Os melhores filmes da
Mostra de SP – Parte 10
A
48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo segue na capital paulista até a
próxima quarta-feira, dia 30/10. Nesse ano, serão exibidos 419 títulos de 82
países, distribuídos em mais de 20 salas de cinema de São Paulo. A programação
completa da Mostra está no site oficial, em https://48.mostra.org. Confira abaixo drops de mais filmes
da Mostra que assisti e recomendo.
Through
the graves the wind is blowing
Documentário
certeiro que analisa o crescimento dos grupos de extermínio aliados ao
neonazismo na Croácia atual. Quem narra e conduz o filme de forma corajosa,
mostrando rosto e nome, é o investigador de polícia Ivan Perić, que busca pistas
de crimes chocantes ainda não resolvidos. Ele é uma voz solitária, desprezado
pelos colegas e pela corporação, e por bater de frente contra o sistema, é alvo
de ameaças nas redes sociais. Enquanto o detetive percorre as ruas, vai
mostrando as suásticas pichadas pelos muros e postes na cidade turística de
Split, uma das maiores da Croácia, região balcã da antiga Iugoslávia. Um filme
que discute a ascensão do fascismo contemporâneo não só lá, mas em várias
partes do mundo. Em preto-e-branco – a única cor que aparece em uma ou outra
cena é um vermelho escorrido nas paredes, simbolizando o sangue e a violência dos
discursos neofascistas que tomaram conta da sociedade croata. Um dos melhores docs
da Mostra desse ano, foi exibido na seção ‘Encontros’ do Festival de Berlim. Sessões
na Mostra no dia 28/10, porém pode ser assistido até o dia 30/10 na plataforma
Sesc Digital, com limite de 600 visualizações.
Memórias
de um caracol
Uma
animação para adultos das melhores já feitas, triste e emocionante, que deve
entrar na lista dos indicados na categoria ao Oscar de 2025. Do mesmo diretor
de ‘Mary e Max – Uma amizade diferente’ (2009), o australiano Adam Elliot. Seu novo
filme remete aos personagens desiludidos de ‘Mary e Max’; agora conhecemos uma
garota solitária que sofre bullying devido ao lábio leporino. Coleciona caracóis
de decoração e ama livros. Ela conta sobre sua vida, marcada por perdas, a
caracóis reais que andam pela sua horta – quando criança viu a mãe morrer, em
seguida o pai doente também falece, e depois é separada do único irmão, gêmeo,
levados para lares adotivos diferentes. Tomada por ansiedade e tristeza, não
consegue contato com ninguém, até uma velhinha bem humorada surgir em sua vida;
já o irmão está a milhares de quilômetros, do outro lado da Austrália, criado em
uma família maníaca, extremamente devotos de uma religião que inventaram. Os dois,
por meio de cartas, tentam se reencontrar. Com boas doses de humor, a animação
é um autêntico e sofrido drama sobre tragédias familiares, esperança e
reencontros, produzido em um incrível stop-motion. Saí emocionadíssimo da
sessão, desse que é um dos grandes títulos da Mostra de 2024. O filme venceu o
prêmio de melhor animação no festival mais importante da categoria, o Annecy. Sessão
na Mostra de SP ainda no dia 27/10.
Dying
– A última sinfonia
Um
dos filmes que mais me marcaram na edição desse ano da Mostra, um drama familiar
rodado na Alemanha, com humor negro intenso, que explora a falta de comunicação
de uma família em deterioração. Eles são os Lunies. O patriarca sofre de Parkinson
em estágio avançado, prestes a ir a uma casa de repouso; a matriarca não revela
a ninguém que está com um câncer agressivo; o filho é um maestro em ascensão
que reside em outra cidade e se comunica com os pais por telefone, e está em um
processo delicado de trabalho e com uma crise em casa envolvendo a ex-namorada
grávida de outro; e a filha alcoólatra, irmã distante do maestro, que trabalha
como assistente de dentista e vive de porre pelos bares. A morte está chegando
na casa dos Lunies, e aquela família marca um reencontro que será decisivo. O filme,
de 3h de duração, é dividido por capítulos que apresentam cada um dos
personagens, e a montagem caprichada liga com exatidão uma passagem a outra.
Não é uma fita fácil, é um drama pesado, às vezes descontruído pelo humor cáustico
e cruel, em que damos risos nervosos e ficamos com algo entalado na garganta. Todos
do elenco, sem exceção, entregam atuações magistrais, com destaque para Lars
Eidinger, Corinna Harfouch e Lilith Stangenberg, respectivamente nos papéis do filho,
mãe e filha. No meio haverá subtramas explosivas, como a crise do nascimento do
bebê da ex-namorada do maestro, o novo relacionamento da filha alcoólatra e a
relação do maestro com o compositor suicida. Um filmaço que surpreende e nos
chacoalha, vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival de Berlim. Sessões na
Mostra de SP nos dias 27, 29 e 30/10 – o filme estreia nos cinemas brasileiros
em 05/12, distribuído pela Imovision.
Não
nos moverão
Está
na Competição Novos Diretores esse drama mexicano todo feito em um bonito preto-e-branco,
sobre uma advogada disposta a tudo para se vingar da morte do irmão, ocorrido
50 anos antes, durante o massacre de Tlatelolco, em que centenas de estudantes
foram mortos em protestos contra os Jogos Olímpicos no país. Ela descobre
informações sobre os militares por trás do crime e segue para fazer justiça com
as próprias mãos, contratando um rapaz para auxiliá-la na difícil empreitada. Exibido
e premiado nos Festivais de Guadalajara e Toulouse, é um filme de cunho
político até no título, um grito de vingança e esperança contra os algozes dos
nossos tempos. São obras como essa que engrandecem ainda mais a Mostra de
Cinema de São Paulo. Sessões encerradas na Mostra, porém o filme pode ser
assistido até o dia 30/10 gratuitamente na plataforma Sesc Digital, com limite
de 600 visualizações.
Dias
(2019)
Exibido
na 44ª edição da Mostra, em 2020, o drama ‘Dias’ (2019), de Tsai Ming-liang, retorna
esse ano ao festival na seção ‘Apresentação especial’, apenas online, disponível
nas plataformas Spcine Play e Sesc Digital, gratuitamente, com limite de 1500 visualizações.
Quem não assistiu, vale ver esse bom trabalho do cineasta malásio, um exercício
de linguagem e narrativa que acompanha os dias de um homem solitário em seu
apartamento em Bangcoc, na Tailândia. Acometido por uma estranha dor que se
espalha pelo corpo, procura atendimento de massagens para aliviar a tensão.
Vemos o aquele homem preparando diariamente os pratos típicos da aldeia onde
cresceu. Também o vemos se encontrar com um jovem solitário igual ele, e ambos
iniciam um relacionamento. Há apenas um diálogo no filme, bem curto, na cena da
massagem, e toda a obra é de um silêncio sepulcral. É o ponto de vista de um
personagem solitário na cidade grande, ouvindo o barulho da chuva, fazendo seu
almoço, tomando banho e saindo pelas ruas movimentadas. E flagramos tudo isso
com ele. Filme de arte para público bem específico, protagonizado por Kang-sheng
Lee, rosto memorável do cinema de Taiwan, que já trabalhou outras vezes com o diretor
Ming-liang, como em ‘Que horas são aí’ (2001) e ‘O sabor da melancia’ (2005). Coprodução
Taiwan/França, escrita, dirigida e produzida por Ming-liang, ganhou prêmio
especial no Festival de Berlim (menção especial no Teddy Bear), indicado lá ao
Urso de Ouro, e exibido ainda nos festivais San Sebastián, Taipei e Chicago.
A Mostra de SP já exibiu, ao longo de suas edições, 10 filmes do diretor, e nesse ano há um lançamento dele na programação, o documentário ‘Permanência em lugar nenhum’, que passou nos festivais de Berlim e Hong Kong (ainda há uma sessão do doc, no dia 28/10).
Rocinante
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