segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Cine Cult



Os mortos não morrem

Na pacata Centerville, os habitantes notam que a lua está baixa, rodeada por uma névoa roxa. Os animais desenvolvem estranhos comportamentos. Até que os mortos levantam de suas tumbas... Diante de um iminente apocalipse, os policiais Robertson (Bill Murray), Peterson (Adam Driver) e Mindy (Chloë Sevigny) tentam entender o caso enquanto fogem dos zumbis.

Filme de abertura do festival de Cannes, onde concorreu à Palma de Ouro em 2019, a investida do cineasta autoral Jim Jarmusch ao mundo dos zumbis é uma brincadeira divertida, metafórica e muito metalinguística, para público restrito. Não vá assistir achando que é um filme gore, de terror batido de mortos-vivos que comem carne humana e morrem com tiro na cabeça... Jarmusch fez um terrir (terror com comédia) repleto de conversas e pouca ação/tensão, inundando a fita com referências à Sétima Arte: ele reinventa diálogos, sequências e cenografia do cultuado “A noite dos mortos-vivos” (1968), de Romero; faz menções a outros filmes seus, como trocadilhos dos nomes dos personagens - por exemplo, de Adam Driver, que aqui se chama Peterson, sendo que anos antes Jarmusch o dirigiu no filme “Paterson” (2016); não hesita no humor macabro – como a cena da lápide de Sam Fuller, cineasta que Jarmusch reverencia; e recorre ao mundo pop e dos videogames, como a personagem Zelda, a médica legista e samurai interpretada por Tilda Swinton, em alusão à arqueira/guerreira de “Legend of Zelda”. E por fim o diretor faz uma alegoria sobre a sociedade apática que o sistema capitalista cria, e sem citar nomes traz à tona os desmazelos da Era Trump (os zumbis, assim como os vivos do filme, todos apáticos e de fala lenta, representam esse mundo de pura melancolia dos últimos anos na América).




É uma história com clima de fim dos tempos, narrada e observada por um ermitão (interpretado pelo cantor e ator Tom Waits). A cidade pacata se transforma quando a lua está baixa, e os mortos voltam. Mas voltam exigindo café, roupas estilosas da moda, conexão wifi etc São mortos com vontades de qualquer ser vivente. Inclusive eles voltam à vida devido a uma interferência do homem na natureza, no caso na extração desenfreada do petróleo (outra crítica social que irrompe de maneira sutil na trama).
Jarmusch escreveu o roteiro a partir de uma ideia original de Tilda Swinton, quando gravavam outro filme alternativo de terror com comédia, sobre vampiros, “Amantes eternos” (2013). Trouxe novos rumos para a história e reuniu um elenco de peso, muitos deles com quem já trabalhou; o trio central está à vontade, os três já indicados ao Oscar (Murray, Driver e Chloë), há participações de coadjuvantes como Tilda Swinton, Tom Waits, Steve Buscemi, Danny Glover, Caleb Landry Jones, RZA e Rosie Perez, e rápidas aparições (bem engraçadas) de Iggy Pop (como um zumbi viciado em café), Carol Kane, Selena Gomez e Austin Butler.


Foi o longa do diretor que teve maior investimento publicitário entrando em mais de 600 salas de cinema; isso porque ele é um diretor independente, cujos filmes passam mais em festivais – são dele obras cultuadas que fizeram a cabeça de cinéfilos brasileiros, como “Estranhos no paraíso” (1984), “Daunbailó” (1986) e “Ghost dog” (1999). Disponível em DVD e bluray e na Netflix.

Os mortos não morrem (The dead don’t die). EUA, 2019, 104 minutos. Comédia/Terror. Colorido. Dirigido por Jim Jarmusch. Distribuição: Universal Pictures

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