Solaris
O psicólogo Kris Kelvin (Donatas Banionis) é enviado a uma estação
espacial na órbita de Solaris, um planeta distante, desconhecido dos humanos. Ele
tem como missão investigar as causas que levaram a tripulação de uma nave à
insanidade. Ao chegar encontra antigos cientistas em estado de transe, além de
sua esposa, que se suicidou anos atrás, e passa a ter um contato diário com o
oceano de Solaris, que tem vida própria e é de promover estranhos fenômenos.
O
cineasta Andrei Tarkovski dirigiu a segunda versão para o cinema (e a melhor de
todas) de um romance hipnótico de ficção científica do polonês Stanslaw Lem (o
livro está disponível no Brasil pela editora Aleph, li recentemente e recomendo
a leitura). A essência da história, assim como a enorme complexidade de seus
detalhes, permanece no filme, que é tão enigmático e estranho quanto o original.
Tarkovski soube trazer a dimensão dos personagens narrados nas páginas de Lem
para escrever o roteiro ao lado de Fridrikh Gorenshteyn, em particular na composição
de Kris Kelvin, o psicólogo da missão crucial de resgate, enviado ao planeta
Solaris, lugar temido e desconhecido, que possui um oceano dotado de
inteligência, que pode entrar no íntimo das pessoas e materializar suas
memórias tornando-as reais. Além da história curiosa, esse cult movie soviético,
que é para alguns indecifrável, prima por elementos técnicos invejáveis, como a
direção de arte meio futurista meio atual (com elementos de “2001 – Uma odisseia
no espaço”, realizado quatro anos antes), truques de montagem, uma trilha sonora
marcante, do compositor Eduard Artemev, que compôs para mais de 160 filmes, dentre
eles “O espelho” (1975) e “Stalker” (1979), do próprio Tarkovski, e a fotografia
com luzes e cores alternantes, de Vadim Yusov, que havia trabalhado com o
diretor em “A infância de Ivan” (1962) e “Andrei Rublev” (1966). Sem contar a narrativa
lenta e íntima, típicas do diretor, com longas passagens sem diálogos, só com
imagens.
Ganhou
o Fipresci (Prêmio da Crítica) e o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes,
em 1972, onde concorreu à Palma de Ouro. Disponível em DVD pela CPC-Umes Filmes,
em disco duplo (com filme e extras, dentre eles entrevistas especiais, making
of e cenas excluídas); saiu também em Bluray pela CPC-Umes em parceria com a
Versátil, numa edição de colecionador, hoje esgotada. A cópia do DVD está
excelente, saindo da matriz restaurada em 2015 pela Mosfilm, com a metragem original
de cinema (de 167 minutos) – opte por esta, pois há em circulação uma edição
não autorizada do diretor, de 115 min. Depois de ver “Solaris” de Tarkovski,
procure, para comparar, as duas outras versões para cinema do livro de Lem, ambas
de mesmo título - tem o telefilme de 1968, feito na URSS, e o longa de 2002 de
Steven Soderbergh, com George Clooney, indicado ao Urso de Ouro em Berlim.
Solaris (Solyaris). URSS, 1972, 166 minutos. Drama/Ficção
científica. Colorido. Dirigido por Andrei Tarkovski. Distribuição: CPC-Umes
Filmes (DVD) e Versátil/CPC-Umes Filmes (Blu-ray)
Quatro destinos
Durante a Guerra Civil Americana, quatro jovens irmãs vivem sob os
cuidados da mãe após o patriarca sair de casa para servir o exército. Elas compartilham
alegrias e tristezas, unidas por um forte laço para lidar com as dificuldades
do cotidiano. Apaixonam-se, enfrentam problemas financeiros, até que uma terrível
doença acometerá uma das irmãs.
Com
a repercussão do novo “Adoráveis mulheres” (2019), recém-lançado nos cinemas brasileiros
e candidato ao Oscar com seis indicações, a Classicline relançou o DVD de “Quatro
destinos” (1949), a quarta versão e a melhor de todas para mim, que teve uma
bilheteria extraordinária no ano de seu lançamento. Pra falar a verdade são
muitas as versões do livro “Little women”, de Louisa May Alcott, que a gente
chega a se perder... lembro de uma versão muda, “Little women”, de 1918, depois
“Quatro irmãs” (1933, com Katharine Hepburn e Joan Bennett, que venceu o Oscar
de roteiro), essa aqui de 1949, “Adoráveis mulheres” (1994, com Susan Sarandon,
Winona Ryder, Kirsten Dunst, que pegou no Brasil e concorreu a três Oscars),
uma versão atualizada da história chamada “Jovens mulheres” (2018), e a de
2019, com um grande elenco (com Saoirse Ronan, Florence Pugh e Meryl Streep,
que achei apenas OK, nada além da conta). Todas vieram do romance traduzido
como “Mulherzinhas”, que carrega traços autobiográficos de Louisa May Alcott,
uma escritora norte-americana da metade do século XIX, bastante popular – ela escreveu
uma espécie de continuação, também filmada diversas vezes, “Little Men” (ou “Homenzinhos”).
Basicamente
é o dia a dia de quatro irmãs, interpretadas por June Allyson, Margaret
O'Brien, Elizabeth Taylor e Janet Leigh, cada qual com um propósito de vida
(uma quer ser escritora, outra pretende se casar etc). Todas vivem dias felizes
com a mãe após o pai ir para a guerra (Estados Unidos enfrentava a Guerra Civil).
Um dia, uma das garotas adoece, e o rumo daquela família muda drasticamente.
Tirando
os moralismos da época, é um filme romântico bem encantador, ingênuo, com toque
feminino, e como comentei, tem um fundo autobiográfico - Louisa May Alcott gostava
de escrever desde novinha, passou por uma educação rígida, morou com a família
numa casa rural e enfrentou um longo período de doença, situações essas que são
pulverizadas entre os personagens do livro e do filme.
À frente
do filme um time fantástico de atrizes em início de carreira (vide acima quem
interpreta as irmãs), e participação dos atores Peter Lawford e Rossano Brazzi,
além da veterana Mary Astor. Direção do lendário Mervyn LeRoy, que trabalhou no
cinema mudo até o fim da Era de Ouro de Hollywood, fez por exemplo clássicos
como “A ponte de Waterloo” (1940), “Quo vadis” (1951) e “Gypsy – Em busca de um
sonho” (1962).
Produção
original da MGM, traz um lindo Technicolor (técnica que consistia em colorir os
filmes, que nasceu em 1915, teve seu auge nos anos 40 e 50, e terminou no fim
dos anos 70) – por isso “Quatro destinos” ganhou o Oscar de direção de arte e foi
indicado a melhor fotografia.
O
livro que inspirou o longa, “Mulherzinhas”, acaba de ser relançado no Brasil pela
Martin Claret. Vale conhecer!
Quatro destinos (Little women). EUA, 1949, 121
minutos. Drama/Romance. Colorido. Dirigido por Mervyn LeRoy. Distribuição: Classicline
* Resenhas publicadas na coluna Middia Cinema, na revista Middia Magazine, edição de fevereiro/março de 2020
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