sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Nota do Blogueiro


Cine Debate amanhã exibe filme francês sobre fake news

O Cine Debate do Imes Catanduva exibe amanhã, sábado, dia 24/02, o drama francês com suspense “Arthur Rambo - Ódio nas redes” (2021, 87 minutos), do premiado diretor Laurent Cantet, que fez “Entre os muros da escola”. Exibido no Festival de Toronto, o longa, que trata sobre um tema urgente, as fake News, será exibido no Espaço de Tecnologia e Artes (ETA) do SESC Catanduva, às 14h, gratuito e aberto a todos os públicos – classificação indicativa de 14 anos. A mediação do debate será conduzida pelo idealizador do Cine Debate, o jornalista, professor do IMES e do SENAC e crítico de cinema Felipe Brida.

Sinopse do filme: Quem é Karim D.? Um jovem escritor empenhado no sucesso ou seu pseudônimo, Arthur Rambo, que espalha mensagens de ódio em suas redes sociais?



Cine Debate

O Cine Debate é um projeto de extensão do curso de Psicologia do IMES Catanduva em parceria o SESC e o SENAC Catanduva. Completou 12 anos em 2024 trazendo filmes cult de maneira gratuita a toda a população. Conheça mais sobre o projeto em https://www.facebook.com/cinedebateimes

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Resenhas especiais


Filmes de terror lançados em DVD pela Versátil Home Video - parte 2


Estranhas metamorfoses

Um homem é abduzido por uma nave espacial em sua casa e desaparece. Três anos depois, retorna para a família, disposto a se reconectar com o filho e com a esposa, que hoje vive com um novo marido. Só que dentro dele habita um monstro mutante.

Por muitas razões curti demais esse filme grotesco de terror com ficção científica. Gosto do cinema scifi e de horror movies, e pelo filme ser fora do habitual, com um roteiro delirante, a combinação é perfeita. Tudo é imprevisível nessa fita britânica independente, nunca sabemos para onde o roteiro irá nos levar.
O filme, que é violento e tem classificação indicativa de 18 anos, começa com um pai sendo abduzido por uma nave, e o filho pequeno testemunha o fato. O homem some por três anos, a criança tem pesadelos constantes, até que ele retorna, porém a esposa hoje é casada com outro. Ele não está normal, suas atitudes estão estranhas. Isso porque dentro dele habita um monstro que aos poucos se revelará de uma forma horrenda.
O longa mistura momentos lúdicos e engraçados da imaginação da criança, quando ela brinca e seus bonecos criam vida, e atinge o pico com cenas bizarras e escatológicas, algumas simbólicas – o monstro bota ovos na boca das vítimas por meio de um falo/cordão umbilical, e elas fazem brotar da barriga novos humanos que depois se tornam monstros – isso me lembra ‘Alien – O 8º passageiro’, quando a criatura sai das entranhas de John Hurt. Nada convencional, tem um tom pessimista e um final chocante.
Essa é a versão de cinema, de 86 minutos, sem cortes. Na capinha em DVD, há um comentário curioso, que diz que esse filme é o ‘o avesso de ET’ [em menção ao filme de Spielberg, lançado no mesmo ano, 1982].




O diretor e roteirista Harry Bromley Davenport realizou duas continuações inferiores e grosseiras, ‘Xtro II - O reencontro’ (1991) e ‘Xtro 3 - O massacre’ (1995). No elenco, Philip Sayer, de ‘Alugado para matar’ (1983), Bernice Stegers, de ‘Suíte francesa’ (2014), e Maryam d'Abo, de ‘007 - Marcado para a morte’ (1987). Filme disponível no box ‘Clássicos Sci-fi – Anos 80’, da Versátil Home Video, junto de cinco filmes – ‘O domínio do olhar’ (1981), ‘Amores eletrônicos’ (1984), ‘A noite do cometa’ (1984), ‘As aventuras de Buckaroo Banzai’ (1984) e ‘Drive-in da morte’ (1986).

Estranhas metamorfoses (Xtro). Reino Unido, 1982, 87 minutos. Terror/Ficção científica. Colorido. Dirigido por Harry Bromley Davenport. Distribuição: Versátil Home Video


O ninho do terror

Uma pequena cidade dos Estados Unidos é invadida por baratas mutantes que comem tudo o que encontram pela frente, inclusive pessoas. Um grupo de sobreviventes corre contra o tempo para eliminar os insetos assassinos.

Terror B muito exibido na TV aberta e agora em DVD numa ótima cópia pela Versátil Home Video, dentro do box ‘Obras-primas do terror anos 80 – Animais em fúria’, caixa que reúne cinco outros filmes, ‘Olhos da noite’ (1982), ‘Ratos – A noite do terror’ (1984), ‘O corte da navalha’ (1984), ‘Link – O animal assassino’ (1986) e ‘Comando assassino’ (1988). Um filme sangrento, com cenas fortes de gente sendo devorada por baratas mutantes – os insetos foram alvo de uma experiencia genética malsucedida e agora invadem casas atrás de comida. Há sequências nojentas, dos insetos entrando no corpo das pessoas, arrancando membros e liquefazendo as vítimas – o final são 10 minutos de puro êxtase com criaturas híbridas medonhas e assassinas, com direito a olhos saltando do crânio, um gato com presas enormes virando morto-vivo e até uma criatura ambulante formada por um amontoado de restos humanos. É divertido, asqueroso e assustador ao mesmo tempo – por causa da violência e atrocidades, recebeu classificação indicativa de 18 anos.
Usaram baratas reais para gravar o filme – são milhares espalhadas pelo set de filmagem, que sobem nas pernas dos personagens. Por isso, quem tem aflição de baratas deve evitar.




Estreia do diretor Terence H. Winkless, que depois faria dois filmes B de ação com luta, ‘Punhos sangrentos’ (1989) e ‘Código de honra’ (1992) – ele, como roteirista, ao lado de John Sayles, adaptou para o cinema o livro ‘Grito de horror’ (1981), um horror movie eficiente e um clássico de filme de lobisomem.
Por falar em adaptação, ‘O ninho do terror’ veio do livro de Eli Cantor, ‘The nest’, com roteiro assinado por Robert King, roteirista de ‘Apenas bons amigos’ (1994) e ‘Justiça vermelha’ (1997). No elenco estão o veterano Robert Lansing, de ‘Quarta dimensão’ (1959), e Lisa Langlois, de ‘Os donos do amanhã’ (1982).

O ninho do terror (The nest). EUA, 1987, 89 minutos. Terror. Colorido. Dirigido por Terence H. Winkless. Distribuição: Versátil Home Video

 

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Cine Cult


Insônia

Dois detetives suecos são designados para uma cidade do norte da Noruega para investigar o assassinato de uma garota. Ao emboscar um suspeito numa vila de pescadores, o detetive policial Jonas Engström (Stellan Skarsgard) atira sem querer no seu parceiro, matando-o. Desesperado, tentará encobrir a morte do amigo, plantando provas na casa do suspeito para incriminá-lo. Na Noruega é solstício de verão, ou seja, nunca anoitece, e Engström, por sofrer de insônia, ficará ainda mais perturbado e aflito.

Indicado ao Golden Camera em Cannes e exibidos nos festivais de Toronto e Mar del Plata, esse filme neonoir complexo e instigante foi um marco do novo cinema norueguês, rodado em incríveis locações do norte da Noruega, na cidade de Tromsø e na vila de pescadores de Nyksund, localizada na ilha Langøya. A dupla de roteiristas Erik Skjoldbjærg e Nikolaj Frobenius estreavam com o impactante filme policial, cheio de reviravoltas – Skjoldbjærg assinou a direção, e a dupla de roteiristas escreveu, muito tempo depois, outro bom thriller com aventura, ‘Mergulho profundo’ (2013). Grande nome de sua geração, o ator sueco Stellan Skarsgård, hoje um rosto frequente no cinema americano, entrega uma performance arrebatadora, no papel do detetive insone que mata seu colega de trabalho e faz de tudo para sair ileso – ele é um verdadeiro anti-herói, plantando provas para incriminar um dos suspeitos de ter cometido um homicídio, objeto inicial de sua investigação.
A tensão cresce a cada minuto, e na inteligente trama vão sendo inseridas novas pistas pelo caminho até um desfecho memorável – por isso, atenção nos mínimos detalhes e nos diálogos para não se perder.
‘Insônia’ ajudou a formatar o cinema escandinavo nos anos 90 e apresentá-lo para outros continentes – os três países da Península Escandinava, Dinamarca, Suécia e Noruega, são atualmente referência de um cinema autoral marcado por filmes que colecionam prêmios.




O filme fez a cabeça dos críticos e do público, e cinco anos depois o diretor Christopher Nolan, reverenciado por ‘Amnésia’ (2000) e esse ano indicado ao Oscar por ‘Oppenheimer’ (2023), adquiriu os direitos para um remake nos EUA, com nomes importantes no elenco, como Al Pacino, Robin Williams e Hilary Swank. Nolan manteve o tom sombrio de investigação, que agora se passaria no extremo norte do Alaska, onde também ocorre o solstício de verão, quando nunca anoitece, e a claridade do dia fica por quase três meses.
‘Insônia’ saiu recentemente em DVD pela Obras-primas do Cinema, cujo disco tem 20 minutos de material extra.

Insônia (Insomnia). Noruega, 1997, 96 minutos. Policial/Suspense. Colorido. Dirigido por Erik Skjoldbjærg. Distribuição: Obras-primas do Cinema

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Resenhas Especiais


Filmes de terror lançados em DVD pela Versátil Home Video - parte 1

Olhos da noite

Na cidade de Toronto, ratos mutantes atacam os moradores. Com fúria, eles invadem encanamentos, casas e lojas, e a população corre atrás de maneiras de se proteger.

Filme B canadense de terror escatológico e que dá asco para quem tem medo de ratos, do diretor Robert Clouse, responsável por dois cultuados filmes de lutas marciais com Bruce Lee, ‘Operação dragão’ (1973) e ‘Jogo da morte’ (1978). Originalmente da Warner Bros, é um dos tantos filmes com animais assassinos que o cinema lançou nas décadas de 70 e 80, no caso ratos contaminados com um milho tóxico, que crescem até atingir o tamanho de um cachorro. Eles invadem casas, cinema e estações de metrô, em busca de carne humana. Apesar de ser terror cheio de corre-corre e mortes, fazia um alerta para os transgênicos – o milho é ‘batizado’ com esteroides, formando um novo produto altamente tóxico, e trazia ainda uma questão de saúde pública, o dos lixos acumulados nas metrópoles - Chicago, Nova York e Los Angeles, por exemplo, são cidades com população de ratos exorbitante, hoje um risco grave para doenças e contaminações.
A história foi adaptada do livro ‘The rats’, de James Herbert, livro lançado em 1974. Herbert, escritor de outros romances que viraram filmes, como ‘Fluke – Lembranças de outra vida’ e ‘Ilusões perigosas’, ambos de 1995, detestou a versão para cinema desse seu livro mais popular.




Como muitos filmes B de terror da época, reunia atores e atrizes conhecidos para puxar público; aqui vemos Sam Groom, protagonista da série ‘Dr. Simon Locke’ (1971-1975), Sara Botsford, de ‘Na calada da noite’ (1982), Scatman Crothers, de ‘O iluminado’ (1980), e Cec Linder, de ‘007 contra Goldfinger’ (1964).
Para recriar os ratos gigantes, utilizaram dezenas de cachorros Dachshunds, o ‘Salsicha’, vestindo figurino de roedores de pelagem grossa, além de bonecos feiosos de ratos dentuços, nas cenas em que os bichos aparecem em close.
Filme em ótima cópia, disponível em DVD no box da Versátil ‘Obras-primas do terror anos 80 – Animais em fúria’. A caixa reúne outros cinco filmes, ‘Ratos – A noite do terror’ (1984), ‘O corte da navalha’ (1984), ‘Link – O animal assassino’ (1986), ‘O ninho do terror’ (1987) e ‘Comando assassino’ (1988), trazendo cards colecionáveis e muitos extras.

Olhos da noite (Deadly eyes). Canadá/Hong Kong, 1982, 87 minutos. Terror. Colorido. Dirigido por Robert Clouse. Distribuição: Versátil Home Video


O terror final

Guardas florestais vão acampar numa mata desconhecida. Tudo corre bem até que um a um é misteriosamente assassinado.

Terror slasher que funciona para quem curte filmes de psicopatas e não chiam de mortes sangrentas. Há poucos assassinatos e um final surpresa, no estilo ‘Quem matou’, ou seja, o serial killer só é revelado nos minutos finais – apesar das pistas pintarem no desenrolar da trama, é um desfecho imprevisível.
Segundo filme do diretor Andrew Davis, de filmes de ação conhecidos do público, como ‘A força em alerta’ (1992, com Steven Seagal), ‘O fugitivo’ (1993, com Harrison Ford) e ‘Um crime perfeito’ (1998, com Michael Douglas), que também dirigiu a fotografia. É um slasher de sobrevivência que mistura elementos de ‘Amargo pesadelo’ (1972), ‘Quadrilha de sádicos’ (1977), ‘Sexta-feira 13’ (1980) e ‘Pânico na floresta’ (2003) – tudo ocorre numa floresta fechada, um grupo de guardas florestais são caçados por um assassino cruel que rasga a garganta das vítimas, e os que sobrevivem precisam fugir desse inferno. Tem algo sobrenatural no ar que será, aos poucos, esclarecido. Fotografia escura nos momentos de tensão e um final chocante ajudam na boa condução desse filme curioso de terror com suspense.
No elenco, Rachel Ward, de ‘Paixões violentas’ (1984) e protagonista da série ‘Os pássaros feridos’ (1983), Joe Pantoliano, de ‘Amnésia’ (2000), Daryl Hannah, de ‘Blade runner’ – O caçador de androides (1982), Akosua Busia, de ‘A cor púrpura’ (1985), e Mark Metcalf, de ‘O clube dos cafajestes’ (1978).
Assinado pelo produtor Samuel Z. Arkoff, mestre do cinema B, com roteiro da dupla Neill D. Hicks e Jon George, dos cultuados ‘Arlequim’ (1980) e ‘A caçada do futuro’ (1982), e colaboração de Ronald Shusett, roteirista ao lado de Dan O’Bannon do clássico ‘Alien – O 8º passageiro’ (1979).
Rodado no Redwood National Park, na California, em 1981, o filme ficou dois anos na gaveta, pois os produtores encontraram dificuldades em lançá-lo antes – 1981 foi o ano sagrado do cinema slasher, com 25 filmes de terror com psicopatas mascarados exibidos nos cinemas, tornando a década de 80 como a mais profícua desse cinema brutal e sanguinolento.




É uma fita rara, pouco conhecida, que agora pode ser assistida em boa cópia – saiu em DVD pela Versátil Home Video no box ‘Slashers – Vol. 15’, contendo ainda os longas ‘O assassino do 7º andar’ (1984), ‘Killer party – A noite das brincadeiras mortais’ (1986) e ‘Spa diabólico’ (1988) – vem cards na caixa e muitos extras.

O terror final (The final terror). EUA, 1983, 84 minutos. Terror. Colorido. Dirigido por Andrew Davis. Distribuição: Versátil Home Video

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Resenha Especial


Conhecendo o cinema de Leni Riefenstahl - parte 2

O triunfo da vontade

Documentário sobre o ‘6º Congresso Nacional-Socialista Alemão’, realizado em Nuremberg em 1934 e liderado por Adolf Hitler. Conhecido como o ‘6° Congresso do Partido Nazista’, reuniu mais de 35 mil pessoas e tornou-se uma das maiores armas da propaganda nazista.

Filme-propaganda da Alemanha Nazista encomendado por Adolf Hitler, muito estudado e comentado devido à estética inovadora, milimetricamente planejada pela cineasta Leni Riefenstahl (1902-2003). Leni dirigiu, escreveu, produziu, montou e ajudou na fotografia desse documentário opulento, cuja ideia era documentar os primeiros anos da NSDAP, o Partido Nazi, fundado duas décadas antes.
Tudo é grandiloquente no documentário – da ópera pomposa do alemão Richard Wagner aos zepelins pelos céus, das paradas grandiosas com desfiles de cavalos e carros alegóricos ao batalhão inumerável de soldados enfileirados em perfeita harmonia. Uma manifestação catártica do povo alemão diante da figura de Hitler e do alto escalão do Reich. Ali vê-se o torpor das massas, movidas pelos discursos fascinantes do Führer, que aos poucos foi levando a Alemanha para a barbárie, definindo a essência do que foi o nazismo.
Leni era uma esteta, sabia de enquadramento e montagem como ninguém, e o filme fala por si só sobre a parte técnica. Ela coloca a câmera no chão, usa e abusa de plongée e contra-plongée, recorre a gruas para captar imagens do alto etc. Por isso foi um filme ousado e ambicioso numa época em que o cinema ainda era mudo e não havia os recursos de hoje. Consta que Leni utilizou 30 câmeras e contratou 120 técnicos de som e de imagem pra captar os comícios em Nuremberg; ela demorou seis meses para editar o filme, e as quase duas horas de duração da versão final representam apenas 3% do material bruto, ou seja, o total de captação era de quatro mil horas de imagens.
Leni tinha carta branca de Hitler para fazer o filme; na exibição da obra pronta, ela teve atritos com Goebbels, o ministro da propaganda nazista, que detestou o resultado; mas Hitler gostou, usando a obra para glorificar o movimento nazista - depois da Segunda Guerra, o longa foi banido da Alemanha e proibido em alguns países. Grande parte das imagens que conhecemos dos discursos de Hitler e Goebbels vieram desse filme.
A cineasta sempre se defendeu dizendo que não imaginava os rumos do Nazismo na 2ª Guerra – seu filme, por retratar a alienação do povo alemão diante de Hitler, ajudou a espalhar discursos de ódio que depois seriam usados para unir a Alemanha e justificar perseguição aos judeus – as falas de Führer já mencionavam a raça ariana, o povo alemão como divino, e ele, Hitler, como uma presença onipotente, de um líder escolhido por Deus.
Apesar de Leni nunca ter se filiado ao Partido Nazi, foi a cineasta oficial do Nazismo – antes fez os curtas ‘A vitória da fé’ (1933) e ‘O dia da liberdade’ (1935), que tratavam, respectivamente, do ‘5º Congresso Nazista’ e dos soldados de Hitler, e depois faria as duas partes de ‘Olympia’ (1938), também conhecido como ‘Olimpíada e a mocidade olímpica’, sobre as Olimpíadas de Berlim em 1936, com Hitler no comando do país.
Exibido e premiado no Festival de Veneza, o documentário teve distribuição mundial pela UFA, a Universum Film AG, a maior rede de estúdios cinematográficos da Alemanha durante a República de Weimar e o III Reich, concorrente de Hollywood e que mantinha salas de cinemas ao redor do mundo – grande parte dos filmes do Expressionismo Alemão foram produzidos e distribuídos pela UFA, como ‘O gabinete do Dr. Caligari’ (1920), ‘Aurora’ (1927), ‘Metropolis’ (1927) e ‘O anjo azul’ (1930).



‘O triunfo da vontade’ virou um filme mítico e temido. Aparece até hoje em listas dos grandes filmes do cinema – concordo em termos de montagem e captação, e cineastas importantes já ressignificaram sequências do documentário, como ‘Star Wars’, ‘Tropas estelares’ e ‘Jogos vorazes.
Disponível em DVD pela Classicline na metragem de 108 minutos – a metragem original é de 114 minutos. No DVD, que está com boa imagem, não deixem de ver, na seção dos extras, o curta de Leni ‘O dia da liberdade’ (1935), sobre a propaganda e o exército hitlerista.

Mais sobre Leni Riefenstahl


Leni Riefenstahl, quando pequena, estudou pintura e literatura, incentivada pela mãe. De família rica, filha de um industrial, Leni tinha apenas um irmão, que morreu no front da 2ª Guerra Mundial. Não quis assumir os negócios da família e seguiu para a carreira do esporte – fez natação e foi ginasta olímpica e aos 16 entrou para o balé, tendo duros conflitos com o pai. Foi dançarina e bailarina notória em Berlim nos anos 20. Lesionada, não pôde mais dançar, então, como gostava de cinema, pediu emprego para um diretor, Arnold Fancke, e acabou trabalhando em dois filmes dele como atriz, ‘Monte sagrado’ (1926) e ‘O inferno branco de Piz Palu’ (1929) – este, codirigido pelo importante cineasta Georg Wilhelm Pabst. Em ‘Monte sagrado’ auxiliou na direção, até que em 1932 fez ‘A luz azul’, codirigido pelo diretor austro-húngaro Béla Balázs (sem crédito).


No cinema, Leni, além de dirigir, trabalhou como produtora, montadora e roteirista de seus filmes, e ocasionalmente foi diretora de fotografia. Depois de viver o auge no cinema alemão dos anos30, caiu no ostracismo - nunca mais conseguiu financiar filmes e gravar outros, pois ficou tachada como ‘a cineasta do Reich’, sofrendo boicotes. Dirigiu só mais um filme, ‘Terra baixa’ (1954), um drama musical, em que ela faz a personagem principal – ela era atriz de formação, aparecendo em ‘A luz azul’ (1932), por exemplo - nos anos 60 tentou fazer uma refilmagem de ‘A luz azul’, mas não conseguiu recursos financeiros.
Para sobreviver, Leni dedicou-se à fotografia até o final da vida, inclusive à fotografia submarina, em que se tornou pioneira, chegando a publicar livros da área.
Viveu reclusa, e em 2000 sofreu um acidente de helicóptero quando estava no Sudão, na África, onde viveu por um período a trabalho. Leni morreu em 2003 aos 101 anos.

O triunfo da vontade
(Triumph des willens). Alemanha, 1935, 108 minutos. Documentário. Dirigido por Leni Riefenstahl. Distribuição: Classicline

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Resenha Especial


Conhecendo o cinema de Leni Riefenstahl - parte 1

A luz azul

Nas noites de lua cheia, uma misteriosa luz azul brilha no alto de uma montanha. Ao longo dos anos, os moradores de uma vila próxima escalam até o pico para checar o estranho acontecimento, mas nunca retornam de lá. Junta (Leni Riefenstahl), uma mulher solitária, chega ao vilarejo e consegue se aproximar da luz. Então é considerada uma bruxa, tornando-se alvo de fanáticos; revoltados, homens e mulheres do vilarejo a culpam pelas mortes das pessoas que nunca voltaram da montanha e saem para caçá-la.

Primeiro filme autoral de Leni Riefenstahl (1902-2003), a controversa cineasta alemã admirada por Adolf Hitler e que trabalhou anos a fio com ele. Ela produziu ‘A luz azul’, escreveu o roteiro - baseado numa novela de Gustav Renker, dirigiu, editou e atuou na pele da protagonista, Junta, uma mulher tida como bruxa e que passa a ser perseguida por fanáticos – Leni era bonita e muito inteligente. Na época, tinha apenas 29 anos, e fez o roteiro junto de Carl Mayer, roteirista austro-húngaro que escreveu filmes do Expressionismo Alemão, como ‘O gabinete do Dr. Caligari’ (1920) e ‘A última gargalhada’ (1924). Por isso ‘A luz azul’ traz fortes traços do Expressionismo, com uma trama de fantasia, personagens grotescos e estética estilizada nos enquadramentos e nos grandes cenários fotografados na penumbra, que lembram um sonho.
Com esse filme, Adolf Hitler considerou Leni uma cineasta perfeita, tornou-a sua diretora favorita, e logo depois a chamou para trabalhar com ele no Reich.  Essa é a versão que Leni defendeu a vida toda em entrevistas - há quem diga que foi ela quem assistiu a um discurso de Hitler, ficou encantada e propôs ao Führer seu trabalho como cineasta. Independentemente de quem procurou quem, o que houve foi uma longa parceria entre ambos – no ano seguinte, 1933, ela filmou o ‘5º Congresso Nacional-Socialista Alemão’, em Nuremberg, lançando-o como um filme-propaganda, ‘A vitória da fé’, de 61 minutos; o filme prepararia o maior filme dela e um dos mais importantes do cinema europeu daquela época, em termos de fotografia e montagem, “O triunfo da vontade” (1935), em que ela registrou o ‘6º. Congresso Nacional-Socialista Alemão’, também em Nuremberg, o famoso congresso nazista que reuniu 35 mil pessoas. A parceria não pararia aí; ela dirigiu o documentário em curta-metragem ‘O dia da liberdade’ (também de 1935), sobre o Exército de Hitler, e anos depois outro épico monumental da linguagem moderna, as duas partes de ‘Olympia’ (1938), traduzido no Brasil como ‘Olimpíadas e a mocidade olímpica’, sobre os Jogos Olímpicos de Verão de 1936 em Berlim – o filme deu a ela prêmio especial no Festival de Veneza.
‘A luz azul’ é um filme pioneiro dessa estética e narrativa diferenciadas da diretora, que já demonstrava aqui amplo domínio técnico com seus enquadramentos virtuosos e movimentos de câmera fora do comum, o que seria notável em ‘O triunfo da vontade’ - Infelizmente, a diretora serviu ao Reich, fazendo filmes que ampliavam o discurso hitlerista para fora do nicho nazista. Leni até o fim da vida defendeu que nunca foi filiada ao Partido Nazista e, conforme contava em entrevistas, ela era ingênua na época, não desconfiava sobre os rumos que a Alemanha tomaria nas mãos de Hitler. Ela pagou um preço caro: nunca mais conseguiu financiar filmes e gravar outros, pois ficou tachada como ‘a cineasta do Reich’, sofrendo boicote, além de ter sido presa, acusada de usar prisioneiros de guerra nos seus filmes, o que nunca ficou provado.



Indicado ao Festival de Veneza, que tinha sido fundado dois anos antes, ‘A luz azul’ foi rodado nos Alpes da Itália e trata de temas discutíveis na época, como fanatismo religioso. Está em domínio público e pode ser assistido gratuitamente no Sesc Digital, pelo Internet Archive, uma organização sem fins lucrativos fundada em 1996 que mantém um repositório com mais de 10 petabytes de arquivos digitais. Essa cópia vem de uma restauração de 2005, com metragem de 79 minutos, seis a menos que a original, de 85 minutos. No Internet Archive – acesso em https://archive.org/, a parceria com o Sesc Digital traz 10 filmes numa mostra chamada ‘Pioneiras do cinema’, que reúne curtas e longas escritas e/ou dirigidos por mulheres entre 1906 e 1946. Além de ‘A luz azul’, há os longas ‘A luz do amor’ (1921), da norte-americana Frances Marion, e ‘O ébrio’ (1946), da brasileira Gilda de Abreu, e curtas-metragens de Alice Guy-Blaché, Mabel Normand, Maya Deren e outras. Acesso ao Sesc Digital em https://sesc.digital/home

A luz azul (Das blaue licht). Alemanha, 1932, 79 minutos. Drama. Dirigido por Leni Riefenstahl. Distribuição: Sesc Digital (em domínio público)

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Cine cult



A casa dos sonhos

Anna (Charlotte Burke), uma menina de 11 anos, tem problemas na escola e vive em conflitos com a mãe (Glenne Headly). Solitária em seu quarto, desenha uma casa numa paisagem distante, onde mora um menino deficiente físico, Marc, (Elliott Spiers). Em seus sonhos, ela invade o desenho, entra na casa e fica amiga de Marc. Até que os dois passam a ser perseguidos por um homem violento e desfigurado (Ben Cross).

Mais um filme esquecido no tempo que a distribuidora Obras-primas do Cinema resgata e traz com exclusividade em DVD aos colecionadores. ‘A casa dos sonhos’ (1988) fracassou na época nos cinemas e virou cult, um filme de drama com suspense, fantasia e pitadas de terror. Nesse conto de fadas sobrenatural, com presságios e figuras sinistras, uma garotinha sofre bullying na escola e vive em conflitos com a mãe. Ela gosta de desenhar, e numa de suas criações, isolada no quarto, rabisca uma casa com um garoto deficiente. Ela tem o poder de, nos sonhos, vagar pelo lugar, e tragada de maneira mágica para o desenho, fica amiga do menino, que não pode andar. Os dois usufruem de uma amizade sem interesse, até que vão precisar um do outro para escapar de um homem cego e desfigurado, que aparece na penumbra os ameaçando com um martelo na mão.
Com certa melancolia, o filme trata dos medos das crianças, a ausência dos pais e de como elas usam a imaginação para fugir de uma realidade perturbadora.
Exibido no Festival de Toronto, ganhou prêmios em festivais de cinema de terror e do cinema fantástico, como Avoriaz e Fantasporto. Foi um dos primeiros trabalhos do diretor londrino Bernard Rose, na época com 28 anos, que já flertava com a temática sobrenatural e iria desenvolvê-la com maestria no terror ‘O mistério de Candyman’ (1992) – ele dirigiu também um filme que admiro bastante e nunca mais encontrei para rever, ‘Minha amada imortal’ (1992), biografia de Beethoven, interpretado por Gary Oldman.
O roteiro, que ora pode parecer confuso, com sonhos, alucinação e realidade se misturando, é de Matthew Jacobs, roteirista de filmes B de ação, como ‘Ninja, a missão’ (1984), e que o escreveu a partir de um romance original do fim da década de 50, ‘Marianne Dreams’, da escritora inglesa de obras de fantasia Catherine Storr.





Único filme de Charlotte Burke, a garota protagonista, que não seguiu carreira. Já o menino Elliott Spiers, que interpreta Marc, seguiu carreira, fez seriados, mas morreu prematuramente seis anos mais tarde, após ficar doente devido a uma reação alérgica a um medicamento – ele tinha 20 anos.
Vemos também no elenco a atriz Glenne Headly, de ‘Os safados’ (1988) e ‘Dick Tracy’ (1990), no papel da mãe de Anna, uma atriz de quem sempre gostei, ex-mulher de John Malkovich e que faleceu há pouco tempo aos 62 anos. Ainda aparecem em papéis secundários Gemma Jones, veterana atriz inglesa, de ‘Razão e sensibilidade’ (1995), como uma médica, e Ben Cross, de ‘Carruagens de fogo’ (1981), no papel do perverso homem dos sonhos de Anna – o papel dele crescerá na reta final e ganhará contornos interessantes. Boa trilha sonora, do premiado Hans Zimmer em parceria com o veterano Stanley Myers, e uma fotografia que dá o tom onírico necessário para a história, de Mike Southon.
PS: No Brasil tem outro filme de mesmo título, um terror ruim e infeliz de Jim Sheridan, com Daniel Craig, Rachel Weisz e Naomi Watts – portanto, não confunda.

A casa dos sonhos (Paperhouse). Reino Unido, 1988, 92 minutos. Suspense/Drama. Dirigido por Bernard Rose. Distribuição: Obras-primas do Cinema

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Resenha Especial


O grande dragão branco

O soldado americano Frank Dux (Jean-Claude Van Damme) viaja a Hong Kong para conhecer o Kumite, uma modalidade de artes marciais secreta e violenta. Considerado foragido pelos militares, tenta ganhar espaço como lutador em Hong Kong. Após diversos desafios e provações, é aceito para competir com os maiores lutadores na arena do Kumite.

Filme de ação, luta e esportes que lançou no Ocidente a figura de Jean-Claude Van Damme, na época com 28 anos, um ator belga que antes havia participado de outra fita de luta conhecida dos fãs, ‘Retroceder nunca, render-se jamais’ (1985). ‘O grande dragão’ foi seu segundo filme, com boa bilheteria e ganhando fãs no mundo todo, e em seguida Van Damme estrelaria uma série de fitas de ação e artes marciais semelhantes, como ‘Cyborg – O dragão do futuro’ (1989), ‘Kickboxer – O desafio do dragão’ (1989), ‘Leão branco, o lutador sem lei’ (1990), ‘Soldado universal’ (1992), ‘Vencer ou morrer’ (1993) etc. ‘O grande dragão branco’ é um dos melhores dessa linha, e foi baseado em fatos reais. Conta a vida de um lutador canadense, mas criado nos Estados Unidos, Frank William Dux, hoje com 67 anos. Dux era militar, participou de mais de 300 lutas nos anos 70 e 80, foi campeão de peso pesado e nunca sofreu uma derrota. Segundo Dux conta, viajou para Hong Kong conhecer o proibido Kumite, uma arte marcial violenta, em que o adversário morre. Acabou ficando por lá e se dedicando ao esporte, que era clandestino. No Kumite, Dux ficou conhecido pelo nocaute rápido, e ao voltar para os EUA nos anos 80, fundou a sua escola de ninjitsu, a Dux-Ryo. Ele virou treinador de dublês para o cinema – inclusive coreografou Van Damme para o filme ‘Leão branco, lutador sem lei’ e até auxiliou no roteiro de outro filme de luta com Van Damme, ‘Desafio mortal’ (1996). O filme narra partes da trajetória dele, de quando chega a Hong Kong e aos poucos tenta entrar no Kumite, sofrendo preconceito por não ser nem japonês nem chinês, que eram aqueles que subiam no ringue da luta. Era um esporte clandestino, escondido em subterrâneos, sem alarde e com pouco público, e o filme procura desvendar esse lado sórdido da competição.
Van Damme nunca foi bom ator, mas tem carisma e consegue segurar e prosseguir com o papel do lendário lutador. Dispensou dublês para as cenas de luta, e esse seu filme surpreendeu na bilheteria da época - custou U$ 1 milhão e rendeu 11 vezes mais nas salas de cinema. Depois foi incessantemente reprisado na TV aberta – lembro que na metade da década de 90 o filme chegou a passar três vezes no mesmo ano na mesma emissora.
Produção norte-americana, foi rodada totalmente em Hong Kong, inclusive na ‘Cidade murada de Kowloon’, uma região populosa, degradada e que era uma antiga fortaleza militar.
Newt Arnold dirigiu dois filmes antes, os de terror B ‘Mãos criminosas’ (1962) e ‘Blood thirst’ (1971), e viu aqui seu maior sucesso comercial. Trabalhou, de maneira ocasional, como roteirista e ator em pontas, no entanto seu destaque no cinema foi como assistente de direção, com mais de 50 longas nas costas, como ‘O poderoso chefão 2’, ‘Inferno na torre’, ‘Blade runner’ e ‘Os Goonies’.
Reparem na participação especial de Forest Whitaker em início de carreira e no bom trabalho do veterano ator chinês Roy Chiao.




Entre 1996 e 1999, houve três continuações do filme - sequências, diríamos, sem permissão, apenas usando o mesmo título; a história era cópia barata, reunia outro elenco e mudaram o nome do personagem, sendo as três protagonizadas por Daniel Bernhardt – isso sem contar a infinidade de imitações ruins que surgiram.
Ganhou mês retrasado duas ótimas edições em mídia física pela Obras-primas do Cinema, uma em DVD e outra em bluray. A em DVD vem luva, cards, capa dupla face e quase duas horas de extras, como entrevistas e especiais sobre o filme, enquanto a em bluray traz os mesmos itens, exceto mais uma entrevista no extra e um trailer, reunida em um digibook especial de colecionador com 30 páginas.

O grande dragão branco (Bloodsport). Hong Kong, 1988, 92 minutos. Ação/Comédia. Colorido. Dirigido por Newt Arnold. Distribuição: Obras-primas do Cinema

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Especial de cinema


Lançamentos em DVD da Versátil Home Video. Três boxes de filmes de terror dos anos 60 a 80. Em 'Obras-primas do terror - Psicopatas' temos seis filmes, como 'Os olhos de Laura Mars', com Faye Dunaway e Tommy Lee Jones, e 'Uma face para cada crime', com Rod Steiger e Lee Remick. Em 'Slashers volume XIV', quatro fitas de medo e terror preenchem o box, como 'A hora das sombras' e 'Corpo estudantil'. Por fim, em 'Slashers volume XV', outros quatro longas de terror com assassinos perversos, dentre eles 'O terror final' e 'Spa diabólico'. Em todos os boxes há extras nos discos e cards colecionáveis com as capas dos filmes.
Junto dos boxes vem o livro 'Slashers - Pérolas da coleção', com 11 textos distribuídos em 72 páginas. São resenhas e críticas de filmes que fizeram parte das coleções de terror da Versátil, e um deles é de minha autoria, sobre o filme 'Olhos assassinos', com Jennifer Jason Leigh em início de carreira. Veja mais no site da Versátil, em https://www.versatilhv.com.br/






terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Cine Cult


A história de Ricky

Ricky (Siu-Wong Fan) é preso injustamente numa penitenciária que abriga perigosos assassinos. Na cadeia aprende lutas marciais e enfrenta um clã de bandidos que querem eliminá-lo. A ideia de Ricky é fugir de lá para se vingar de quem o prendeu.

Trash de carteirinha, esse filme extremamente violento é baseado num mangá japonês gore, ‘Riki-Oh’, de Masahiko Takajo e Tetsuya Saruwatari, que circulou entre 1987 e 1990. Tanto o mangá quanto o filme trazem um universo das artes marciais com mortes violentas e muito humor negro/macabro, misturando elementos do scifi e do terror, numa trama tensa sobre encarceramento e injustiça.
Num futuro próximo, o sistema penitenciário é privado, existe um descontrole social, e ali dentro as leis são feitas pelos presos. Ricky é um jovem detido por um crime que não cometeu, um atentado contra uma máfia. Na prisão vira uma espécie de ultra-humano ao se dedicar às lutas marciais, percebendo forças poderosas em seus golpes. Perseguidos por algozes na cadeia e querendo reestruturar aquele sistema perverso em que os encarcerados são submetidos a torturas, Ricky se transforma numa arma mortífera, matando todos que aparecem em seu caminho.
A fita virou cult, com cenas grotescas e escrachadas de mortes, com tripas voando, cabeças sendo arrancadas com soco, olhos saltando do crânio e por aí vai. No desfecho, altamente sanguinolento, um dos vilões que vira um monstro é estraçalhado num moedor de carnes. Prepare-se para um espetáculo de sangue e risos, nesse filme trash proposital, com visíveis membros de borracha, sangue de groselha e maquiagem grosseira. Vi pela primeira vez agora e me diverti bastante.
Esse é o trabalho mais conhecido do diretor honconguês Ngai Choi Lam, que também trabalha como diretor de fotografia, e fez fitas de terror com ação, como ‘A sétima maldição’ (1986), um longa violento com monstros horripilantes na selva da Tailândia, estrelado por Chow Yun-fat.






O mangá ‘Riki-Oh’ deu origem, antes, aos animes para cinema ‘Riki-Oh – O muro do inferno’ (1989) e ‘Riki-Oh – Filho da destruição’ (1990), sem contar, nos anos 2000, a inúmeras adaptações para telefilmes e séries na China e Hong Kong.
‘A história de Ricky’ saiu recentemente em DVD pela Obras-primas do Cinema numa excelente cópia, na maior versão possível, a de cinema, com 91 minutos - isso porque em países como Alemanha houve cortes de 10 minutos por causa da violência. Nessa edição da OP, vem luva, cards e 40 minutos de extras.

A história de Ricky (Lik Wong/ Riki-Oh: The story of Ricky). Hong Kong, 1991, 91 minutos. Ação/Comédia. Colorido. Dirigido por Ngai Choi Lam. Distribuição: Obras-primas do Cinema

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Resenha Especial


O olho sinistro que tudo vê

Por Felipe Brida *

O cinema slasher fervilhava no ano de 1981. Pintava nas salas de cinema norte-americanas uma média de um filme desse estilo a cada duas semanas. Eram produções de baixo orçamento com psicopatas que trucidavam jovens com requintes de crueldade. O universo desse cinema de horror violento ganhava popularidade nos Estados Unidos e se expandia além das fronteiras americanas. O slasher invadiu o mundo, tornou-se um subgênero cultuado e esteve em voga até o final daquela década – na verdade ele nunca morreu, vira e mexe retornava com novos apetrechos, como ocorreu nos anos de 1990 e 2000 com “Pânico”, “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado”, “Lenda urbana” e as novas fases de “Halloween” e “Sexta-feira 13” – lembrando que os originais dessas duas franquias foram pioneiros do slasher, lançados respectivamente em 1978 e 1980.
1981, o ano de ouro do slasher. Dezenas de fitas fizeram o público gritar nas salas escurinhas de cinema. A maioria tinha como vilão um assassino perverso perseguindo jovens indefesos, utilizando máscara e luva e carregando uma arma afiada (faca, facão, machado, forquilha, arpão e por aí vai). Alguns slashers de 1981 tinham apelo sobrenatural, com ares demoníacos, outros com ingredientes de humor negro, e parte deles com trama de investigação policial. Alguns marcantes foram “Dia dos Namorados macabro” (de George Mihalka), “Sexta-feira 13 - Parte 2” (de Steve Miner), “Chamas da morte” (de Tony Maylam – intitulado ainda de “A vingança de Cropsy”), “Feliz aniversário para mim” (de J. Lee Thompson), “Halloween II – O pesadelo continua!” (de Rick Rosenthal), “Noite infernal” (de Tom DeSimone), “Aniversário sangrento” (de Ed Hunt), “A hora das sombras” (de Jimmy Huston), “Pouco antes do amanhecer” (de Jeff Lieberman), “Escola noturna” (de Ken Hughes), “Corpo estudantil” (de Mickey Rose e Michael Ritchie), “Incubus” (de John Hough) e “X-ray: Massacre no hospital” (de Boaz Davidson). E, claro, um dos mais sinistros exemplares, “Olhos assassinos”, de Ken Wiederhorn.
“Olhos assassinos” é um slasher na linha mais realista, com um assassino que parece ter saído das páginas policiais: um estrangulador de mulheres. Nessa trama engenhosa e detalhista, uma jornalista que atua numa TV em Miami, Jane Harris (Lauren Tewes) suspeita que o vizinho do prédio da frente é um assassino em série, chamado Stanley Herbert (John DiSanti). Na frente das câmeras, sentada na bancada do telejornal, ela noticia todos os dias o assassinato de uma mulher em Miami, o que coloca as autoridades policiais da cidade em estado de alerta. Os dias correm, não há ninguém preso nem paradeiro sobre o criminoso, então a jornalista resolve investigar o caso por conta, já que aparentemente ele mora no prédio próximo a ela. Com coragem e sede de justiça, Jane entra na casa do suposto assassino quando ele não está. Vasculha seus pertences, acredita que encontra alguma pista e sai em disparada. A partir daquele dia, começa a chantageá-lo sem que ele saiba quem ela é. Até que a filha da jornalista, Tracy (Jennifer Jason Leigh), uma adolescente cega, passa a ser seguida por Herbert.



Enquanto Jane faz a investigação por conta própria, os assassinatos continuam ocorrendo. A maioria das vítimas são mulheres, mas há homens também, pois eles “atrapalham” o caminho do furioso serial killer.
O diretor Ken Wiederhorn, que realizou apenas sete filmes ao longo da carreira, entre os anos de 1970 e 1990, como “Horror em alto-mar” (1977), e escreveu e dirigiu séries de TV como “A hora do pesadelo: O terror de Freddy Krueger”, trouxe um roteirista com quem havia trabalhado em “King frat” (1979), Mark Jackson (que também assinava como Ron Kurz). Jackson/Kurz sentiu-se à vontade para escrever um roteiro de filme independente de terror que originalmente seria uma fita policial. E deu todo o tom de horror, tragédia e sangue necessários para um autêntico slasher movie (em 1980 Kurz auxiliou no roteiro de “Sexta-feira 13” e ajudaria a criar os personagens do segundo capítulo, dando forma ao real Jason Voorhees, no capítulo 2 da franquia). Kurz trouxe dimensões psicológicas críveis aos personagens centrais: a da jornalista que busca respostas dos crimes horrendos que assolam Miami, a da filha cega e suas dificuldades de se comunicar e locomover, e a do assassino, um homem comum, de meia-idade, de pouca fala, solitário, que antes de atacar as mulheres liga para elas falando pornografias, sussurrando e ameaçando-as de morte. De classe média, ele faz ligações de casa e de cabines telefônicas e com seus largos óculos passa a vigiá-las perto de suas casas - o assassino foi inspirado no criminoso Lars Thorwald, de “Janela indiscreta” (1957), interpretado por Raymond Burr.
O modus operandi do assassino foge à tradição dos slashers: ele coloca meias finas para tapar o rosto (como se fossem de assaltante, algo que não costumamos ver nos slashers) e as mata estranguladas (às vezes as ataca com faca). Também costuma estuprá-las (algo diferente dos psicopatas slasherianos). Vez ou outra um homem aparece pelo caminho, então o assassino os elimina com um canivete pontiagudo e até com uma machadinha de açougueiro (uma cena emblemática e grotesca traz o serial killer, no começo do filme, decapitando um coitado cuja cabeça voa para dentro de um aquário).




Esse é um slaher sanguinário, com poucas mortes e que não segue o formato de “whodunit?” (“who [has] done it?”, ou “Quem matou?”), tão comum na primeira fase dos slashers e tão usual em filmes de investigação. O assassino aparece na penumbra desde o início, vê-se a silhueta dele à noite e os pés caminhando (um homem de calças sociais e sapato, bem vestido), porém em poucos minutos seu rosto aparece. Sabemos quem ele é, onde mora, o que faz. Ele é o morador do prédio de classe média em frente ao condomínio onde mora a jornalista e sua filha cega. Seus traços são a misoginia, a perversão e a falsa aparência de um homem honroso.
O filme não tem alívio cômico, tudo é muito sério, direto e duro, sem reviravoltas também. Algumas cenas gore estilizam a fita, com espirros de sangue e bons efeitos especiais, assinados por Tom Savini, de slashers como “Sexta-feira 13” (1980), “O maníaco” (1980), “Chamas da morte” (1981) e “Quem matou Rosemary?” (1981). Por causa da violência, na época do lançamento, recebeu classificação R (Rated-R), para maiores de 18 anos.

Elenco de “Olhos assassinos”

O filme “Olhos assassinos” foi determinante na carreira das atrizes Lauren Tewes e Jennifer Jason Leigh, ambas estreantes no cinema. Lauren vinha da série “O barco do amor” e trabalhou mais em TV (séries e telefilmes), fazendo participação especial em apenas dois filmes de cinema, dirigidos por Gregg Araki, “Geração maldita” (1995) e “Estrada para lugar nenhum” (1997). Aqui interpreta a corajosa jornalista que denuncia os crimes contra mulheres em Miami e vai caçar o assassino com as próprias mãos, colocando-se frente a frente com ele.
Já a atriz Jennifer Jason Leigh tinha na época 17 anos e fez 18 anos durante as gravações de “Olhos assassinos”. Antes ela havia feito pequenas aparições em séries como “Baretta” e “Os Waltons”.  “Olhos assassinos” seria seu trampolim para a carreira: no ano seguinte, 1982, foi escalada para o elenco “O homem com a lente mortal” e “Picardias estudantis”, depois faria “Tudo por uma herança” (1983 – também conhecido como “Dinheiro fácil”), “A morte pede carona” (1986) e mais de 60 títulos, incluindo “Os oito odiados” (2015), pelo qual foi indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante. Aqui interpreta com solidez e sem caricatura a personagem cega, uma adolescente que vira alvo do serial killer.
Por fim, o ator John DiSanti vinha de “King frat”, do mesmo diretor, Ken Wiederhorn. Antes apareceu em “Lenny” (1974) e “Um trapalhão mandando brasa” (1980), e depois faria “Ausência de malícia” (1981), “O esquadrão de justiça” (1983) e “O milagre veio do espaço” (1987). Ele interpreta aqui o assassino Stanley Herbert, de olhar sinistro e expressões faciais de arrepiar.

Curiosidade:

Prestem atenção em dois easter eggs: quando o assassino telefona para a primeira vítima, esta assiste na TV, em preto-e-branco, o filme “Horror em alto-mar” (ou “Ondas do pavor”), de zumbis do fundo do oceano, que foi o primeiro trabalho do diretor da fita, Ken Wiederhorn. Já na metade do filme, quando a jornalista vai a um cinema, há o poster, na vitrine, de “Despertar dos mortos”, cuja maquiagem e efeitos são de Tom Savini, o mesmo de “Olhos assassinos”.

Resenha escrita especialmente para o livro "Slashers - Pérolas da coleção" - imagem abaixo, lançado pela Versátil Home Video em janeiro desse ano. Livro disponível para venda no site da Versátil, diretamente no link https://www.versatilhv.com.br/produto/livro-slashers-perolas-da-colecao/5516667