sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Resenha Especial


A criada

Na Coreia do Sul da década de 30, durante a ocupação japonesa, Sookee (Kim Tae-ri) vai trabalhar no casarão de uma jovem, Hideko (Min-hee Kim), herdeira de bens valiosos e grande quantia de dinheiro, deixados pela família. Mas Sookee esconde um segredo, motivo pelo qual ela foi para lá: ela é uma vigarista e quer colocar a mão naquela fortuna. Organiza, a partir daí, milimetricamente um plano com a ajuda de outro malfeitor, Conde Fujiwara (Jung-woo Ha).

Não espere a violência incomum do cinema extraordinário do sul-coreano Chan-Wook Park, o criador do revolucionário “Oldboy” (2003), nesse seu novo filme, de 2016, que parte para um drama voraz, dividido em três capítulos. Intenso e questionador, venceu este ano o Bafta de filme estrangeiro e recebeu indicação à Palma de Ouro em Cannes. Conta a trajetória de uma criada, que assume função especial na casa de uma tradicional família coreana, num lugar cheio de cômodos, regras e lugares secretos. Aos poucos recebe confiança e liberdade da manipuladora matriarca, trancafiada no local sob a tutela de um tio perverso, até que uma série de fatos conturbados tem início naquele casarão. Não revelo mais devido às reviravoltas desconcertantes, a cada troca de capítulo há uma novidade que desconstrói a trama - a primeira parte é uma extensa apresentação dos personagens, melhorando na segunda e na terceira, que são instigantes, com flashbacks, alternando memórias narradas em off.
“A criada” pode ser compreendido como um thriller psicológico sensual, feminino e até feminista, sobre o poder da mulher em uma sociedade rígida e hierárquica. Evoca com sensibilidade o comportamento de duas mulheres lutando contra o domínio dos homens numa cultura tradicionalista, para reivindicar liberdade (por isto o filme é bem provocativo).
Park utiliza artefatos cinematográficos para narrar essa incrível saga, que mistura gêneros (vai do drama ao suspense numa ascensão meteórica, puxa momentos de ação e propõe o romance), com sensualidade, masoquismo e até criaturas (acredite!). Ele escreveu o roteiro inspirado no romance inglês “Na ponta dos dedos”, de Sarah Waters, que não se passa mais na Inglaterra como o original, mas sim na Coreia ocupada pelos japoneses na década de 30. Recriou a história com jogos de sedução, flertando com o fetichismo, inserindo cenas fortes de sexo (entre mulheres) e ingredientes inusitados (da metade para o final). Outro destaque de Park na concepção da ideia foi a narrativa que altera pontos de vista dos três personagens (a criada, a matriarca e o conde).
Há uma lentidão poética proposital (o filme tem 144 minutos), uma fotografia lindíssima de Chung-hoon Chung (que realizou outros trabalhos do diretor e recentemente fez “It: A coisa”), uma trilha sonora soberba (de Yeong-wook Jo) e uma atuação condizente do trio central. Assista com atenção redobrada!


Produzido pela importante produtora coreana Moho Film, não é o melhor trabalho de Park (para quem fez “Oldboy” fica difícil a comparação), mas provoca e faz o público vibrar. Gostei quando assisti numa sessão lotada na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2016 e melhorou na recente revisão em DVD.
Na Coreia do Sul saiu uma versão estendida de 168 minutos (24 minutos a mais), e aqui no Brasil veio em DVD pela Mares Filmes.

A criada (Ah-ga-ssi/ The handmaiden). Coreia do Sul, 2016, 144 min. Drama/Suspense. Colorido. Dirigido por Chan-wook Park. Distribuição: Mares Filmes


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