Os mortos não morrem
Na pacata Centerville,
os habitantes notam que a lua está baixa, rodeada por uma névoa roxa. Os animais
desenvolvem estranhos comportamentos. Até que os mortos levantam de suas
tumbas... Diante de um iminente apocalipse, os policiais Robertson (Bill
Murray), Peterson (Adam Driver) e Mindy (Chloë Sevigny) tentam entender o caso
enquanto fogem dos zumbis.
Filme de abertura do
festival de Cannes, onde concorreu à Palma de Ouro em 2019, a investida do
cineasta autoral Jim Jarmusch ao mundo dos zumbis é uma brincadeira divertida,
metafórica e muito metalinguística, para público restrito. Não vá assistir
achando que é um filme gore, de terror batido de mortos-vivos que comem carne
humana e morrem com tiro na cabeça... Jarmusch fez um terrir (terror com
comédia) repleto de conversas e pouca ação/tensão, inundando a fita com
referências à Sétima Arte: ele reinventa diálogos, sequências e cenografia do
cultuado “A noite dos mortos-vivos” (1968), de Romero; faz menções a outros
filmes seus, como trocadilhos dos nomes dos personagens - por exemplo, de Adam
Driver, que aqui se chama Peterson, sendo que anos antes Jarmusch o dirigiu no
filme “Paterson” (2016); não hesita no humor macabro – como a cena da lápide de
Sam Fuller, cineasta que Jarmusch reverencia; e recorre ao mundo pop e dos
videogames, como a personagem Zelda, a médica legista e samurai interpretada
por Tilda Swinton, em alusão à arqueira/guerreira de “Legend of Zelda”. E por
fim o diretor faz uma alegoria sobre a sociedade apática que o sistema
capitalista cria, e sem citar nomes traz à tona os desmazelos da Era Trump (os
zumbis, assim como os vivos do filme, todos apáticos e de fala lenta,
representam esse mundo de pura melancolia dos últimos anos na América).
É uma história com clima
de fim dos tempos, narrada e observada por um ermitão (interpretado pelo cantor
e ator Tom Waits). A cidade pacata se transforma quando a lua está baixa, e os
mortos voltam. Mas voltam exigindo café, roupas estilosas da moda, conexão wifi
etc São mortos com vontades de qualquer ser vivente. Inclusive eles voltam à
vida devido a uma interferência do homem na natureza, no caso na extração
desenfreada do petróleo (outra crítica social que irrompe de maneira sutil na
trama).
Jarmusch escreveu o
roteiro a partir de uma ideia original de Tilda Swinton, quando gravavam outro
filme alternativo de terror com comédia, sobre vampiros, “Amantes eternos”
(2013). Trouxe novos rumos para a história e reuniu um elenco de peso, muitos
deles com quem já trabalhou; o trio central está à vontade, os três já
indicados ao Oscar (Murray, Driver e Chloë), há participações de coadjuvantes como
Tilda Swinton, Tom Waits, Steve Buscemi, Danny Glover, Caleb Landry Jones, RZA
e Rosie Perez, e rápidas aparições (bem engraçadas) de Iggy Pop (como um zumbi
viciado em café), Carol Kane, Selena Gomez e Austin Butler.
Foi o longa do diretor que
teve maior investimento publicitário entrando em mais de 600 salas de cinema;
isso porque ele é um diretor independente, cujos filmes passam mais em
festivais – são dele obras cultuadas que fizeram a cabeça de cinéfilos
brasileiros, como “Estranhos no paraíso” (1984), “Daunbailó” (1986) e “Ghost
dog” (1999). Disponível em DVD e bluray e na Netflix.
Os mortos não morrem (The dead don’t die). EUA, 2019, 104
minutos. Comédia/Terror. Colorido. Dirigido por Jim Jarmusch. Distribuição: Universal
Pictures
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