Três resenhas de três bons filmes em DVD
A cura
Lockart (Dane DeHaan) é um ambicioso operador do mercado financeiro enviado para um sanatório nos Alpes Suíços com o objetivo de buscar o CEO da empresa, que está internado para um tratamento com águas milagrosas. O jovem acaba aprisionado nesse sinistro spa, que guarda velhos segredos, envolvendo-se numa trama diabólica.
De Gore Verbinski, o aclamado diretor de filmes originais e bem inusitados como o terror “O chamado” (2002), o drama de humor negro “O sol de cada manhã” (2005), a animação ganhadora do Oscar “Rango” (2011) e das três primeiras partes da aventura de sucesso “Piratas do Caribe” (2003, 2006 e 2007), eis que chega em DVD pela 20th Century Fox mais um trabalho curioso do cineasta, instigante, complexo e com reviravoltas macabras. Uma fita diferenciada do gênero horror com suspense e um fundo de ficção científica, que dividiu a opinião do público e certamente da crítica; eu vi no cinema, em fevereiro de 2017, revi em DVD poucos meses atrás e continuo aprovando-o, mas reclamo da metragem, longa demais, de 2h26, e do desfecho previsível, que poderia ser bem superior. Mas não há como negar a aparência dele como um todo, a técnica, a qualidade visual do filme: tem clima de fitas antigas de terror inglês da Hammer, lugares exóticos que dão um medo danado (como o cenário central, o rústico sanatório isolado nas altas montanhas da Suíça, cercado por águas, com passagens secretas entre adutoras e cavernas, alinhado com uma fotografa excepcional, em tons pastéis, e o toque de fantasia, com abertura ao sobrenatural).
A trama inteira ocorre no sanatório, na verdade um spa, onde um jovem é enviado para localizar o chefão da empresa onde trabalha. Internado sem contato nenhum com o mundo exterior, o senhor faz hidroterapia com águas consideradas milagrosas, a tal “cura para o bem-estar” (título original do filme), porém nada é o que aparenta... Aos poucos o protagonista (o bom ator Dane DeHaan, de “Valerian e a cidade dos Mil Planetas”) cai em armadilhas perigosas a partir de um plano perverso, que remonta o passado de 200 anos daquele estranho local.
Assista com a máxima atenção, a cada minuto se dá um acontecimento instigante, personagens novos entram em cena (tem a participação especial de Jason Isaacs), o que reestrutura a história de medo, obsessão e loucura.
Escrito pelo próprio Gore Verbinski com o roteirista Justin Haythe, indicado ao Oscar por “Foi apenas um sonho” (2008), o filme saiu em DVD pela Fox este ano, com extras como músicas de meditação utilizadas na trilha sonora, cenas excluídas e trailers.
A cura (A cure for wellness). EUA/Alemanha, 2016, 146 min. Suspense/Horror. Colorido. Dirigido por Gore Verbinski. Distribuição: 20th Century Fox
O exterminador do século 23
Jack Deth (Tim Thomerson) é um policial do futuro que chega a Los Angeles para caçar criminosos transformados em zumbis mortais.
Também conhecido como “Trancers – O tira do futuro”, o divertido filme B de scifi com aventura saiu em DVD recentemente pela Versátil Home Video, em cópia restaurada, num box em homenagem a obras cultuadas do gênero. Trancers invadiu o restrito mundo dos fãs de ficção científica na década de 80 e veio na onda de “Blade runner” (1984), com roteiro semelhante, de um policial do futuro pronto para eliminar um grupo de zumbis infiltrados em Los Angeles, sedentos por sangue e carne humana. Tudo ocorre numa Los Angeles caótica, suja, em becos escuros (mesma ambientação de Blade Runner), com perseguições frenéticas e muitos tiros (sem apelar para o sangue, até os zumbis nem parecem zumbis como conhecemos de outros filmes, a pegada é ação pura).
Uma produção barata (U$ 400 mil) do cinema alternativo, altamente inventiva, lançada no mesmo ano de “O exterminador do futuro”, com estruturas bem semelhantes, repleta de efeitos especiais retrô (vistos sob a ótica de hoje), na moda das cores neon e sequências em slow motion, novidades para a época.
Foi um dos primeiros filmes de Helen Hunt, a mocinha da história, que já tinha aparecido em séries nos anos 70 – na época tinha 21 anos, e fazia par com o ator principal, Tim Thomerson, canastrão como de costume (e aqui soa bem esse seu perfil).
Deu origem a continuações, seis no total: “O tira do futuro” (1991, também dirigido por Charles Band), para cinema, e o restante para home vídeo, “A luta pela sobrevivência” (1992), “Fome de sangue” (1994), “A volta para casa” (1994) e “Trancers 6” (2002 – o único sem a presença de Tim Thomerson). Existiu ainda um curta intermediário entre o primeiro e o segundo, criado pelo próprio Charles Band, chamado “Trancers: City of lost angels” (1988), praticamente desconhecido.
Adorei revê-lo esta semana, um filme que via quando criança. Bateu uma nostalgia! Deixo agora como dica para quem se interessar! Ah, e além dessa obra bacanérrima, temos a oportunidade de acompanhar outros trabalhos de ficção científica contidos no mesmo box, chamado “Clássicos Sci-fi – Volume 4”, um digistack que reúne “Estranhos prazeres”, (1995), “Caltiki – O monstro imortal” (1959), “Geração Proteus” (1977), “Guerra entre planetas” (1955) e “Vale proibido” (1969). São três discos, com extras especiais, e na caixa vem cards colecionáveis. Fresquinho pela Versátil! Aproveite!
O exterminador do século 23 (Trancers). EUA, 1984, 76 min. Ficção científica/Ação. Colorido. Dirigido por Charles Band. Distribuição: Versátil Home Video
Amar, beber e cantar
Durante o ensaio de uma peça de teatro amador, na casa de campo do casal Colin (Hippolyte Girardot) e Kathryn (Sabine Azéma), uma notícia abala aquele seleto grupo: o melhor amigo deles, George, está prestes a morrer. As mulheres relembram a vida do colega, um cidadão mulherengo, enquanto os homens planejam convidá-lo para atuar no espetáculo.
Um pequeno grande filme-testamento do mestre do cinema francês Alain Resnais (1922-2014), que morreu meses depois do término das gravações. Na época, estava com a visão debilitada e precisou de ajuda da equipe para a realização – quem coordenou o projeto ao seu lado foi a esposa, a ótima atriz de seus filmes, Sabine Azéma, que aqui interpreta com maestria a espevitada protagonista, Kathryn.
Baseada na peça do inglês Alan Ayckbourn, a fita de arte é uma de suas mais acessíveis, uma ode romântica à amizade, simplista na forma, inteligente na concepção e metalinguística, que fala ao coração ao tratar do mundo do teatro. A estrutura do filme renova o gênero e mantém aspectos teatrais da fase final da carreira do cineasta (ele era um apaixonado pela arte dos palcos) – percebe-se um caráter minimalista, ambientado em lugares pequenos, fechados, só com diálogos.
A história gira em torno de um grupo de teatro, quase todos da terceira idade, que em pleno ensaio para o novo espetáculo leva um baque ao receber a trágica notícia de que um amigo próximo está com uma doença terminal, com poucos meses de vida. Entre conversas triviais, lembranças engraçadas e drinks no jardim o filme se constrói com perspicácia e inventividade. Pelos diálogos constrói-se o perfil do personagem doente, George, que nunca vemos. Está aí o trunfo e o charme da obra, nunca conhecemos o rosto de George, temos a versão dele pelos depoimentos dos amigos, a partir de histórias que podem ou não ser verídicas.
A forma cenográfica é outro ponto alto, totalmente estilizado em um único cenário, coberto com panos para o ensaio do teatro (que nunca acontece também), com colagem de desenhos coloridos que demarcam as casas dos vizinhos. É a arte imitando a vida, sem a necessidade de ser tão verossimilhante, já que o essencial não reside somente naquilo que enxergamos de concreto.
Rodado em estúdio na França e na zona rural de Yorkshire Dales (Reino Unido), o primoroso filme derradeiro de Resnais recebeu indicação ao Urso de Ouro no Festival de Berlim e lá ganhou dois prêmios especiais em 2014.
Se sentir afinidade pelas obras do diretor, não deixe de conferir os três trabalhos anteriores, bem semelhantes e com resultado encantador: “Medos privados em lugares públicos” (2006), “Ervas daninhas” (2009) e “Vocês ainda não viram nada!” (2012), todos disponíveis em DVD no Brasil.
E se quiser ir mais fundo, assista aos seus dois filmes emblemáticos da Nouvelle Vague, movimento que ajudou a criar, “Hiroshima, meu amor” (1959) e “O ano passado em Marienbad” (1961).
Amar, beber e cantar (Aimer, boire et chanter). França, 2014, 108 min. Comédia dramática. Colorido. Dirigido por Alain Resnais. Distribuição: Imovision