sexta-feira, 28 de junho de 2013

Cine Lançamento


Os miseráveis

França, início do século XIX. Jean Valjean (Hugh Jackman) cumpre pena na cadeia por ter roubado um pão para o filho pequeno de sua irmã. Quando posto em liberdade, é ameaçado pelo inspetor Javert (Russell Crowe), que aposta vê-lo em breve cometendo outro delito. Quase 20 anos se passam. Valjean torna-se um homem de bens, proprietário de uma fábrica. Tenta se redimir levando adiante uma nova vida, porém a todo momento acredita estar sendo vigiado pelo temível Javert.

Há qualidades e pontos fracos na versão cinematográfica do musical da Broadway escrito por Alain Boublil e Claude Michel Schönberg, por sua vez inspirado no volumoso romance de Victor Hugo. Já houveram inúmeras adaptações para as telas, como a de 1998 (de Bille August, com Liam Neeson e Geoffrey Rush), a de 1935 (a melhor de todas, com Charles Laughton e Fredric March), a de 1952 (de Lewis Milestone) e uma de 1958, pouco conhecida do público, de quase 4 horas de duração, com Jean Gabin. Mas pela primeira vez, agora, uma em formato puramente musical, na verdade um tiro no escuro, pois muita gente não assimila a linguagem, em que os atores cantam um para o outro, em um mise-em-cene sofisticado, a la teatro (as pessoas acham um pé no saco, vamos ser sinceros).
Não é um filme didático nem fácil de digerir (as tragédias sempre acontecem). Portanto é preciso entender o contexto histórico da França para que as referências (e as resoluções) da trama dêem significado ao público: primeiramente a história está encravada na primeira década do século XIX, durante a batalha de Waterloo (1815), 15 anos depois da Revolução Francesa, no final do governo do imperador Napoleão Bonaparte. Diga-se de passagem, um período turbulento, onde se arrastam mazelas da virada do século: fome, crise econômica, população à míngua nas ruas, governo opressor e guerras por toda a Europa. Em meio ao caos da urbe, surge o protagonista, Jean Valjean (um bom trabalho de Hugh Jackman, num esforço digno de elogios para compor um personagem maduro e em constante crise com sua consciência). Ele cumpriu pena por furto de pão, e agora posto em liberdade, é hostilizado pela sociedade, que já era podre e miserável. Some do mapa por um tempo, e anos depois reaparece como um próspero empresário que oculta o nome verdadeiro. Na sua fábrica, aproxima-se de uma funcionária, a pobre Fantine (Anne Hathaway, primorosa, que dispensa comentários nos 15 minutos que lhe renderam o Oscar de atriz coadjuvante). Rejeitada pelas colegas de trabalho, ela é expulsa da fábrica por ser mãe solteira (e tentar esconder a criança); sem espaço na sociedade, passa a se prostituir para ganhar dinheiro, enquanto Valjean assume a responsabilidade da filha pequena dela, Cosette. A partir daí, na segunda parte da história (1832, durante os fervorosos motins de junho na França), pequenas outras tramas se juntam, sempre tendo como foco Valjean, sua crise de consciência (por ter sido ladrão no passado e também por esconder a identidade) e, acima de tudo, a incansável fuga do cidadão das mãos do inspetor Javert (Russell Crowe, fraco e sem jeito), que o fareja pelos cantos imundos da cidade.
Sem entrar em detalhes e cometer spoiler, a história geral do filme é essa. Agora vamos destrinchar com o lado crítico: o novo “Os miseráveis” resulta num projeto dual, como descrevi lá em cima: há elementos bons e muitos sofríveis. Os pontos positivos: parte técnica impecável, como direção de arte, fotografia e figurino, que reconstituem uma França asquerosa, imunda, com mazelas sociais inacabáveis; parte do elenco dá conta do conteúdo, em especial o ator principal (Jackman) e a primeira atriz coadjuvante (Anne Hathaway), que emociona qualquer um quando canta “I dreamed a dream”. Os pontos discutíveis: a longa duração (de quase duas horas e quarenta) por ser excessivamente musical (o que afasta boa parcela do público), um vilão meia-boca (Crowe tem uma triste voz gutural quando põe as cordas vocais em ação) e a falta de domínio de direção de Tom Hooper (ele não sabe dar o tom intimista exigido em um roteiro desse naipe, tampouco não tem domínio de câmera).
Há canções belíssimas na trilha sonora, como a da abertura, “Look down”, que volta a se repetir de forma incidental ao longo do filme, além de outras empolgantes, como “At the end of the day”, e a poética “Suddenly”.
Já o alívio cômico fica num nível errático, abaixo da média, em certas sequências solto demais e sempre se repetindo, dando voltas sem porquês – quem interpreta é a dupla Sacha Baron Coen e Helena Bonham Carter, dois malandros ultracoloridos que vivem de pequenos furtos no bar/prostíbulo que tomam conta.
Ainda sobre o elenco, na segunda parte da história temos Eddie Redmayne, Amanda Seyfried e Samantha Barks, que não acrescentam em termos de presença. Por isso, para mim, a metade inicial do musical “Os miseráveis” deslumbra, colocando a outra parte no chinelo – ou seja, é dos filmes que começa bem e vai decaindo no desenvolvimento.
As falhas prejudicam o produto final. Saí da sessão esgotado – e pasmo, com a sensação de ter assistido ao “filme mais irregular dos últimos tempos”.
Fica visível uma produção bem cuidada no aspecto técnico, só que talhada de defeitos de fácil identificação. Aliás, o filme foi rodado em estúdios na Inglaterra, cujo orçamento passou U$ 60 milhões, rendendo pouco mais que o dobro nas salas de cinema.
Ora pois, a Academia aprovou. Aprovou além da conta. O musical recebeu oito indicações ao Oscar, incluindo melhor filme, e ganhou três, nas categorias atriz coadjuvante, maquiagem e mixagem de som. Vai entender...
O diretor britânico Tom Hooper, de “Maldito Futebol Clube” (2009) e vencedor do Oscar de direção por “O discurso do rei” (2010), sequer teve o nome lembrado na premiação. Talvez tenham reconhecido a falta de mão cinematográfica do cineasta atrás de uma câmera.
Enfim, “Os miseráveis” está nas locadoras, dividindo a opinião da crítica e do público. Por Felipe Brida

Os miseráveis (Les misérables). EUA/Inglaterra, 2012, 158 min. Musical/Drama. Dirigido por Tom Hooper. Distribuição: Paramount Pictures

Um comentário:

Maristela Gonçalves Salgado disse...

Muito lindo essa história, essa nova gravação ainda não vi, assisti a mini série com Gérard Depardieu, mas quero ver o novo filme com Hugh Jackman e outros maravilhosos!
abraços Felipe!!