quinta-feira, 31 de março de 2022

Cine Clássico


O pagamento final

Ex-chefão do tráfico, Carlito Brigante (Al Pacino) sai da prisão e promete não se envolver mais com o crime. Porém, seus planos vão por água abaixo quando um tiroteio num bar deixa vários mortos, dentre eles influentes traficantes do submundo de Nova York.

Se o gângster latino Tony Montana, de “Scarface” (1983), estivesse vivo, essa seria sua trajetória final... O mesmo diretor Brian De Palma voltou ao submundo do tráfico para contar a história de outro traficante de origem hispânica, Carlito Brigante, mostrando mais uma vez a máfia nua e crua nos Estados Unidos. “O pagamento final” (1993) veio dez anos depois de “Scarface” com elementos parecidos, e sim, pode ser visto como uma espécie de continuação. Al Pacino entra de corpo e alma no papel do anti-herói que sai da cadeia e promete não mais entrar no mundo do crime nesse thriller envolvente e cheio de camadas. Ele é um ex-magnata do tráfico, agora solto numa Nova York moderna, onde se apaixona por uma dançarina (Penelope Ann Miller) e tem fortes vínculos com um advogado malandro e à beira da neurose (Sean Penn). Brigante entra em choque com os novos tempos que o fazem se segurar a cada dia para não cair na tentação de um último ato criminoso. Mas os planos dele não saem como esperado, e ele precisará fugir para sobreviver.
O filme, um autêntico e explosivo policial, é baseado no livro homônimo do ex-juiz da Suprema Corte americana Edwin Torres, lançado em 1975. Descendente de porto-riquenhos, Torres escreveu a obra ficcional que se tornou bestseller, e quatro anos depois veio a continuação, “After hours” (ambas serviram de base para o roteiro de “O pagamento final”, escrito por David Koepp) – Torres, por ter convivido no Harlem e atuado muito tempo como advogado, viu de perto o crime nas ruas, o que o fez dar credibilidade para a história do gângster Carlito; vale lembrar que ele escreveu outro livro que foi adaptado para o cinema, “Q & A: Sem lei, sem justiça” (1990, de Sidney Lumet), sobre a corrupção no mundo da polícia e da justiça.


Pacino está num papel marcante que refaz tudo o que criou décadas antes, o do mafioso atento e sagaz, misturando trejeitos e características físicas de Michael Corleone (de “O poderoso chefão”) com Tony Montana (de “Scarface”). Na história, há romance, drama e suspense, com sequências barulhentas de perseguição, como a do desfecho na estação de metrô, que tem 15 minutos de pura tensão e adrenalina máxima. Outro ponto alto é a narração off, que abre o filme em preto-e-branco, em homenagem ao cinema noir, com Carlito baleado em frente a um vagão de trem – e daí ele narra seus últimos dias, como se estivesse morto (são as lembranças de um falecido como em “Memórias de Brás Cubas”).
Em nenhum momento romantiza-se o personagem, nem o torna herói; ele é um anti-herói rendido que tenta se acostumar ao mundo que o cerca, de violência, mas sempre sendo chamado para sacar a arma – outro aspecto do filme noir, o do protagonista cheio de dilemas, à beira da crise.
Foi um retorno brilhante de Brian De Palma após ver fracassar nas bilheterias “Quem tudo quer, tudo perde” (1986), “Pecados de guerra” (1989) e “A fogueira das vaidades” (1990) – Palma é um diretor icônico no cinema dos anos 70 e 80, com os cultuados filmes de suspense a la Hitchcock “Trágica obsessão” (1976), “Vestida para matar” (1980), “Um tiro na noite” e “Dublê de corpo” (1984), sem contar o clássico de terror “Carrie, a estranha” (1976).
Penelope Ann Miller (que teve um romance com Pacino durante as gravações) e Sean Penn dão um brilho extra ao filme, e ambos foram indicados ao Globo de Ouro de coadjuvantes – estranhamente o filme nem entrou para a lista de finalistas do Oscar de 1994. Agora vale revê-lo em alta resolução, pois a Universal Pictures, em parceria com a Classicline, o lançou em bluray (numa edição sem extras, só o filme).


PS: Em 2005 houve uma continuação irregular direto para home vídeo, sobre a juventude de Carlito Brigante nos anos 60 quando se tornou o rei da heroína no Harlem, chamado “O pagamento final: Rumo ao poder” (com Jay Hernandez e Mario Van Peebles). O longa foi dirigido por Michael Bregman, filho de Martin Bregman, ambos produtores do primeiro filme – Martin foi um lendário produtor de cinema, que produziu filmes de Al Pacino (e foi empresário do ator), dentre eles “Serpico” (1973), “Um dia de cão” (1975), o já citado “Scarface” (1983) e “Vítimas de uma paixão” (1989).

O pagamento final (Carlito’s way). EUA, 1993, 144 minutos. Policial. Colorido. Dirigido por Brian De Palma. Distribuição: Universal Pictures

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