sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Resenha especial


O vale das bonecas

A jovem Anne Welles (Barbara Parkins) pretende seguir a carreira de atriz de show business. Enérgica e disposta a tudo, ela larga os estudos, sai de casa, no interior dos Estados Unidos, e parte para Nova York. Na companhia de duas belas garotas, Neely (Patty Duke) e Jennifer (Sharon Tate), envolvidas com a arte e o movimento feminista, Anne encara a árdua disputa na cidade grande para obter um lugar na Broadway.

Lançado em 1967, em plena agitação da contracultura e dos movimentos feministas, o bom drama “O vale das bonecas” obteve enorme sucesso de público nos Estados Unidos, com bilheteria de U$ 50 milhões no mundo todo (o orçamento foi de U$ 5 milhões). Também romântico, idealizado com uma bonita fotografia do show biz de Nova York e da cidade durante o inverno e com um elenco central composto por três lindas mulheres, o filme tornou-se memorável por dois fatos: foi uma adaptação super aguardada do best seller de Jacqueline Susann, que só em território americano vendeu 30 milhões, e também pelo fato de ter sido um principais trabalhos da atriz e modelo Sharon Tate, ex-mulher do cineasta Roman Polanski, assassinada pelos integrantes da seita de Charles Manson em 1969 (ela e mais quatro pessoas foram mortas com facadas, depois de serem submetidas à tortura).
Permeado com alguns números musicais (até a atriz Susan Hayward, do elenco de apoio, aparece cantando), há um diálogo importante, dependendo do tema um mais profundo que o outro, com o pano de fundo histórico-cultural dos Estados Unidos da década de 60, em especial ao sonho americano, ao movimento feminista e, claro, à difusão das drogas lícitas e ilícitas, como LSD, ácido e os famigerados barbitúricos, utilizados em larga escala pelas estrelas da época, muitas delas mortas prematuramente pelo uso abusivo (os comprimidos, por exemplo, aparecem como personagens na abertura, em animação).
Como produto de cinema, “O vale das bonecas” funcionou como entretenimento e hoje, apesar de datado, serve como recorte de estudo de uma época de profundas transformações que influenciaram a política, a moda e as artes do mundo inteiro.
Dirigido por Mark Robson, o filme recebeu indicação ao Oscar e ao Grammy de melhor trilha sonora (John Williams), além de melhor atriz para Sharon Tate no Globo de Ouro.
Até então o filme estava inédito em DVD no Brasil. Teve, em 1970, uma continuação inferior, não mais baseada na obra original de Jacqueline Susann, de outro diretor e novo elenco, intitulada “De volta à casa das bonecas”. Por Felipe Brida

* Publicado na coluna "Middia Cinema", da Middia Magazine - edição setembro/outubro de 2015

O vale das bonecas (Valley of the dolls). EUA, 1967, 123 min. Drama. Dirigido por Mark Robson. Distribuição: Obras-primas

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Resenha especial


Imagens

Escritora de livros infantis, Cathryn (Susannah York) prepara-se para sua nova obra literária sobre crianças e unicórnios. Imersa totalmente na literatura, sofre uma forte crise de delírios desconfiando de uma possível traição do marido, Hugh (Rene Auberjonois). Para se restabelecer, Cathryn e o esposo viajam para um local remoto e lá começa a ser atormentada por imagens perturbadoras. Em constante tensão, a escritora fecha-se em um mundo particular a ponto de não distinguir mais a realidade palpável dos pensamentos que a assombram.

Excelente fita cult escrita e dirigida por Robert Altman, numa única experiência com o cinema de terror, com pontual teor intimista e psicológico, que deixa o público à flor da pele. O importante cineasta norte-americano, falecido em 2006 aos 81 anos, rodou o filme na Irlanda, no inverno – por isto a fotografia enevoada do húngaro vencedor do Oscar Vilmos Zsigmond, e optou por não dar nome à longínqua cidade onde ocorrem os estranhos eventos com a protagonista, interpretada por Susannah York (premiado como melhor atriz em Cannes, num papel assombroso, digno de calorosos elogios). Na realidade, essa obra alternativa de Altman traz pontos autorais e de certa forma baseados em pequenas situações reais ligados a Susannah (falecida em 2011, aos 72 anos). Ela também era escritora de livros infantis, como sua personagem, e na época preparava-se para uma nova história para as crianças, intitulada “À procura do unicórnio”. Altman, sagazmente, aproveitou-se da ocasião para trazer para o roteiro do filme uma escritora num exaustivo processo criativo apropriando-se inclusive das terras imaginárias de Om contida nesse livro de Susannah (em várias sequências a personagem lê passagens do livro real, permeadas com imagens oníricas de uma região remota). Original o trunfo de Altman, que fez tudo com pouco dinheiro – a produção, independente, custou U$ 800 mil.
Outro item crucial para o perturbador resultado do filme envolve a trilha sonora metódica do imponente músico premiado John Williams.
Há uma simbologia ambígua nas fortes imagens criadas pelo diretor, sempre apontando para a esfera principal do filme, que é a escritora. Como um espelho (representado, na história, pela câmera fotográfica do marido), ela vê reflexos de sua vida passada, em delírios que se confundem com a realidade, saindo do limite da tela em direção ao telespectador, que também fica numa linha cruzada entre o que é verdade e o que não passa de imaginação.
Indicado à Palma de Ouro em Cannes, “Imagens” é um trabalho controverso da carreira de Altman, fora do padrão dos seus filmes, com forte impacto visual e final igualmente assustador. Pela primeira vez em DVD no Brasil em edição especial restaurada com vários extras (depoimento de Altman, cenas comentadas e trailer), com distribuição pela Versátil. Por Felipe Brida*

* Publicado na coluna "Middia Cinema", da Middia Magazine - edição setembro/outubro de 2015

Imagens (Images). Inglaterra/EUA, 1972, 101 min. Suspense/Drama/Terror. Dirigido por Robert Altman. Distribuição: Versátil