Mãe!
Casal
vive harmoniosamente em um casarão no campo. A esposa (Jennifer Lawrence) é uma
jovem dona de casa, dedicada na restauração do lugar, que tempos atrás sofreu
um terrível incêndio; o marido (Javier Bardem), homem mais velho, busca inspiração
para escrever seu novo livro. A tranquilidade dos dois é testada quando pessoas
estranhas iniciam uma peregrinação sem fim àquele acolhedor ambiente. O casarão
virará palco de invasões, violência, guerras e até assassinatos, num caos
ininterrupto.
Ame-o
ou deixe-o. Lema número um para o público que assistiu e ao que for assistir à
hipnotizante obra-prima do cultuadíssimo diretor Darren Aronofsky, filme
complexo, de inúmeras interpretações, causador de incômodos e mil e uma indagações.
Fracassou nas bilheterias e foi injustiçado no Oscar e no Globo de Ouro (a
rejeição nos Estados Unidos foi tamanha que o filme liderou indicações ao Razzie
Awards, o Framboesa de Ouro, entregue aos piores do ano - nas categorias pior
filme, direção, atriz para Jennifer Lawrence, roteiro, ator coadjuvante para
Javier Bardem e atriz coadjuvante para Michelle Pfeiffer). Perseguição cruel a
uma dos trabalhos cinematográficos mais originais e polêmicos dos últimos
tempos – diferente dos americanos, os italianos, sempre mais sensatos, o
acolheram no Festival de Veneza, onde concorreu ao Leão de Ouro.
Bom,
escrever sobre “Mãe!” é um exercício complicado. Nessa altura do campeonato todo
mundo já ouviu por aí que ele tem estreitos laços com passagens bíblicas,
montado em torno de metáforas, camadas, símbolos e matizes que extrapolam o
senso comum. É impossível resenhar este filme sem entrar em detalhes e opiniões
aprofundadas. Para não cometer spoiler nem comprometer o conteúdo, se ainda não
assistiu não leia o que vem a seguir. Combinado? Vamos lá...
Dos
momentos iniciais até o desfecho, “Mãe!” lida com questões sobre a História da
Humanidade, da criação do homem e da mulher, a partir da Bíblia, e como as
pessoas enxergam o mundo onde vivem. O centro está em um casal, isolado em uma
enorme casa no campo, cercado pelo verde, como o Jardim do Éden. Eles não têm
nomes, aliás nenhum personagem da história os possui; no roteiro são chamados
de “Ele” e “Ela”. De um lado, a jovem, que anda de lá para cá entre os cômodos
e cuida do espaço com máxima atenção, enquanto ele é um escritor reservado, em
busca de inspirações. A campainha toca, o marido recebe um senhor doente (Ed
Harris, envelhecido), depois a mulher dele (Michelle Pfeiffer, sedutora e bem
fotografada), em sequência os filhos deste casal, em pé de guerra, e assim vai
chegando gente de todo naipe, etnia e idade, até que o lugar é infestado por
pessoas desconhecidas. A casa sente as energias, transforma-se, na medida em que
o humor da jovem se altera com os novos visitantes, que lá procuram paz,
companhia e, acima de tudo, querem ficar ao lado do escritor, venerado por
todos. Ela engravida, e a situação foge do controle – nesse antro mortes
brutais ocorrem, surgem rituais e conflitos numa explosão atômica de sentidos e
tormentos, com o ambiente minuto a minuto sofrendo depredações. Ela enlouquece,
e o marido nunca se abala até que um novo incêndio coloca em risco a vida de
todos ali dentro. Este é resumão do filme, de cabo a rabo, agora vamos tentar compreender
as referências. Em entrevistas, o roteirista e diretor, Aronofsky, ressaltou a ideia
por trás dos personagens; Jennifer é Gaia, a Mãe Terra, a Natureza Suprema, suscetível
a dor, amor e fúrias, enquanto a casa representa o mundo, espaço de convivência
para todos, lugar vivo, que é destruído sem piedade pelos habitantes. Bardem,
Ele, é Deus, misericordioso, mas punitivo, que cria Adão e Eva (Harris e
Michelle – repare que Ed Harris chega primeiro, e numa cena rápida está com a
costela machucada; minutos depois Eva toca a campainha). Ao criar Adão e Eva,
Ele faz nascer o riso, a tristeza, a volúpia, a guerra, os pecados; movidos
pela curiosidade, Adão e Eva exploram o casarão, caem na tentação do cristal que
Ele guarda a sete-chaves (que é a Maçã, da Bíblia) e logo são expulsos; Caim e
Abel, os filhos, lutam, um assassina o outro numa briga violenta, trazendo adoradores
para a casa. Outro ponto, Gaia engravida de Deus, dá origem ao Messias, o
salvador, que, assim como o planeta e a natureza, é destruído por adoradores.
Perceba que o filme divide-se em duas partes: a primeira metade, o Antigo
Testamento, e da gravidez em diante, segunda parte, o Novo Testamento. Olha só
quanta ideia!
Com
estas ligações semióticas, o diretor e roteirista Darren Aronofsky investe em uma
alegoria vitoriosa: de como a humanidade trata o planeta Terra, e como a natureza
revida, além de tocar em temas adjacentes, como religião, ética etc. Gostou?
Entendeu assim também? Pois este é um grande exercício de estilo do cineasta,
sombrio, ousado, delirante, com drama e suspense psicológico que atinge níveis
do gênero horror!
Não
podemos nos esquecer que as obras de Aronofsky nunca foram de fácil aceitação
ou entendimento (em particular “Fonte da vida”, “Pi” e “Cisne negro”). São desconcertantes,
próprias para um público adulto mais cult. Em “Mãe!” propôs nova identidade ao
seu cinema autoral, infelizmente rechaçado pela metade do público e pela
maioria da crítica, estrangeira e brasileira. Eu me incluo no grupo dos que embarcaram
na ideia, e volto a frisar, o resultado é extraordinário! Assista e tire suas conclusões!
Rodado
no Canadá, teve orçamento de U$ 33 milhões, rendendo U$ 40 milhões no mundo
inteiro, ou seja, fracasso... Como já passou nos cinemas, a oportunidade agora
é assisti-lo em DVD ou em Blu-ray, recém-lançado pela Paramount Pictures.
Confira, depois do filme, os dois bons especiais (making of) que vem junto. Boa
sessão!
Mãe! (Mother!). EUA,
2017, 121 min. Drama/Horror. Colorido. Dirigido por Darren Aronofsky.
Distribuição: Paramount Pictures. Disponível em DVD e Blu-ray
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