Sombras da vida
M (Rooney
Mara) perde o marido em um acidente de carro. O fantasma de C (Casey Affleck)
então retorna ao lar, numa casa de campo, à espera da mulher enlutada.
Essa é com
certeza uma fita de arte para público restrito, que nada tem a ver com terror,
apesar de o protagonista ser um fantasma clássico, aquele com lençol branco estendido
pelo corpo. E mesmo o título original pode induzir ao erro (“A ghost story”, ou
seja, “Uma história de fantasma). Subvertendo a narrativa do cinema romântico,
o filme é um drama impactante e uma metáfora íntima sobre perda e existência, com
clima sobrenatural, toques de surrealismo e fantasia, que mexe com nossos
sentidos. É uma experiência única - o elegi como um dos melhores filmes daquele
ano (2018). Há algo metafísico no ar, que parece beber na técnica do diretor Terrence
Malick, como uma mistura de dois dramas desse diretor, “A árvore da vida” e “Amor
pleno”.
É a andança de
um fantasma que acompanha calado o luto da mulher, sem nada poder fazer, enquanto
transcorrem os dias, os meses, os anos. Parado pelos cantos da casa, observando
todos os movimentos, ele testemunha as mudanças da esposa e do lar, descobre
outros fantasmas habitando casas vizinhas, e até faz viagens no tempo (para o passado
e ao futuro).
Quando o
filme termina, não há como não lembrarmos de “Ghost: Do outro lado da vida” e “Asas
do desejo”, o primeiro um clássico do romance espiritualista e o outro, a badalada
obra-prima de Wim Wenders sobre a plenitude do amor pós-morte. Considero “Sombras
da vida” o mais complexo dos três, que nos convida para uma revisão para
compreender as nuances propostas.
Casey
Affleck ficou vestido o tempo inteiro com o lençol (é ele, e não dublê, o que
foi um desafio para o ator e ao mesmo tempo algo nada atraente para um astro
premiado). Já Rooney Mara se entrega num papel de luto e dor como eu nunca vi.
Que atriz!!
Como sou
muito ligado a questões técnicas dos filmes, não posso deixar de comentar duas:
a trilha sonora e a fotografia, ambas feitas por jovens em início de carreira. E
o filme é inteiramente rodado com uma câmera parecida com a super-8, que reduz
as medidas da tela (e dá o tom de melancolia). Uma curiosidade: a fantasma feminina
que aparece no meio do filme é a cantora e amiga do diretor Ke$ha (ela só
aparece sob panos brancos). Ainda sobre técnicas, o drama tem longos planos-sequência
(como a cena da torta devorada por Rooney, que demora uma eternidade) e tudo se
passa em poucos ambientes internos, com algumas externas no campo (filmado no
Texas).
O diretor e
roteirista David Lowery parece ter feito aqui uma ponte com seu filme cult mais
lembrado, “Amor fora da lei” (2013), que trazia o mesmo casal de atores (Affleck
e Mara).
“Sombras da
vida” participou de inúmeros festivais de cinema independente, dentre eles
Sundance, custou “míseros” U$ 100 mil, e rendeu cerca de U$ 2 milhões nos
cinemas, resultado positivo para uma obra tão barata.
Recomendo você
conhecer essa fita dramática especial, original, que aborda com sensibilidade
temas como o tempo como agente transformador, a passagem da vida e a brevidade
dela.
Lançado nos
cinemas em 2017, somente agora, quatro anos depois, saiu em DVD e bluray pela
Universal Pictures.
Sombras da vida (A ghost story). EUA, 2017, 92 minutos.
Drama. Colorido. Dirigido por David Lowery. Distribuição: Universal Pictures
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