domingo, 14 de fevereiro de 2021

Cine Lançamento



Sombras da vida


M (Rooney Mara) perde o marido em um acidente de carro. O fantasma de C (Casey Affleck) então retorna ao lar, numa casa de campo, à espera da mulher enlutada.

Essa é com certeza uma fita de arte para público restrito, que nada tem a ver com terror, apesar de o protagonista ser um fantasma clássico, aquele com lençol branco estendido pelo corpo. E mesmo o título original pode induzir ao erro (“A ghost story”, ou seja, “Uma história de fantasma). Subvertendo a narrativa do cinema romântico, o filme é um drama impactante e uma metáfora íntima sobre perda e existência, com clima sobrenatural, toques de surrealismo e fantasia, que mexe com nossos sentidos. É uma experiência única - o elegi como um dos melhores filmes daquele ano (2018). Há algo metafísico no ar, que parece beber na técnica do diretor Terrence Malick, como uma mistura de dois dramas desse diretor, “A árvore da vida” e “Amor pleno”.
É a andança de um fantasma que acompanha calado o luto da mulher, sem nada poder fazer, enquanto transcorrem os dias, os meses, os anos. Parado pelos cantos da casa, observando todos os movimentos, ele testemunha as mudanças da esposa e do lar, descobre outros fantasmas habitando casas vizinhas, e até faz viagens no tempo (para o passado e ao futuro).
Quando o filme termina, não há como não lembrarmos de “Ghost: Do outro lado da vida” e “Asas do desejo”, o primeiro um clássico do romance espiritualista e o outro, a badalada obra-prima de Wim Wenders sobre a plenitude do amor pós-morte. Considero “Sombras da vida” o mais complexo dos três, que nos convida para uma revisão para compreender as nuances propostas.
Casey Affleck ficou vestido o tempo inteiro com o lençol (é ele, e não dublê, o que foi um desafio para o ator e ao mesmo tempo algo nada atraente para um astro premiado). Já Rooney Mara se entrega num papel de luto e dor como eu nunca vi. Que atriz!!
Como sou muito ligado a questões técnicas dos filmes, não posso deixar de comentar duas: a trilha sonora e a fotografia, ambas feitas por jovens em início de carreira. E o filme é inteiramente rodado com uma câmera parecida com a super-8, que reduz as medidas da tela (e dá o tom de melancolia). Uma curiosidade: a fantasma feminina que aparece no meio do filme é a cantora e amiga do diretor Ke$ha (ela só aparece sob panos brancos). Ainda sobre técnicas, o drama tem longos planos-sequência (como a cena da torta devorada por Rooney, que demora uma eternidade) e tudo se passa em poucos ambientes internos, com algumas externas no campo (filmado no Texas).
O diretor e roteirista David Lowery parece ter feito aqui uma ponte com seu filme cult mais lembrado, “Amor fora da lei” (2013), que trazia o mesmo casal de atores (Affleck e Mara).


“Sombras da vida” participou de inúmeros festivais de cinema independente, dentre eles Sundance, custou “míseros” U$ 100 mil, e rendeu cerca de U$ 2 milhões nos cinemas, resultado positivo para uma obra tão barata.
Recomendo você conhecer essa fita dramática especial, original, que aborda com sensibilidade temas como o tempo como agente transformador, a passagem da vida e a brevidade dela.
Lançado nos cinemas em 2017, somente agora, quatro anos depois, saiu em DVD e bluray pela Universal Pictures.

Sombras da vida (A ghost story). EUA, 2017, 92 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por David Lowery. Distribuição: Universal Pictures

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