quarta-feira, 2 de março de 2022

Cine Cult


A luz no fim do mundo

Num mundo pós-apocalíptico, as mulheres foram dizimadas. Só uma delas sobreviveu, a garota Rag (Anna Pniowsky), que é constantemente protegida pelo pai (Casey Affleck). Eles vagam por ruas desertas em uma cidade abandonada em busca de comida e abrigo, enquanto o perigo os observa.

Em seu filme de estreia na direção, o ator ganhador do Oscar Casey Affleck (irmão mais novo de Ben Affleck), que também escreveu o roteiro, realizou uma obra independente de drama familiar, com pano de fundo pós-apocalíptico, e que trata de forma delicada questões sociais. Não há nada de ficção científica, apenas se passa num futuro desolador onde as mulheres foram eliminadas da Terra – ou seja, não espere por criaturas, robôs ou zumbis, nem ação ou suspense. Na verdade Affleck deu vida a um projeto pessoal sobre a relação entre pai e filho, interpretando um homem tentando sobreviver num ambiente caótico ao lado da filha que se encontra no início da puberdade. Há longas conversas entre eles quando estão deitados antes de dormir, eles caminham pelas ruas e florestas desertas etc. Na história descobrimos que as mulheres foram dizimadas por uma pandemia há dez anos, e que sua filha estranhamente é a única sobrevivente (o filme foi feito bem antes da pandemia da Covid, e virou um prenúncio do que sentiríamos na pele). O pai incentiva a menina a se comportar como um menino para protegê-la de homens que podem sequestrá-la e estuprá-la, já que a ameaça é constante (aparecem poucos homens na história, eles vivem caçando e escondidos em florestas, como animais). Até que Rag entra em conflito questionando sua identidade e os padrões impostos pelo pai, o que transforma o filme numa fábula existencial sobre a relação de homens e mulheres no mundo e os padrões exigidos pela sociedade. Ou seja, dentro de uma obra de natureza scifi, Affleck teve a proeza criativa de levantar uma boa discussão sobre gênero e identidade.


É um filme autoral, nada comercial, por vezes lento e filosófico demais, muito narrado, com um pouco de ousadia e bem interpretado pela dupla central – Affleck, como o pai (ele não tem nome) e Anna Pniowsky (a filha Rag). Affleck surpreendeu parte da crítica com seu olhar humano sobre as questões sociais num mundo em inegável transformação.


A luz no fim do mundo (Light of my life). EUA, 2019, 119 minutos. Drama/Ficção científica. Colorido. Dirigido por Casey Affleck. Distribuição: Imagem Filmes

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