Ex-símbolo sexual, atriz Darlene Glória retorna ao cinema como mãe alcoólatra e protetora (*)
Felipe Brida
A atriz capixaba Darlene Glória, 65 anos, musa da Pornochanchada nos anos 70 e ex-símbolo sexual reconhecida internacionalmente, retorna às origens artísticas no filme de estréia de Selton Mello como diretor, “Feliz Natal”. No drama ela interpreta Mércia, a mãe alcoólatra de Caio, homem que volta para casa para se reencontrar com a família nas vésperas do Natal. Pela excepcional atuação Darlene venceu o prêmio de melhor atriz nos festivais do Paraná, Paulínia e Goiânia.
Em entrevista especial ao NM, a atriz, hoje artista plástica e pregadora da religião evangélica Assembléia de Deus, comenta sobre a criação da personagem Mércia e relembra o passado de drogas pesadas e da imagem de prostituta que tanto fragilizou sua vida pessoal.
NM – Darlene, sua carreira foi marcada por grandes trabalhos no cinema, como “Toda nudez será castigada” (1973) e “O marginal” (1974). Por outro lado, passou por escândalos e exageros, como uso freqüente de drogas e internações em hospitais psiquiátricos. Essa era – ou ainda é – a vida idealizada pelos artistas?
Darlene – Meu passado negro eu quero enterrar. No auge da carreira eu vivia sob uso de drogas pesadas, como LSD e cocaína. Sempre fui explosiva e autêntica, expunha o que pensava, e isto causava certo temor quanto à minha imagem. Por causa do papel da prostitua Geni em “Toda nudez será castigada” (1974), era mau vista pelas pessoas. Briguei com diretores e produtores que me faziam proposta de trabalho em troca de sexo. Nos anos 70, tive uma depressão profunda, tentei suicídio e fiquei internada. Mas aí, com meu afastamento da TV, na década seguinte, converti-me à igreja evangélica e fui morar em Nova York. Muitos artistas, devido ao estrelato, deixam-se levar pelas drogas e maluquices. Eu fui assim, mas hoje vivo para Jesus, sigo seus ensinamentos e procuro trilhar o melhor caminho para mim, para minha família e para meus amigos. Dificilmente faço filme. Só quando o personagem me interessa muito.
NM – Para criar a personagem Mércia, uma mulher de meia-idade e que vive à base de remédios e bebidas alcoólicas, você fez um olhar para o próprio passado ou espelhou-se em alguém?
Darlene – A Mércia tem um pouco daquela Darlene antiga. É um personagem complexo, uma mãe alcoólatra, inconseqüente e separada do marido. Tanto o filme como o papel da Mércia não são novos – Hollywwod já retratou várias vezes esse perfil de pessoa em filmes dramáticos. Maspor trás de “Feliz Natal” está o olhar densa de Selton. O diferencial está nas mãos desse promissor cineasta.
NM – De que forma resumiria a essência de “Feliz Natal”?
Darlene – Resumo o trabalho em poucas palavras. É uma fita realista sobre almas de pessoas do mesmo sangue que não se reencontram há anos. E quando há o encontro cada membro da família se revela como realmente é, sem disfarces. Por isso nem sempre as situações são felizes. Predominam os sentimentos de tristeza e angústia de pessoas em crise.
NM – Como foi trabalhar com Selton Mello?
Darlene – Estou afastada da televisão e dos cinemas desde os anos 80. Tenho uma vida tranqüila em Teresópolis e não pretendia voltar aos cinemas em um papel central – fiz, de uns anos para cá, participações pequenas em filmes e TV. Um dia conheci o Selton quando fui entrevistada no programa “Tarja preta”. Adorei conhecê-lo pessoalmente, e ele demonstrou a maior admiração pelo meu trabalho. Meses depois Selton me ligou para me convidar para o novo filme dele. Nunca na minha vida dei uma resposta imediata antes de ler o roteiro, mas como sabia que com Selton sairia algo diferente, disse “sim” na hora. Aí ele me afirmou: “Não tenho papel pra você ainda. Mas irei criar um”. Eu levei um baque, mas continuei aceitando o convite. Ele montou o papel e o script. Eu participei dos laboratórios e ensaios, e no final deu tudo certo. Foi um encontro de amor mesmo, eu e ele, eu e a Mércia. O papel da mãe cresceu com o filme. Mergulhei fundo no personagem, como sempre faço. Esse papel caiu do céu, e sou muito grata a Selton. Vivo repetindo ao Selton: “Você, tão jovem, como conseguiu condensar sentimentos tão profundos numa fita como essa?”. Por isso é promissor. Torço muito por ele.
Conheça a atriz Darlene Glória
Atriz capixaba, Darlene Glória nasceu no dia 20 de março de 1943. Iniciou a carreira como cantora em rádio nos anos 50. Apresentava-se em programas de calouro e logo se tornou vedete de teatro de revista. Estreou no cinema em 1965 em “São Paulo – Sociedade Anônima”, e passou por todas as fases do cinema brasileiro moderno – Cinema Novo, Cinema Marginal, Pornochanchada e Retomada. Fez 29 filmes, dentre eles “Paraíba – Vida e morte de um bandido” (1966), “Terra em transe” (1967), “Os raptores” (1969), “Os paqueras” (1969) e “O marginal” (1974). Em 1973 recebeu, no Festival de Gramado, o Kikito de Ouro de melhor atriz pelo filme “Toda nudez será castigada”, aonde interpretou a prostituta Geni. Atuou nas novelas “O bofe” (1972), “Araponga” (1990) e “Pecado capital” (1998). Após a conversão evangélica, abandonou a carreira artística e mudou-se para Nova York nos anos 80, passando a produzir vídeos religiosos.
Mãe de quatro filhos, Darlene Glória foi casada duas vezes – uma delas com o policial da repressão Mariel Mariscot, acusado de pertencer ao Esquadrão da Morte – a vida de Mariscot pode ser vista no filme “Eu matei Lúcio Flávio” (1979), cujo personagem-título foi interpretado por Jece Valadão.
(*) Entrevista publicada no jornal Notícia da Manhã, periódico de Catanduva, na edição do dia 03/01/2009. Crédito para as três fotos: Divulgação.
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