Resenha escrita especialmente para o livreto da edição em bluray de "Réquiem para um sonho" (2001), lançada pela Obras-primas do Cinema. O filme acaba de sair numa luxuosa edição de colecionador com luva numerada, em disco duplo - disco 1 com o filme em bluray e extras, e disco 2 com duas horas de extras, além de um livreto de 48 páginas, três cards colecionáveis e dois pôsteres.
Requiem aeternam
Por Felipe Brida*
Harry (Jared Leto) segue em busca de seus sonhos e quer ser um homem bem-sucedido. Sua mãe, a solitária Sara (Ellen Burstyn), adora assistir a programas televisivos sentada na poltrona da sala. Marion (Jennifer Connelly) é a namorada de Harry, que se esforça para ter uma loja de grife. E tem Tyrone (Marlon Wayans), amigo próximo de Harry, com quem divide altos rolês. O que esses quatro moradores de Coney Island têm em comum? A resposta é: drogas, lícitas e ilícitas.
Harry usa cocaína e heroína com a namorada. Tyrone as trafica. Já Sara começa um tratamento com pílulas para emagrecer. Os quatro entram num ciclo sem fim, acometidos por dor, pesadelos e loucura.
Quando lançado em 2000, o segundo filme do norte-americano Darren Aronofsky chocou pelo teor indigesto ao exibir com detalhes o uso de drogas e como os personagens violentam seu próprio corpo. Aronofsky já havia causado um turbilhão na mente do público dois anos antes quando estreou com sua fita de arte experimental e complexa, que misturava terror e drama, “Pi” (1998). Seu estilo seria inconfundível com truques de imagem, edição frenética com telas divididas, temas como tragédias pessoais e cotidianas, projeção e neurose, revisitação de temas mitológicos e ancestrais (ele é roteirista também) e o uso de técnicas como preto-e-branco, recorrendo a vários estilos e gêneros, como fez em “Fonte da vida” (2006), “O lutador” (2008), “Cisne negro” (2010), “Noé” (2014) e “Mãe!” (2017) - e para 2022 lançará “The whale”, uma comédia dramática com Brendan Fraser e Samantha Morton.
Requiem aeternam
Por Felipe Brida*
Harry (Jared Leto) segue em busca de seus sonhos e quer ser um homem bem-sucedido. Sua mãe, a solitária Sara (Ellen Burstyn), adora assistir a programas televisivos sentada na poltrona da sala. Marion (Jennifer Connelly) é a namorada de Harry, que se esforça para ter uma loja de grife. E tem Tyrone (Marlon Wayans), amigo próximo de Harry, com quem divide altos rolês. O que esses quatro moradores de Coney Island têm em comum? A resposta é: drogas, lícitas e ilícitas.
Harry usa cocaína e heroína com a namorada. Tyrone as trafica. Já Sara começa um tratamento com pílulas para emagrecer. Os quatro entram num ciclo sem fim, acometidos por dor, pesadelos e loucura.
Quando lançado em 2000, o segundo filme do norte-americano Darren Aronofsky chocou pelo teor indigesto ao exibir com detalhes o uso de drogas e como os personagens violentam seu próprio corpo. Aronofsky já havia causado um turbilhão na mente do público dois anos antes quando estreou com sua fita de arte experimental e complexa, que misturava terror e drama, “Pi” (1998). Seu estilo seria inconfundível com truques de imagem, edição frenética com telas divididas, temas como tragédias pessoais e cotidianas, projeção e neurose, revisitação de temas mitológicos e ancestrais (ele é roteirista também) e o uso de técnicas como preto-e-branco, recorrendo a vários estilos e gêneros, como fez em “Fonte da vida” (2006), “O lutador” (2008), “Cisne negro” (2010), “Noé” (2014) e “Mãe!” (2017) - e para 2022 lançará “The whale”, uma comédia dramática com Brendan Fraser e Samantha Morton.
Ele fez o roteiro a partir do controverso livro de Hubert Selby Jr, de mesmo nome, publicado em 1978 (o mesmo autor de “Noites violentas no Brooklyn”, que virou filme). Em “Réquiem para um sonho”, Aronofsky cria um paralelo sobre a dependência de drogas no mundo contemporâneo, sejam as ilícitas como a cocaína e a heroína, usadas pelo casal de namorados, aos medicamentos pesados receitados por médicos, como a idosa que enlouquece quando pretende emagrecer. Os personagens entram numa espiral do pesadelo, numa gradação feroz: da insônia à agitação, das visões turvas à loucura, da alucinação à agressividade.
O filme traz também uma crítica contundente à sociedade de consumo e à alienação dos produtos midiáticos: a personagem de Sara curte um programa de auditório, até que um dia recebe uma ligação do estúdio para fazer uma participação lá. Empolgada, pretende ir com um vestido vermelho, mas precisa emagrecer para caber nele. Começa uma dieta radical e parte para as pílulas para perder o apetite. Ela vai pirando, nunca sabemos se o que ocorre com ela é real ou não (desde aquela ligação do estúdio ao que ela passa a enxergar, por exemplo, ela se vê no programa de auditório, feliz), sem contar que sonha com donuts, e chega a ver a geladeira se mover e até criar dentes.
Os quatro personagens tinham sonhos, mas se afundam no vício de tal modo que se autodestroem: Harry fica eufórico pelas ruas, chega a ter o braço apodrecido de tanto injetar heroína; Sara perde a noção da realidade, a ponto de ser internada num hospital psiquiátrico; Marion se prostitui para ganhar dinheiro e alimentar tanto seu vício quanto o investimento da loja; e Tyrone se descontrola com o tráfico de entorpecentes, sendo perseguido por bandidos.
Amargo e sem concessões, é todo composto por imagens cíclicas, que se repetem, principalmente as de uso de drogas, feitas com o enquadramento do ‘pormenor’. As imagens impressionam pelo grau de frieza, Arofonsky desnuda a realidade e a ideia da alucinação. A técnica do diretor é uma aula de cinema, seja na edição com a tela dividida, ou o uso da lente grande ocular (180 graus) que distorce o ambiente e configura um novo (e cruel) ponto de vista. Há ali uma linguagem dos antigos videoclipes, com passagens rápidas e manipulações.
A trilha sonora ficou notória e até hoje a música “Marion Barfs”, de Clint Mansell e Kronos Quartet, toca em propagandas e até em trailers de cinema.
Rodado em Coney Island, entre abril e junho de 1999, o filme estreou no Festival de Cannes de 2000, em maio, depois no Festival de Toronto, em setembro, e daí teve a estreia mundial nos cinemas a partir de outubro (no Brasil só saiu um ano depois, em novembro de 2001). Teve indicação ao Oscar, ao Globo de Ouro e ao SAG de melhor atriz para a veterana Ellen Burstyn, num papel difícil e marcante (ela, que já havia ganhado em “Alice não mora mais aqui”, e fez trabalhos conhecidos, como “O exorcista”, estava com 67 anos, desglamourizada, sem maquiagem, numa criação impecável).
Indigesto, sério, atordoante, consagrou Aronofsky e o elenco (Jared Leto, Jennifer Connelly e Marlon Wayans, em seus melhores papéis no cinema).
* Felipe Brida é jornalista e crítico de cinema, autor do livro “Cinema em Foco: Críticas selecionadas” (2013). Como crítico de cinema, mantém o blog Cinema na Web (de sua autoria, fundado em 2008), a coluna semanal “Cinema em Foco” (no jornal O Regional) e as colunas mensais “Middia Cinema” (na Revista Middia) e “Top Cinema” (na revista Top), além dos quadros semanais “Cinema em Foco” (na rádio Vox FM), “Mais Cinema” (na Nova TV/TV Brasil) e “Palavra do Especialista – Cinema” (rádio Câmara de Bauru). Atua como palestrante em festivais de cinema em todo o Brasil e presta trabalho como curador e júri em festivais de cinema. É professor de Cinema, Comunicação e Artes no Senac, Fatec e Imes Catanduva (cidade onde reside e trabalha). É pós-graduado em Artes Visuais pela Unicamp e em Gestão Cultural pelo Centro Universitário Senac/SP, e atualmente é mestrando em Comunicação e Artes pela PUC-Campinas. Para contato: felipebb85@hotmail.com
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