quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Cine Lançamento


O estranho que nós amamos

Estado americano de Virginia, 1864, final da Guerra Civil. Em um colégio interno feminino, cinco mulheres abrigam um soldado ferido, da União, chamado McBurney (Colin Farrell). Quem dirige a instituição é Miss Martha (Nicole Kidman), senhora rígida, com seus inabaláveis princípios religiosos. Afastadas de qualquer contato humano, Martha e as garotas se verão, pouco a pouco, seduzidas pelo soldado em reabilitação.

Indicado à Palma de Ouro, este coerente drama que flerta com o suspense psicológico ganhou o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes em 2017, inserindo finalmente Sofia Coppola no rol das cineastas de peso do cinema americano contemporâneo. Justiça seja feita! É um destacável trabalho da diretora, que reforça a genética artística do pai, o lendário Francis Ford Coppola. Ela também o produziu, com ajuda do irmão, Roman, adaptando o roteiro original de Albert Maltz e Irene Kamp (que havia sido filmado em 1971, com Clint Eastwood e Geraldine Page, com outro resultado, tão bom quanto), com breves modificações no romance histórico de Thomas Cullinan. E aproveitou duas atrizes de seus filmes anteriores, Elle Fanning (com quem trabalhou em “Um lugar qualquer) e Kirsten Dunst (de “As virgens suicidas” e “Maria Antonieta”), somando ao bom elenco feminino Nicole Kidman e a novata Oona Laurence, além de Colin Farrell, único papel masculino, um soldado acamado, doente.
Nos passos de Francis, Sofia soube ser mestre no uso dos elementos cinematográficos não-humanos - ao arriscar um remake tinha a grande chance de errar, mas não foi o que se sucedeu (para quem conhece “O estranho que nós amamos” de 1971 vai perceber a diferença das ricas composições da nova versão). Ela manteve a penumbra do original, com troca do ponto de vista, do masculino para o feminino, agora. Tornou o clima obscuro, reforçado pela fotografia inebriante de Philippe Le Sourd (indicado ao Oscar por “O grande mestre”, em 2013), com muita névoa e madeira, e deu maior abertura ao confinamento – os personagens ficam trancados em um casarão no meio do nada, em uma região pantanosa, e nós, como público, somos cercados a todo o momento por sons repetidos de grilos, corujas e rãs.
Dentro de um ambiente impenetrável, a relação entre as cinco mulheres reprimidas por lei se altera com a aparição de um estranho, o soldado baleado, homem narcisista que desperta sentimentos fervorosos em todas elas, até na durona Miss Martha. Envolto por forte tensão sexual, o filme metaforicamente  discute a quebra de tabus pelas mulheres em uma época de regras sociais rígidas, levanta pontos sobre o papel da religião na sociedade americana no século XIX e traça as amargas consequências da Guerra de Secessão. E tem um desfecho desconcertante!
Rodado na região de fazendas do estado de Louisiana, mesma locação do primeiro, o filme é um objeto de arte inesquecível pelo seu perfeito conjunto em sincronia: direção, roteiro, fotografia, figurino, direção de arte etc. Não deixe de conferir! Já em DVD.


O estranho que nós amamos (The beguiled). EUA, 2017, 93 min. Drama. Colorido. Dirigido por Sofia Coppola. Distribuição: Universal

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