sábado, 24 de setembro de 2022

Cine Cult


Foxfire – Confissões de uma gangue de garotas


No interior do estado de Nova York nos anos 50, oito jovens organizam uma gangue para lutar contra os abusos dos homens.

Primeiro (e único) filme em língua inglesa do diretor francês Laurent Cantet, cineasta de grande renome internacional, vencedor da Palma de Ouro em Cannes por “Entre os muros da escola” (2007). Ele quem fez o roteiro, adaptado do livro “Foxfire”, da norte-americana Joyce Carol Oates, sobre uma gangue de garotas que busca se vingar dos abusos sofridos no ambiente de trabalho e na escola (a história se passa numa cidadezinha interiorana de Nova York, na metade dos anos 50, com uma pegada moderna nos figurinos e nos diálogos). Elas revidam com fúria, atacando professores que tentaram estuprá-las e homens que abusaram delas na rua. Elas enfrentam uma sociedade misógina e machista, porém a luta delas é com armas e agressões, gerando um novo discurso de violência, de justiça com as próprias mãos (o que sabemos não ser o melhor caminho). Por isso passam a ser vistas como foras-da-lei, perseguidas pela polícia – o filme segue numa crescente a ponto de as garotas destruírem casas, sequestrarem homens e até matá-los.
Cantet fez uma obra fascinante e vigorosa. E como sempre utilizando uma linguagem própria, com a câmera na mão, em constante movimento, resultando em imagens tremidas e fora de foco, que jogam o espectador para o centro das cenas. Novamente escalou um elenco de pessoas desconhecidas – aqui são jovens atrizes francesas, muitas em cena pela primeira vez (destaque para Katie Coseni, que ganhou o prêmio de atriz no Festival de San Sebastian).


Rodado no Canadá, tem como co-roteirista Robin Campillo, parceiro de trabalho de Cantet em outros longas, como “Entre os muros da escola” e “A trama” (2017). Campillo escreveu e dirigiu um dos filmes mais impactantes do cinema francês atual, que trata sobre a Aids, “120 batimentos por minuto” (2017), ganhador de três prêmios em Cannes, o da Crítica, o Grande Prêmio do Juri e o Queer Palm.
PS: Em 1996 houve a primeira versão de “Foxfire”, intitulado no Brasil de “Rebeldes”, bem fraquinha, com Angelina Jolie no início de carreira (dirigido por Annette Haywood-Carter, trazia a história dos anos 50 para os anos 90).
Procure conhecer a versão de 2012, de Cantet – tem em DVD pela Imovision.

Foxfire – Confissões de uma gangue de garotas (Foxfire). França/Canadá, 2012, 143 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Laurent Cantet. Distribuição: Imovision

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Na Netflix


O escândalo da Wirecard


O jornalista da Financial Times Dan McCrum desvenda um golpe milionário da empresa alemã de pagamentos Wirecard AG.

Um documentário empolgante e de qualidade da Netflix, que acaba de estrear na plataforma. É baseado no livro “Money men: A hot startup, a billion dollar fraud, a fight for the truth”, de Dan McCrum, jornalista investigativo do jornal britânico Financial Times, que descobriu a fraude milionária da Wirecard AG em 2020 e investigou o caso a fundo. Pelo trabalho, McCrum foi agraciado com um dos maiores prêmios do jornalismo investigativo da Alemanha, e o caso Wirecard ganhou repercussão mundial.
Fundada em 1999, com sede em Aschheim, na Alemanha, a Wirecard AG foi uma processadora de pagamentos que em 2020 entrou com pedido de falência, com um rombo de quase 2 bilhões de euros (cerca de R$ 12 bilhões). Descobriu-se que um dos CEOs, Markus Braun, estava envolvido em fraudes fiscais e manipulação contábil, e com a investigação em 2020 ele foi preso acusado pelos crimes. Outros executivos da empresa também foram acusados e presos, e alguns permanecem foragidos.
O filme tem uma trama surpreendente, com reviravoltas bem colocadas, e por tratar de temas complexos, como fraudes bancárias e muitas informações técnicas do mundo corporativo, consegue ser didático e explicativo para o grande público.


É uma produção britânica, assinada pelo diretor James Erskine, que fez bons documentários como “Sachin” (2017, sobre um dos maiores jogadores de críquete do mundo, o indiano Sachin Ramesh Tendulkar) e “Billie” (2019, sobre a lendária cantora de jazz Billie Holiday).

O escândalo da Wirecard (Skandal! Bringing down Wirecard). Reino Unido, 2022, 92 min. Documentário. Colorido. Dirigido por James Erskine. Distribuição: Netflix

sábado, 17 de setembro de 2022

Cine Especial

 

Encontro marcado com a morte

Odiada por muitas pessoas, uma herdeira é encontrada morta com sinais de envenenamento durante uma viagem a Jerusalém. Ela estava acompanhada por familiares e amigos, e todos são suspeitos do crime. Entra em ação o investigador Hercule Poirot (Peter Ustinov) para desvendar o caso.

Produzido pela Cannon, “Encontro marcado com a morte” é mais um interessante filme de mistério baseado na obra da ‘Rainha do Crime’ Agatha Christie. Premiado com dois Oscars, o veterano ator Peter Ustinov retorna ao papel do investigador Hercule Poirot, com seu longo bigode e suas piadinhas – foi seu último papel como Poirot, ele o interpretou em “Morte sobre o Nilo” (1978) e “Assassinato num dia de sol” (1982), e em três telefilmes nos anos 80. O roteirista britânico Anthony Shaffer também volta a adaptar Agatha - ele havia feito todos os outros do Poirot citados acima, incluindo o melhor filme de todos, a primeira versão de “Assassinato no expresso Oriente” (1974), demonstrando uma mão exata para histórias intrigantes de crime – são dele ainda os imperdíveis “Frenesi” (1972) e “Jogo mortal” (1972).

Dessa vez a trama é na exótica Jerusalém, passando em pontos turísticos como o Mar Morto, e há um crime a desvendar envolvendo o envenenamento de uma senhora chantagista, herdeira de bens e odiada por muitos.
Como sempre o elenco é grandioso, com astros e estrelas de outrora: Lauren Bacall, Carrie Fisher, John Gielgud, Piper Laurie e Hayley Mills são alguns dos nomes que realçam a qualidade da fita, uma produção caprichada, rodada em Israel, Itália e Reino Unido.
Do diretor Michael Winner, das fitas policiais “Assassino a preço fixo” (1972), “Scorpio” (1973) e “Desejo de matar” (1974) e do terror “A sentinela dos malditos” (1977).
Integra o box “Agatha Christie – volume 4”, lançado em DVD pela Obras-primas do Cinema, contendo ainda o longa para cinema “Dez convites para a morte” (1989, conhecido como “O caso dos dez negrinhos”) e o telefilme “Um passe de mágica” (1985).

Encontro marcado com a morte (Appointment with death). EUA/Reino Unido, 1988, 102 minutos. Suspense. Colorido. Dirigido por Michael Winner. Distribuição: Obras-primas do Cinema

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Cine Clássico


Música e lágrimas

O músico Glenn Miller (James Stewart) começa cedo a escrever sua história, que ficou conhecida no mundo inteiro. Nos anos 30, ele dá os primeiros passos no cenário musical e vê o fracasso de sua primeira banda de estrada. No entanto, Miller não desiste e segue em frente diante dos percalços. Conhece a mulher de sua vida, Helen Burger (June Allyson), que o auxiliará a trilhar o sucesso.

Anthony Mann, diretor recorrente em filmes épicos como “El Cid” (1961) e faroestes, dentre eles “Winchester ‘73” (1950) e “Um Certo Capitão Lockhart” (1955), assinou aqui a cinebiografia de um dos maiores músicos e instrumentistas de jazz na era do swing, o bandleader Glenn Miller (1904-1944), escalando James Stewart para o papel central. Stewart ficou parecido com o verdadeiro Miller, na época o ator tinha 46 anos e precisava aparentar metade da idade – a maquiagem deu conta do recado. O ator já era consagrado nos EUA desde a década de 30 e já havia trabalhado com Mann (os dois filmes de faroeste citados acima são com ele).


O drama tem números musicais bem coreografados, e o recorte dado é de parte da juventude de Miller, quando jovem criou sua primeira orquestra, até ingressar no exército como capitão, depois major e diretor da banda da Força Aérea americana durante a Segunda Guerra. Trombonista, visitava fronts de guerra para entreter os soldados. Numa viagem do Reino Unido a Paris, o avião em que estava desapareceu, e até hoje nunca foram encontrados nem destroços nem corpos (Miller foi dado como morto nesse “desastre de avião” em 1944). Deixou composições notórias e até hoje tocadas em festas (e que aparecem no filme), como “Moonlight serenade” (parte da memorável trilha sonora de “O iluminado”, de Stanley Kubrick), “Chatanooga Choo-Choo”, “In the mood” e “A string of Pearls”.
O filme ganhou o Oscar de melhor som, indicado ainda a melhor roteiro e melhor trilha sonora e ao Bafta de ator para Stewart. Aliás, Stewart estava no auge fazendo filmes de Alfred Hitchcock (nesse mesmo ano faria “Janela indiscreta”) e foi par romântico de June Allysson várias vezes, como em “Sangue de campeão” (1949) e “Comandos do ar” (1955). O filme é bonito, nostálgico, conta com uma boa reconstituição do mundo do jazz e um final choroso.


Em DVD e bluray pela Classicline, relançados recentemente e já disponíveis nos melhores sites para venda.

Música e lágrimas (The Glenn Miller story). EUA, 1954, 115 minutos. Drama/Musical. Colorido. Dirigido por Anthony Mann. Distribuição: Classicline (DVD e Bluray)

sábado, 10 de setembro de 2022

Cine Cult


As garotas


Tosya (Nadezhda Rumyantseva), uma jovem russa, viaja a uma aldeia na Sibéria para ser cozinheira. Ela vai morar em uma cabana e lá faz refeições para um grupo de lenhadores. Ilya (Nikolay Rybnikov) é um desses trabalhadores, que se apaixona por ela. Tosya não quer se envolver com ninguém, porém uma série de desventuras amorosas se sucederão em sua vida.

Comédia romântica produzida na extinta URSS (União Soviética) em 1961 e uma das mais adoradas pelo público russo. Até hoje é uma fita leve, cativante, de alto astral. Tem uma deslumbrante fotografia no gelo da Sibéria (as externas do filme foram gravadas na verdadeira Sibéria, enquanto as cenas internas, da cabana e da cidade, em estúdios da Mosfilm). A atriz Nadezhda Rumyantseva, de filmes como “O mexicano” (1956) e “A princesa do Cáucaso” (1967), esbanja charme juvenil em um papel encantador, sempre alegre, com simpatia estampada no rosto – ela teve fama mundial com o lançamento desse filme, e vale destacar, na época tinha 30 anos e interpretava uma garota de 18 aqui.


A direção, de Yury Chulyukin (1929-1987), pontua momentos bem femininos (do diálogo às caracterizações) e investe na figura da mulher em processo de independência (pelo menos na escolha de seus amores), que vive em um ambiente dominado por homens durões (os lenhadores na Sibéria) – e nesse lugar ela consegue transformar seu entorno de maneira virtuosa. Chulyukin, filho de diretor do teatro Bolshoi, foi diretor de cinema, roteirista, ator e compositor de músicas, atuando também na TV russa dirigindo programas e especiais. O roteiro é de Boris Bednyj, ex-combatente do Exército Vermelho que atuou na Segunda Guerra onde foi preso pelos fascistas em 1942 (só libertado em 1945). Dedicou-se, depois da guerra, à escrita, lançando livros como “Grande corrente” e “As garotas”, o romance original que inspiraria sua adaptação para o cinema.


Quem tiver curiosidade em ver, procure o DVD, lançado esse mês pela CPC-Umes Filmes. A distribuidora, especializada em filmes russos e soviéticos, acertou novamente com a distribuição em mídia física desse longa inspirador e espirituoso!

As garotas (Devchata). URSS, 1961, 95 minutos. Comédia/Romance. Preto-e-branco. Dirigido por Yury Chulyukin. Distribuição: CPC-Umes Filmes

domingo, 4 de setembro de 2022

Cine Especial


A travessia de Cassandra


Um terrorista escapa de um atentado que deu errado e se esconde em um luxuoso trem europeu. O homem acabou se contaminando com uma doença mortal e pode espalhá-la em pouco tempo para os passageiros. A Inteligência Militar norte-americana se reúne então com patologistas para capturar o criminoso e quem sabe salvar mais de 400 pessoas que estão em viagem no trem.

Eletrizante thriller dos anos 70 que aborda temas que nunca fugiam à regra do período da Guerra Fria, como terrorismo, guerra biológica/tecnológica e crise militar. Todo rodado na Europa (em países como Itália, França e Suíça), conta com um time de astros a perder de vista, como Sophia Loren, Richard Harris, Martin Sheen, O.J. Simpson (na época jogador de futebol americano), Ingrid Thulin, Burt Lancaster, Lee Strasberg, Ava Gardner, Alida Valli, Lionel Stander, John Phillip Law e Ann Turkel – alguns em papéis de destaque, outros bem passageiros.


A coprodução Reino Unido-Itália-Alemanha traz cenas movimentadas, de perseguição e tiroteios, e um clima de angústia e claustrofobia, já que a trama é inteiramente dentro de um trem em movimento com um passageiro contaminado com uma doença mortal. E tem um desfecho que, apesar de absurdo, é eficiente para o deleite dos fãs de fitas de ação (os efeitos especiais do longa remetem a maquetes com trens em miniaturas descarrilando e resgate nos ares tanto com helicópteros reais quanto “de brinquedo”) – o cinema americano usaria depois veículos em movimentos para contar histórias de resgate parecidas, como “Velocidade máxima” (1994), “Assalto sobre trilhos” (1995) e “Incontrolável” (2010).
“A travessia de Cassandra” também é um exemplar esquecido da linha ‘disaster movie’, feito no auge de filmes assim, que trazia na história um desastre iminente de grandes proporções. No cinema americano os disaster movies se passavam em ambientes diversos, como num prédio em chamas, em “Inferno na torre” (1974), num naufrágio em alto-mar, em “O destino de Poseidon” (1972), e num avião com explosivos, em “Aeroporto” (1970) - e investiram até em outras modalidades malucas, como um ataque cruel de abelhas em “O enxame” (1978). E sempre neles havia um timaço de atores e atrizes consagrados (para garantir público nas salas).


Perceba que da metade para o fim há um novo contorno na trama em referência ao título “Cassandra Crossing”, uma ponte onde o trem transcontinental irá cruzar.
Dirigido pelo italiano George P. Cosmatos, que faria no Canadá o terror “Origem desconhecida” (1983) e nos Estados Unidos duas fitas de ação com Sylvester Stallone muito conhecidas do público, “Rambo II: A missão” (1985) e “Stallone: Cobra” (1986) - e lá ainda faria o terror com scifi “Leviathan” (1989) e um dos melhores faroestes dos anos 90, “Tombstone: A justiça está chegando” (1993). Ele auxiliou no roteiro, e a eficiência deste se justifica pelas mãos de dois parceiros, Tom Mankiewicz, roteirista da grandiosa fita de guerra “A águia pousou” (1976), e Robert Katz, de “A pele” (1981) e “Aldo Moro: Herói e vítima da democracia” (1986).


A produção é de Carlo Ponti, o lendário produtor italiano de obras-primas como “A estrada da vida” (1954), “Doutor Jivago” (1965) e “Blow-up” (1966), e então marido de Sophia Loren. Atenção para a boa trilha de Jerry Goldsmith, ganhador do Oscar pela trilha de “A profecia” (1976) e indicado a outros 17 prêmios da Academia. Em DVD pela Classicline.

A travessia de Cassandra (The Cassandra Crossing). Reino Unido/Itália/Alemanha, 1976, 128 minutos. Ação. Colorido. Dirigido por George P. Cosmatos. Distribuição: Classicline