sábado, 23 de dezembro de 2023

Cine Cult


Em trânsito

Georg (Franz Rogowski) foge da França após a invasão nazista. Sem rumo, assume a identidade de um escritor falecido. Com os documentos do morto, passa a viver sob a pele dele. Em Marselha, é preso e conhece uma jovem, Marie (Paula Beer), que procura o marido desaparecido. Os dois se apaixonam e encaram um romance complexo.

A Versátil Home Video lançou, dois anos atrás, em parceria com a Supo Mungam, um dos filmes mais complexos e disruptivos do cinema alemão atual, ‘Em trânsito’ (2018), obra fundamental do diretor Christian Petzold. O diretor é um dos nomes mais importantes da ‘Berliner Schule’, a ‘Escola de Berlim’, um movimento cinematográfico alemão contemporâneo inspirado no cinema de autor decorrente do Novo Cinema Alemão dos anos 60 e 70. Pupilo de Harun Farocki, diretor e roteirista alemão daquele período, Petzold fez com ele uma parceria que rendeu vários filmes, incluindo ‘Em trânsito’ – Farocki morreu em 2014 e não viu o longa ser feito, já que foi lançado em 2018. Petzold e Farocki escreveram o complexo roteiro baseado no romance da escritora alemã Anna Seghers, escrito e publicado no fim da Segunda Guerra Mundial. Alteraram o perfil dos personagens originais e ousaram rompendo a diegese – o filme se passa na invasão nazista na França, mas não mais nos anos 40, e sim como se fosse o tempo presente (percebe-se isso pelos carros atuais, roupas e bares modernos). Assim como os filmes produzidos na ‘Escola de Berlim’, esse também trata de temas como crise de identidade e incerteza social, com figuras psicologicamente perturbadas e fugindo de seus problemas diários. Aqui, um rapaz tenta escapar da perseguição nazista, assume a identidade de um homem morto num vagão de trem e vai para a cidade do falecido ter uma nova vida. Tudo é muito estranho para ele (e estranho é o cinema de Petzold), sempre há olhares desconfiados das pessoas, como se algo estivesse na iminência de ocorrer. Uma narração seca, em off, de alguém que o conhece muito bem, explica o cotidiano do personagem. Nunca fica claro se o que o protagonista enfrenta é real ou é imaginado, o medo da guerra deixou-o em estado de atenção constante.
Esse é o cinema desse diretor criativo, cuja narrativa é desconexa e cíclica – tudo volta ao começo, e você notará isso no final do filme. Como característica da Escola de Berlim, há pouca trilha sonora. É um denso estudo de personagem em uma história fria. Indico para os conhecedores do diretor e para quem curte filmes cult.
É possível fazer um paralelo de ‘Em trânsito’ com outro bom longa do diretor, ‘Phoenix’ (2014), de uma mulher desfigurada no Holocausto que busca encontrar o marido desaparecido.





Os alemães Franz Rogowski e Paula Beer ganharam destaque no cinema de Petzold, e agora vem trabalhando em diversos filmes de outros diretores – ele fez ‘Victoria’ (2015) e ‘Great freedom’ (2021),  e ela, ‘Frantz’ (2016) e os dois últimos de Petzold, ‘Undine’ (2020) e ‘Afire’ (2023 - que estreou no Brasil em 03/11).
‘Em trânsito’ recebeu indicação ao Urso de Ouro no Festival de Berlim. Em bluray, sai numa edição em disco único, com luva reforçada e uma hora de extras.

Em trânsito (Transit). Alemanha/França, 2018, 101 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Christian Petzold. Distribuição: Versátil Home Video

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