terça-feira, 28 de março de 2023

Comentários do blogueiro


Cine Debate do Imes Catanduva traz mostra de curtas de diretor de Rio Preto

Uma novidade tomará conta do projeto Cine Debate do Imes Catanduva no mês abril. Isso porque o Cine trará uma mostra de curtas-metragens do cineasta Alexandre Estevanato, nascido em Marília, porém residente em São José do Rio Preto, onde grande parte de seus filmes foram rodados. A mostra, dentro do projeto Cine Debate, será no próximo sábado, dia 01/04, às 9h30, no auditório do Senac Catanduva. Serão exibidos três curtas premiados de Estevanato: “Luiz” (2017), “Minha mãe, minha filha” (2018) e “Aperto” (2020). O diretor (foto abaixo) estará presente na sessão e debaterá seus filmes. A mediação será conduzida pelo idealizador do Cine Debate, o jornalista, professor do Imes e do Senac e crítico de cinema Felipe Brida. A sessão é gratuita e aberta a todos.

Sinopse: “Luiz” fala de um garoto inocente e sonhador que cria vínculos com um amigo imaginário e vai passar alguns dias na casa da vó (Nicete Bruno). Em “Minha mãe, minha filha”, uma idosa (Eva Wilma) com Alzheimer é cuidada pela filha (Helena Ranaldi). Em “Aperto”, um senhor (Milton Goncalves) retorna ao sítio onde morou por muito tempo e lá revive momentos do passado.



Cine Debate

O Cine Debate é um projeto de extensão do curso de Psicologia do Imes Catanduva em parceria o Sesc e o Senac Catanduva. Completou 11 anos em 2023 trazendo filmes cult de maneira gratuita a toda a população. Conheça mais o projeto em https://www.facebook.com/cinedebateimes

domingo, 19 de março de 2023

Resenha especial


Vingança


Um rico empresário leva a amante e dois comparsas para caçar no deserto. Tudo vai bem, até que a jovem é estuprada por um dos amigos do empresário, sem ele saber. Ela tenta fugir, e após discutir com o amante, é jogada de um penhasco. Sobrevive e inicia um plano de vingança contra os algozes, com direito a armadilhas e muito sangue.

Nos anos de 1970 o cinema dos EUA, da França e de outros países inauguraram um subgênero do terror chamado “rape and revenge”, dentro da linha dos filmes exploitation, aqueles que exploravam a violência e a tortura. “A vingança de Jennifer” (1978) é o mais conhecido deles, refilmado em 2010 como “Doce vingança”. Wes Craven também realizou “Quadrilha de sádicos” (1977), outro bom exemplo, e até Ingmar Bergman fez um filme que anteciparia a ideia, em “A fonte da donzela” (1960). Nos anos de 1990 e 2000, o “rape and revenge” (na tradução, “estupro e vingança”), voltaria com tudo, foram feitos filmes fortes e violentos como “Viagem maldita” (2006) e “A última casa” (2009). “Vingança”, de 2017, retoma agora esse aclamado subgênero do cinema independente atrelando uma história sobre empoderamento feminino, mesmo que levado às últimas consequências. A trama é de um tom só, e nela se inserem reviravoltas e muita, mas muita violência, com banhos de sangue. Três amigos, casados e ricos, organizam anualmente uma caçada no deserto. Dessa vez, um deles leva a amante, uma jovem de beleza estonteante, que acaba estuprada enquanto o namorado está fora. Há uma discussão, a garota tenta fugir, mas é jogada num desfiladeiro. Eles acham que ela morreu, mas não... Abandonada à própria sorte, machucada (fica presa num galho que vara seu corpo), com formigas picando-a debaixo de um sol de lascar, miraculosamente renasce como uma fênix para se vingar dos criminosos. E daí é uma caçada infernal, com armadilhas, mortes brutais etc
Foi vendido como terror, com uma capa sanguinária da personagem ensanguentada segurando um rifle, no entanto é ação e um drama pesadíssimo – mas entendo que o que a personagem vive é um terror real, que dói na alma.
São apenas quatro atores em cena – a jovem e os três homens (destaque para a italiana Matilda Lutz, que tem forte presença em cena, é bonita e chama a atenção, e assume a figura de uma ‘final girl’). O filme é econômico nos diálogos, investe-se em cenas tensas que deixam o coração na mão. A diretora e roteirista francesa Coralie Fargeat, estreante em longa-metragem aqui, usa uma boa direção de arte e fotografia que incomodam: no meio do deserto acalorado, vidros rosas, brincos da protagonista que reluzem, em formato de estrela, sem falar do sangue que explode na tela. Há cenas criativas, com destaque para a da fênix, citada acima, que estampa o rótulo de uma lata de cerveja e é usada pela personagem para cicatrizar a ferida provocada pelo galho – a fênix acaba como um decalque na barriga dela. E o desfecho do filme é terrivelmente violento.





Polêmico e simbólico, com sequências chocantes que podem incomodar (como a do vidro no pé, que se assemelha a uma vagina), o filme teve exibições altas horas da noite nos festivais de Sundance e Toronto devido à violência, para selecionar o público.
Lançado em bluray pela Versátil numa edição especial em parceria com a Fênix Filmes – em disco único, com uma hora e meia de extras, acompanhado de um pôster, um livreto e dois cards colecionáveis.

Vingança (Revenge). França/Bélgica, 2017, 108 minutos. Ação. Colorido. Dirigido por Coralie Fargeat. Distribuição: Versátil Home Video

segunda-feira, 13 de março de 2023

Cine Especial


Oscar 2023: ‘Tudo em todo lugar ao mesmo tempo’ é o grande ganhador da noite, no evento mais previsível da História


“Sem novidades no front”... parodiando o título de um dos filmes com maior número de indicações esse ano, foi assim que o Oscar 2023 terminou na noite de ontem. Seguiu rigorosamente a premiação de todas as festas de cinema, como o SAG e o Globo de Ouro. “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” levou sete estatuetas, a maior parte para os principais prêmios: melhor filme, diretor, roteiro original, elenco (dois coadjuvantes, Jamie Lee Curtis e Ke Huy Quan, e atriz principal para Michelle Yeoh), e por fim o de edição. Em seguida, o drama de guerra alemão “Nada de novo no front” ganhou quatro dos nove que foi indicado: melhor filme estrangeiro, trilha sonora, fotografia e design de produção. Azarados, “Os banshees de Inisherin”, “Elvis”, “Os Fabelmans” e “Tár”, quatro ótimos longas de 2022, não receberam nada – o primeiro teve nove indicações e o segundo, oito, enquanto o terceiro detinha sete e o quarto, seis indicações. Também não ganhou nadica “Triângulo da tristeza”, que contabilizou três nomeações.



“A baleia” ganhou os dois prêmios dos quais recebeu indicação: melhor ator para Brendan Fraser e melhor maquiagem e cabelo, merecidos! Assim como merecido foi “Avatar – O caminho da água” levar o de efeitos visuais e “Entre mulheres” vencer o de roteiro original. “Top Gun: Maverick” ganhou somente um, o de melhor som, enquanto “Pinóquio, de Guillermo del Toro” recebeu o prêmio de animação e “Navalny”, o de documentário. “Pantera Negra: Wakanda para sempre” recebeu o de melhor figurino, e o indiano “RRR – Revolta, Rebelião, Revolução”, o de melhor canção original.
Seguindo a edição de 2022, o Oscar privilegiou a inclusão e a pluralidade cultural, distribuindo prêmios a muitas mulheres e a etnias diversas, como artistas do Vietnã, Malásia, Índia, México e Alemanha. O formato do Oscar também retornou às origens, com novos enquadramentos na hora da fala dos ganhadores e fazendo uma dobradinha na entrega dos prêmios de ator/atriz e ator coadjuvante/atriz coadjuvante. A cerimônia teve início às 21h e terminou às 00h35, uma das mais curtas já registradas. Ator e humorista, Jimmy Kimmel apresentou o evento.




Confira a lista completa com os premiados (os vencedores são os em negrito na primeira linha de cada categoria)


Melhor Filme

 

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Nada de Novo no Front

Avatar: O Caminho da Água

Os Banshees de Inisherin

Elvis

Os Fabelmans

Tár

Top Gun: Maverick

Triângulo da Tristeza

Entre Mulheres

 

Melhor direção

 

Daniel Kwan e Daniel Scheinert (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

Martin McDonagh (Os Banshees de Inisherin)

Steven Spielberg (Os Fabelmans)

Todd Field (Tár)

Ruben Östlund (Triângulo da tristeza)

 

Melhor atriz

 

Michelle Yeoh (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

Cate Blanchett (Tár)

Ana de Armas (Blonde)

Andrea Riseborough (To Leslie)

Michelle Williams (Os Fabelmans)

 

Melhor ator

 

Brendan Fraser (A Baleia)

Colin Farrell (Os Banshees de Inisherin)

Austin Butler (Elvis)

Bill Nighy (Living)

Paul Mescal (Aftersun)

 

Melhor atriz coadjuvante

 

Jamie Lee Curtis (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

Angela Basset (Pantera Negra: Wakanda para Sempre)

Hong Chau (A Baleia)

Kerry Condon (Os Banshees de Inisherin)

Stephanie Hsu (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

 

Melhor ator coadjuvante

 

Ke Huy Quan (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

Brendan Gleeson (Os Banshees of Inisherin)

Brian Tyree Henry (Passagem)

Judd Hirsch (Os Fabelmans)

Barry Keoghan (Os Banshees of Inisherin)

 

 

 

Melhor roteiro adaptado

 

Entre Mulheres

Nada de Novo no Front

Glass Onion: Um Mistério Knives Out

Living

Top Gun: Maverick

 

Melhor roteiro original

 

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Os Banshees de Inisherin

Os Fabelmans

Tár

Triângulo da tristeza

 

Melhor animação

 

Pinóquio, por Guillermo del Toro

Gato de Botas 2: O Último Pedido

Marcel the Shell With Shoes On

A Fera do Mar

Red: Crescer é uma Fera

 

Melhor filme internacional

 

Nada de Novo no Front

Argentina, 1985

Close

EO

The Quiet Girl

 

Melhor documentário

 

Navalny

All That Breathes

All the Beauty and the Bloodshed

Fire of love

A House Made of Splinters

 

Melhor edição

 

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Os Banshees of Inisherin

Elvis

Tár

Top Gun: Maverick

 

Melhor fotografia

 

Nada de Novo no Front

Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades

Elvis

Império da Luz

Tár

 

Melhor figurino

 

Pantera Negra: Wakanda para Sempre

Babilônia

Elvis

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Sra. Harris Vai a Paris

 

Melhor maquiagem e cabelo

 

A Baleia

Nada de Novo no Front

Batman

Pantera Negra: Wakanda para Sempre

Elvis

 

Melhor efeitos visuais

 

Avatar: O Caminho da Água 

Batman

Pantera Negra: Wakanda para Sempre

Top Gun: Maverick

Nada de Novo no Front

 

Melhor design de produção

 

Nada de Novo no Front

Avatar: O Caminho da Água

Babilônia

Elvis

Os Fabelmans

 

Melhor som

 

Top Gun: Maverick

Nada de Novo no Front

Avatar: O Caminho da Água

Batman

Elvis

 

Melhor trilha sonora

 

Nada de Novo no Front

Babilônia

Os Banshees de Inisherin

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Os Fabelmans

 

Melhor música original

 

"Naatuu Naatu", do filme "RRR – Revolta, Rebelião, Revolução"

"Applause", de "Tell it like a woman"

"Hold my hand", de "Top Gun: Maverick"

"Lift me up", de "Pantera Negra: Wakanda Para Sempre"

"This is life", de "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo"

 

 

Melhor documentário em curta-metragem

 

Como Cuidar de um Bebê Elefante

Haulout

Como se Mede um Ano? (How Do You Measure a Year?)

O Efeito Martha Mitchell

Stranger at the Gate

 

Melhor curta live action

 

An Irish Goodbye

Ivalu

Le Pupille

Night Ride

The Red Suitcase

 

Melhor curta de animação

 

O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo

The Flying Sailor

Ice Merchants

My Year of Dicks

An Ostrich Told Me the World is Fake, and I Think I Believe It

 

quarta-feira, 8 de março de 2023

Cine Especial - Dia Internacional da Mulher


O reencontro

Claire (Catherine Frot) trabalha como parteira em um pequeno hospital. Reencontra, depois de muito tempo, Béatrice (Catherine Deneuve), uma amante de seu falecido pai, que sofre de um câncer em estado avançado. As duas tentarão restabelecer vínculos para entender os erros do passado e o que as distanciou.

No Dia da Mulher, data internacional marcada para relembrar (e reforçar) a luta das mulheres pelos seus direitos, nada melhor que assistir a um emocionante filme com duas atrizes excepcionais que brilham na tela, duas Catherines, Frot e Deneuve. São hoje as maiores estrelas da França, de presença deleitosa mesmo em uma obra com temática batida. Com elas em cena, o drama atinge outro nível de delicadeza e intensidade: Frot interpreta uma gentil parteira, de personalidade forte, que ama seu ofício, porém vive agora um conflito com a idade (ela tem 50 e poucos anos e mais da metade dedicado ao trabalho). Um dia recebe um telefonema que a assusta e irá mudar sua rotina: a amante de seu falecido pai quer estabelecer contato para contar-lhe algo urgente (é Catherine Deneuve no papel). As duas vão tomar café, a parteira vê aquela senhora bonita e extravagante que abandonou o pai dela há 30 anos e sumiu do mapa, e tenta entender o porquê daquele reencontro. Ela diz enfrentar um câncer cerebral, e não sabe quanto tempo tem de vida. Aqueles mulheres, de temperamentos diferentes, passarão um breve tempo juntas, trocando confidências, relembrando momentos importantes do passado a partir do elo com a figura do pai/amante, e quem sabe recuperar os anos perdidos.
Voltado ao público feminino, o filme, uma produção França/Bélgica, centra-se nas duas atrizes de forma quase que integral, e é muito bonito acompanhar o trabalho dessas grandes damas do cinema francês – Frot fez dezenas de trabalhos, como “Odeio te amar” (1986) e “Marguerite” (2015), e na época do lançamento de “O reencontro”, em 2017, estava com 60 anos, enquanto Deneuve, que foi um dos maiores nomes do cinema mundial nos anos 60 e 70, de clássicos como “A bela da tarde” (1967), “Pele de asno” (1970) e tantos outros, nunca parou de filmar - a atriz circulou por vários períodos e produções do mundo inteiro, tem mais de 150 longas no currículo e permanece atuante; em outubro completa 80 anos!



Do roteirista e diretor Martin Provost, de dois filmes cultuados sobre mulheres fortes, empoderadas e que enfrentam duros preconceitos, “Séraphine” (2008) e “Violette” (2013), ambos baseados em fatos reais.

O reencontro (Sage femme). França/Bélgica, 2017, 117 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Martin Provost. Distribuição: Mares Filmes

Cine Cult


Degradê

Em um salão de beleza na Faixa de Gaza, um grupo de mulheres conversa acerca de suas duras realidades. Até que ouvem tiros do outro lado da rua e ficam presas no salão, com medo de um atentado. Elas assistem, atônitas, à intervenção do Hamas nos arredores do salão, o que coloca suas vidas em risco.

Um filme de arte independente de alta qualidade que mais uma vez comprova a força do cinema palestino – é uma coprodução entre Território Palestino Ocupado, França e Qatar, assinada por dois irmãos gêmeos, Arab e Tarzan Nasser, e rodado na conflituosa Faixa de Gaza. Os diretores dedicaram o filme à mãe.
Nesse drama feminino, com elenco composto exclusivamente por mulheres (são 13 ao todo), elas discutem o papel da mulher na autoritária e patriarcal sociedade do mundo árabe. São mulheres diferentes, de idades diversas: uma grávida, uma noiva, uma religiosa, uma divorciada, uma viciada em remédios etc (que compõem um quadro real daquela sociedade). Elas cuidam de suas aparências, trocam conversas íntimas, até que tudo é interrompido quando o Hamas procura por um bandido que roubou o leão do zoológico da cidade. Com o tiroteio, ficam presas no salão, enquanto a tensão cresce: bombas estouram, a água acaba, cortam a energia elétrica (o título “Degradê” pode se referir à variação de tonalidades dos problemas que se agravam, também dos tons dos cabelos delas quando modificados no salão e até mesmo à degradação, dia a dia, das mulheres nessa sociedade regida por obrigações, proibições e castigos).



Lembra um “teatro filmado”, pois tudo ocorre no salão de beleza, com uma câmera que pouco se movimenta, e com uma fotografia peculiar, alternando cenas escuras daquele espaço confinado com a claridade da luz que vem de fora e atravessa as janelas (fotografia assinada por Eric Devin).
No elenco, destaque para Hiam Abbass, atriz palestina que fez filmes em sua terra, como “A noiva síria” (2004) e “Paradise now” (2005), e nos Estados Unidos, como “Blade runner 2049” (2017) – uma atriz de forte presença e que tem o papel mais chamativo da trama.
Importante conhecer esse filme por vezes duro, mas muito sincero e humano. Em DVD pela Imovision.

Degradê (Dégradé). Território Palestino Ocupado/França/Qatar/2015, 84 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Arab Nasser e Tarzan Nasser. Distribuição: Imovision


terça-feira, 7 de março de 2023

Cine Clássico



O mundo é culpado

Ann Walton (Mala Powers) está noiva e planeja o casamento. Um dia, ao voltar sozinha do trabalho, à noite, é estuprada por um desconhecido. Em choque, Ann abandona o noivado, troca de identidade e vai para a Califórnia na tentativa de reconstruir sua vida.

Numa época em que o cinema não abordava temas tabu, devido ao código de censura que podava as produções em Hollywood, a diretora Ida Lupino quebrou o silêncio ao fazer “O mundo é culpado” (1950), um melodrama com traços noir ainda mais duro e difícil que outro filme, da mesma época, que falava de estupro, “Belinda” (1948 – que deu a Jane Wyman o Oscar de atriz, na pele de uma garota surda vítima de violência sexual). “O mundo é culpado” explora a dor e todas as exposições possíveis à sociedade de uma jovem violentada ao voltar do trabalho – que acaba abandonando o noivado e mudando-se para outro estado. A atriz Mala Powers, em um de seus primeiros filmes, protagoniza com voz e sentimento essa personagem, e depois faria filmes importantes, como a premiada versão de 1950 de “Cyrano de Bergerac”.
Foi a primeira produção da lendária RKO com a The Filmakers, a companhia fundada por Ida Lupino junto do marido Collier Young (que era roteirista) e o parceiro deles Malvin Wald – em “O mundo é culpado” os três assinam o roteiro, e aqui já se apontava o que no futuro se chamaria de “cinema autoral”. Na época, o roteiro foi rejeitado devido ao conteúdo espinhoso, um tabu para discutir nas telas (o estupro), além de diálogos considerados inapropriados, pois se mencionavam termos como “maníaco sexual” e “estupro”. Trechos de diálogos e cenas foram retirados pelo Código Hays (o código de censura que existiu em Hollywood entre as décadas de 1930 e 1960), deixando o filme “limpo”, com ideias subentendidas (por exemplo, o estupro não aparece, o crime ocorre numa penumbra, com vultos, e escuta-se um berro e uma mão misteriosa no rosto da vítima).


Vale uma nota para a interessante carreira da diretora Ida Lupino (1918-1995): ela nasceu em Londres, de uma família do ramo do show business, incentivada a ser atriz pela mãe desde os 14 anos; começou como atriz em 1931, participou de mais de 100 filmes como atriz, muitos deles no auge do cinema noir, como “Seu último refúgio” (1941) e “Mistério de uma mulher” (1941), e até fim dos anos de 1970 atuou em séries e filmes para a TV. Foi casada três vezes, com grandes nomes do cinema – primeiro com o ator e diretor Louis Hayward, depois com o roteirista e parceiro na The Filmakers Collier Young e por fim com o ator Howard Duff. E numa época dominada por homens, arrebentou barreiras ao ser pioneira na direção: de 1949 a 1968 dirigiu uma dezena de filmes, além de séries. Fez filmes de temáticas sociais e muitos deles dividiram opinião por serem tabu: “Mãe solteira” (1949), sua estreia na direção, falava de uma garçonete abandonada grávida pelo namorado; “Quem ama não teme” (1949), seu segundo filme, era um melodrama sobre o fim do sonho de uma dançarina diagnosticada com uma terrível doença; “O mundo é o culpado” (1950), terceiro filme, sobre estupro; “O bígamo” (1953) tratava de traição e bigamia. E todos com clima noir. Infelizmente Ida nunca foi reconhecida em grandes prêmios, como o Oscar (sequer foi indicada a nada).


“O mundo é o culpado” foi lançado recentemente em DVD pela Obras-primas do Cinema, numa cópia excelente. E quem quiser conhecer outros filmes da diretora, há um box em homenagem a ela, em DVD, da Versátil, chamado “A arte de Ida Lupino”, com quatro filmes (os já citados “Mãe solteira”, “Quem ama não teme” e “O bígamo”, e ainda um de seus últimos como diretora, a comédia “Anjos rebeldes”, de 1966).

O mundo é culpado (Outrage). EUA, 1950, 74 minutos. Drama. Preto-e-branco. Dirigido por Ida Lupino. Distribuição: Obras-primas do cinema

sábado, 4 de março de 2023

Resenhas Especiais


Duas resenhas especiais que preparei e publico aqui hoje. Em DVD pela Obras-primas do Cinema a nostálgica fita de aventura teen "Caçadoras de aventuras" (1995), com Christina Ricci e Anna Chlumsky, e a formidável comédia romântica "Construindo uma carreira" (1991), com Frank Whaley e Jennifer Connelly.



Caçadoras de aventuras

Beth (Christina Ricci) é uma menina que foi criada em Los Angeles e agora acabou de se mudar com a mãe para uma idílica cidade do interior, cercada por montanhas e riachos. Ela detesta a vida no campo. Até que sua rotina se transforma quando conhece uma garota engraçada e desafiadora, Jody (Anna Chlumsky). Elas ficam amigas e partem explorar as cavernas da Montanha do Urso, em busca de um tesouro perdido.

Clássico juvenil da Sessão da Tarde nos anos de 1990, esse filme “family”, como os americanos gostam e chamam, é uma deliciosa aventura para todas as idades, com duas atrizes mirins muito fotogênicas, na época em ascensão, Christina Ricci, a Wandinha dos dois primeiros filmes de “A família Addams” (versões de 1991 e 1993) e Anna Chlumsky, de “Meu primeiro amor” (1991) – elas tinham 14 anos (ambas são nascidas em 1980), depois se tornariam atrizes de renome (mais de filmes independentes); Anna se dedicou a séries televisivas e chegou a morar no Brasil com um ex-namorado brasileiro.
Fácil, fácil de ser adorado, é um passatempo gracioso rodado em bonitas locações montanhosas do Canadá e nos Estados Unidos. Não é só uma aventura, de duas meninas em busca de um tesouro perdido; mostra seus problemas pessoais, como a garota que reluta em viver no campo, a outra que tem uma mãe alcoólatra (papel da indicada ao Oscar Diana Scarwid) etc Trata das mudanças para a adolescência, a fase de amadurecimento das meninas que desejam descobrir o mundo e se libertar dos pais, e do espírito aventureiro que muitos de nós temos guardado e nunca exploramos.



Do diretor australiano Kevin James Dobson, que fez pelo menos dois telefilmes de aventura nos anos de 1990 muito conhecidos, “Milagre na selva” (1991, com Kris Kristofferson e Kim Cattrall) e “Naufrágio no Pacífico” (1992, com Robert Urich).
“Caçadoras de aventuras” agora pode ser assistido em DVD: a Obras-primas do Cinema o lançou numa boa cópia (no disco apenas o trailer de cinema como extra).

Caçadoras de aventuras (Gold diggers: The secret of Bear Mountain). EUA/Canadá, 1995, 94 minutos. Aventura. Colorido. Dirigido por Kevin James Dobson. Distribuição: Obras-primas do Cinema


Construindo uma carreira

Jim Dodge (Frank Whaley) tem 21 anos e é contratado para trabalhar como faxineiro em uma loja de departamentos. Certa noite, seu chefe o deixa trancado na empresa para que ele trabalhe de madrugada. Sozinho, sem ninguém por perto, Jim aproveita para curtir a noite assistindo TV, comendo doces e andar de patins. Mas leva um susto quando vê no provador uma garota que lá adormeceu. É Josie (Jennifer Connelly), a filha de um empresário rico, que fugiu de casa. Os dois ficam amigos, conversam até altas horas esperando o dia raiar, e serão surpreendidos por bandidos que querem invadir a loja.

Depois de lançar mais de 40 filmes de comédia, comédia romântica e aventuras teen da década de 1980 em boxes especiais, a Obras-primas do Cinema agora se volta ao nostálgico anos de 1990. Isso porque a distribuidora começou a resgatar longas noventistas de entretenimento, exibidos outrora nas “Sessões da tarde”, e lançá-los em DVD para presentear os colecionadores. “Construindo uma carreira” (1991) é um dos principais lançamentos da OP, um filme bem legal, quase esquecido, curtinho (com 83 minutos). É uma fita corriqueira de comédia e romance que trazia uma dupla de protagonistas, o par romântico no caso, que ganharia fama mais tarde, Jennifer Connelly e Frank Whaley. Jennifer estreou cedo no cinema, com apenas 12 anos, e atuou em obras cultuadas na década de 1980, como “Era uma vez na América” (1984), “Phenomena” (1985) e “Labirinto, a magia do tempo” (1986), e ganharia o Oscar de melhor atriz coadjuvante por “Uma mente brilhante” (2001); em “Construindo uma carreira”, ela estava com 21 anos, mantendo o rosto angelical de sempre, no papel de uma menina rebelde, filha de um empresário, que foge de casa e fica presa no provador de uma loja de departamento, onde acaba se aproximando do novo funcionário de lá, o faxineiro, interpretado por Whaley - o ator vinha de papéis coadjuvantes em “Campo dos sonhos” (1989), “Nascido em 4 de Julho” (1989) e “The Doors” (1991). Juntos, têm química, há passagens espirituosas, com bons diálogos sobre comportamento e mudanças de vida, e em certa altura, o filme, que era pra ser uma comédia, vira romance e mais para o fim recebe doses de adrenalina, ganhando roupagem policial.
É um retrato da juventude daquela época, pré-internet, quando jovens se divertiam vendo TV aberta, andavam de patins, queriam se libertar das amarras do pai (por isso os personagens, em específico a garota, têm atos de rebeldia e valentia). E também é um filme que trata dos jovens sem compromisso com o futuro (o protagonista, por exemplo, não para em nenhum emprego, aceita depois o que vier, enquanto a menina aproveita-se do dinheiro do pai rico, porém não aguenta pressão).



O filme marcaria a estreia de Bryan Gordon na direção – ele faria apenas um longa depois, “Corações em trânsito” (1995, com Anne Heche), dedicando a dirigir séries. E o roteiro é de ninguém mais ninguém menos que John Hughes, o mestre das comédias juvenis que era a cara dos anos 1980: ele escreveu e dirigiu esses filmes que com certeza você viu alguma vez na vida numa sessão em TV aberta, “Gatinhas e gatões” (1984), “Clube dos cinco” (1985), “Mulher nota 1000” (1985), “Curtindo a vida adoidado” (1986), “Antes só do que mal acompanhado” (1987) e “Quem vê cara não vê coração” (1989). Infelizmente Hughes faleceu cedo, aos 59 anos, vítima de infarto, em 2009.
Uma fita para ver e rever e colocar na coleção - o DVD de “Construindo uma carreira”, lançado pela OP, está em boa cópia, e no disco há apenas o trailer de cinema como extra.

Construindo uma carreira (Career opportunities). EUA, 1991, 83 minutos. Comédia/Romance. Colorido. Dirigido por Bryan Gordon. Distribuição: Obras-primas do Cinema

quinta-feira, 2 de março de 2023

Cine Lançamento


8 presidentes, 1 juramento: A história de um tempo presente

Documentário sobre o cenário político brasileiro dos últimos 40 anos, da redemocratização, na metade da década de 1980, até o fim do governo Bolsonaro, em 2022.

Realizado apenas com materiais de arquivo nacionais e internacionais, o novo filme da cineasta Carla Camurati é um bom documentário que revive períodos essenciais da política brasileira dos últimos 40 anos. O ponto de partida é a redemocratização, com o fim do Regime Militar, passando pelas Diretas Já, depois focando casos e crises dos governos Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma, Temer e enfim Jair Bolsonaro. A edição é belíssima, faz o filme girar e acontecer, com flashes focando feitos de destaque de cada um desses oito presidentes, mas também escândalos e acusações. Relembramos a Constituinte de 1988, a cruzada para a criação de uma nova moeda com a inflação saltitante no fim dos anos de 1980, o confisco à poupança no governo Collor e o impeachment do presidente, a Lavajato e seus desdobramentos que colaborou com o impeachment da presidenta Dilma e auxiliou na eleição de Bolsonaro, e por aí vai...
É um filme menos crítico do que aparenta, fundamentando-se na cronologia dos acontecimentos – didático, portanto. Foi lançado nos cinemas brasileiros em novembro de 2021, em seguida passou no Festival de Cinema Brasileiro de Paris em abril de 2022, concorreu aos prêmios de melhor documentário e edição no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro em agosto de 2022 e, entre janeiro e fevereiro desse ano, foi editado como minissérie na Rede Globo, com cinco capítulos semanais – para a TV ganhou novos fatos envolvendo o governo Bolsonaro entre 2021 e 2022 (isso porque o filme já estava finalizado em 2021, e de lá para cá ocorreu uma infinidade de situações necessárias de serem contadas). Hoje podemos assisti-lo na versão integral, de 143 minutos, na Globoplay – o doc tem produção e distribuição da Copacabana Filmes e Produções (empresa de Carla Camurati), em parceria com a Globo Filmes e a Globonews.



Reparem que é um documentário só com imagens do passado, não há depoimentos ou entrevistas atuais para o filme.
Escrito, dirigido e produzido por Carla Camurati, ex-atriz e que como diretora fez muita coisa boa, como “Carlota Joaquina, princesa do Brasil” (1995) e “Copacabana” (2001).

8 presidentes, 1 juramento - A história de um tempo presente (Idem). Brasil, 2021/2022, 143 minutos. Documentário. Colorido/Preto-e-branco. Dirigido por Carla Camurati. Distribuição: Copacabana Filmes e Produções