes em codistribuição com  a Vitrine Filmes e Spcine.

 

 

Here (Bélgica, 2023, 82 minutos, de Bas Devos)

 

Vencedor de dois prêmios no Encounters do Festival de Berlim de 2023 e exibido na edição passada do Festival do Rio, o poético drama independente ‘Here’ é mais uma amostra do bom cinema do belga Bas Devos, de ‘Trópico fantasma’ (2019). Ele conta com silêncio e filosofia – o filme não tem trilha sonora, apenas sons da natureza, por isso muito contemplativo – a história de um imigrante romeno que está em Bruxelas trabalhando na construção civil. Ele se prepara para voltar ao país natal. Só que antes faz uma jornada para se despedir dos amigos, em seus últimos dias na Bélgica. Conhece uma jovem de origem chinesa e resolvem se embrenhar numa floresta para analisar musgos para uma pesquisa dela. Ali nascerá uma forte amizade. Um filme sobre encontros e despedidas marcados pelo tempo presente, com bonita fotografia, especialmente a da floresta verde e úmida. Gostei, porém indico para quem segue fitas cult e de narrativa lenta. Distribuição da Zeta Filmes.

 


 

Conduzindo Madeleine (França/Bélgica, 2022, 91 minutos, de Christian Carion)

 

Adorável, um filme que é para ver e rever, e lembra, não só no título, mas na história, ‘Conduzindo Miss Daisy’ (1989), ganhador do Oscar de melhor filme. Nessa coprodução França/Bélgica feita em 2022 e só distribuída agora nos cinemas brasileiros, conhecemos a amizade de um taxista (Dany Boon, de ‘A Riviera não é aqui’) com sua nova e especial passageira, Madeleine, uma meiga senhorinha de 92 anos (papel impressionante de Line Renaud, de ‘Noites sem dormir’, na época com 94 anos!). Ele tem de levá-la para uma casa de repouso onde irá morar, no entanto, antes, os dois farão um passeio por Paris, pelos lugares onde Madeleine cruzou desde a infância. Cativante e bem curtinho, a comédia dramática fez sucesso no Festival Varilux de Cinema Francês, depois de ser exibido no Festival de Toronto. Dirigido por Christian Carion, do drama de guerra indicado ao Oscar ‘Feliz natal’ e da recente fita policial ‘Meu filho’. Em cartaz nos cinemas, distribuído pela California Filmes.

 


 

A teia (EUA/Austrália, 2024, 110 minutos, de Adam Cooper)

 

Fita policial com suspense típica das antigas sessões do Supercine, com reviravoltas, algumas cenas de ação e muito mistério. Até certa altura achei que a ideia seria original, com revelações surpreendentes, mas foi se tornando previsível. Russel Crowe, de ‘Gladiador’, interpreta um ex-detetive com Mal de Alzheimer que está em um tratamento pioneiro para restaurar sua memória. Um dia, é convocado para auxiliar num caso que atuou no passado, envolvendo um assassinato – o suspeito está no corredor da morte, há provas de que ele não cometeu o crime, e sua execução será em poucos dias. Então o ex-detetive entra com tudo na reabertura do caso, mesmo com a memória falhando e mantendo vínculo com pessoas mal-intencionadas. Russel Crowe até que se esforça, mas vem numa má fase, de filmes irrisórios. Tem participação nada interessante de Karen Gillan, de ‘Guardiões da galáxia’, e quem estreia na direção é Adam Cooper, roteirista de ‘Assassin's Creed’ e ‘Êxodus: Deuses e monstros’ – é dele o roteiro de ‘A teia’, baseado no romance “O livro dos espelhos”, de E.O. Chirovici. Fraco, fraco... Nos cinemas brasileiros pela Imagem Filmes e California Filmes.