quarta-feira, 26 de julho de 2017

Resenha especial


Homem comum

Documentário que registra duas décadas na vida de um caminhoneiro paranaense, Nilson de Paula, hoje cego, viúvo e com sérios problemas de saúde.

Qual o real significado de viver para um cidadão comum? A resposta aparenta ser simples, mas está distante de conclusões determinadas. Nesse premiado documentário brasileiro, o diretor Carlos Nader caminha na direção de soluções para esta questão crucial, a partir das histórias de vida de um caminhoneiro cheio de sonhos e esperanças, que representam, no geral, os anseios do povo brasileiro. Ensaio e narrativa se misturam, documentário e ficção tornam-se um só, vida e morte se completam e ilustram a essência do filme, uma obra pessoal e especial do cineasta paulistano.
Nader conheceu o protagonista de seu “Homem comum” em 1994, por mero acaso, num ponto de encontro de caminhoneiros. Dali em diante iniciou uma extensa jornada audiovisual, de quase vinte anos, capturando momentos alegres e tristes de Nilson com a família até o falecimento dele, em 2012. Em casa ou na rua, as falas simplórias do humilde trabalhador demonstram a generosidade de uma vida dedicada a duras viagens nas estradas pelo Brasil afora, ao lar, à esposa e filhos. Dificilmente Nilson consegue exprimir com palavras o real significado de viver. É nas imagens que parte da resposta surge, elas substanciam o que o diretor quer saber do caminhoneiro para contar ao público.
No documentário intercalam-se cenas caseiras antigas de Nilson, gravadas por Nader, algumas bem tristes, retiradas do baú familiar, como a morte da mulher amada (aparece o velório e o funeral, registro guardado até então a sete chaves pelo cineasta), e cenas cotidianas atuais, de um senhor debilitado, cego, solitário. No antes e depois, desabrocham temas tão simples e tão essenciais.
Junto, Nader cria um paralelo, de sábia inteligência cinematográfica, com o cultuado filme dinamarquês de tema semelhante “A palavra” (1955), de Carl T. Dreyer, e também com um curta em preto-e-branco dirigido por ele mesmo especialmente para o projeto, chamado “Life: the dream” (este, um segmento baseado em “A palavra”, mas em ambiente inglês, para dialogar sobre a brevidade da vida).
Feito de maneira autoral, artesanal e com afeto por um diretor aplaudido em festivais, “Homem comum” instiga o público a repensar o que a vida é e o que queremos deixar escrito durante nossa existência. Venceu o prêmio de melhor documentário no Festival É Tudo Verdade, em 2014, e melhor montagem no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, em 2016.
Quem quiser assistir ao doc, ele está disponível em DVD, lançado pelo Instituto Moreira Salles (IMS). O disco traz o documentário, em metragem ampliada, de 103 minutos (20 a mais da exibida nos cinemas brasileiros), e um livreto ilustrado de 26 páginas, com textos do músico e ensaísta José Miguel Wisnik e do próprio diretor Carlos Nader. Como sempre, as edições em disco do IMS são um investimento magnífico para colecionador nenhum botar defeito.

Homem comum (Idem). Brasil, 2015, 103 min. Documentário. Dirigido por Carlos Nader. Distribuição: Instituto Moreira Salles (IMS)

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