quarta-feira, 19 de abril de 2017

Viva Nostalgia!


Monstros

Em um circo de horrores de quinta categoria, a bonita trapezista Cleopatra (Olga Baclanova) rejeita o amor do anão Hans (Harry Earles), que é o gerente do empreendimento. Quando descobre que ele herdará uma grande fortuna, elabora, com o amante, um plano maquiavélico: casar-se com o pequenino para depois matá-lo e assim ficar com todo o dinheiro. Mas as “criaturas” que habitam o circo passarão a desconfiar da mudança de atitude de Cleopatra.

Até que enfim chega ao Brasil uma das obras mais polêmicas da História do Cinema, cult classic dramático com convite ao horror que abalou a sociedade na época, foi rejeitado por décadas e censurado em vários países. O motivo do rumor: a utilização de pessoas, no elenco, com deficiências físicas e intelectuais, apresentadas como criaturas repugnantes, num desfile chocante de aberrações. Xifópagos, anões, mulher barbada, portadores da Síndrome da Talidomida, em suma, os freaks, atrações comuns do mundo do circo de horrores, interpretam eles mesmos, desnudados, aguçando e atraindo o olhar do telespectador às suas reais deficiências. Diante do burburinho, o roteiro meio policial, com trama de assassinato, cai para segundo plano. Não se permite margem para enxergarmos o filme além da fronteira do estranho, da condição humana adversa, pois o projeto nasceu com esse duro e tenebroso propósito e assim foi vendido, como fita de terror.
Nessa versão definitiva e restaurada há, como extra, um prólogo de três minutos, uma mensagem especial sobre a triste história das “criaturas”, dos deformados, forçados a viver à margem, ridicularizados pela sociedade, e que criaram um código entre eles, bem discutido no filme: “a alegria de um é a de todos, e o sofrimento de um é o de todos”.
Emblemático na galeria dos filmes bizarros do cinema, “Monstros” causa inquietação e consternação, perturba, questiona o preconceito atroz e a pobreza do comportamento do ser humano frente aos marginalizados e nos deixa estarrecidos pela forma como os deficientes eram tratados no início do século passado (o filme é de 1932). É um dos trabalhos mais estranhos feitos em estúdio nos EUA, produzido com dificuldade pela MGM, numa onda de filmes de horror de entretenimento que a Universal estrearia com “Drácula” e “Frankenstein”. Aliás, o diretor, Tod Browning (1880-1962), havia rodado no ano anterior o notório “Drácula” e por ter trabalhado em circo soube como encarar um diálogo direto, cruel, sobre os bastidores desse ambiente único.
Em DVD pela Obras-primas do Cinema, “Monstros” é um filme seríssimo, melancólico, controverso e pungente, pioneiro do ponto de vista do processo criativo, indicado aos cinéfilos de primeira ordem.


Monstros (Freaks). EUA, 1932, 64 min. Drama/Horror. Dirigido por Tod Browning. Distribuição: Obras-primas do Cinema

* Publicado na coluna 'Middia Cinema', da revista Middia Magazine, edição de abril/maio de 2017

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