Os melhores filmes da
Mostra de SP – Parte 2
A 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo teve início ontem, na capital paulista, e segue até o dia 30 de outubro. Nesse ano, serão exibidos 419 títulos de 82 países, distribuídos em mais de 20 salas de cinema da capital paulista. A programação completa da Mostra e outras informações podem ser acessadas no site oficial, em https://48.mostra.org. Confira abaixo drops de mais filmes da Mostra que assisti e recomendo.
O herói
O cineasta indiano Satyajit Ray (1921-1992) é um dos homenageados na
Mostra desse ano, com uma retrospectiva de diversos de seus filmes, incluindo a
notória ‘Trilogia de Apu’. Outro título que compõe as sessões é ‘O herói’ (1966),
um drama menos conhecido dele, e que agora pode ser visto numa linda cópia
restaurada. E é uma grandiosa obra de arte, metalinguística e que influenciou
Fellini. Arindam Mukherjee é um ator renomado do cinema bengali que faz uma
viagem de trem para Déli para receber um prêmio pela carreira. Na viagem, é
reconhecido por passageiros que pedem autógrafo e tanto ele quanto os viajantes
trocam histórias. Uma jornalista que está a bordo o faz rever seus valores deixando
uma pergunta em sua mente: até que ponto o cinema é realmente sua paixão? Misturando
realidade com sonhos, o filme é uma espécie de ‘Oito e meio’ num trem, com
momentos marcantes – a cena das pilhas de dinheiro com as caveiras é antológica.
Recebeu menção especial no Festival de Berlim em 1966. Vale assistir ao filme,
ainda mais nessa cópia primorosa. Sessões
na Mostra de SP nos dias 18, 24 e 30/10.
Dahomey
A repatriação de obras saqueadas
é o mote desse filme francês, coprodução Senegal e Benim, que foi o vencedor do
Urso de Ouro no Festival de Berlim desse ano – aliás, algo diferente, é o
segundo ano consecutivo que Berlim premia documentário com o prêmio máximo do
festival, sendo ‘No Adamant’ o ganhador de 2023. Dahomey, nome em inglês para
Daomé, foi um reino que existiu por 300 anos na África Ocidental, onde hoje é
Benim. No final do reinado, por volta de 1890, a França saqueou milhares de
obras de arte do país, e agora, passados mais de 100 anos, devolveu uma ínfima
parte, apenas 26 esculturas. O filme trabalha nesse assunto, a devolução delas
e o zelo para o transporte e a tentativa de restauração de muitas delas, que
estão com defeitos na estrutura. Paralelo a isso, um grupo de estudantes
discute os valores materiais e imateriais das peças, a importância da
repatriação e como a política exterior segregou, destruiu e foi perniciosa ao
país. Quem narra é uma voz das profundezas, como se fosse uma escultura
aprisionada falando da dor de estar fora de seu país natal por tantas décadas. Curtinho,
tem apenas 68 minutos e poderia ter ido mais a fundo nas questões – gosto do
tema, do desafio que é a discussão, mas tenho ressalvas com a forma com que o
documentário foi construído. Da Mubi, deve entrar em breve na plataforma. Sessões
na Mostra de SP nos dias 20, 22 e 24/10.
Bogangloch
Exibido nos Festivais de Locarno e Edinburgh, o documentário conta a
trajetória solitária de um professor, Jake Williams, que abandona a vida na cidade
para viver numa floresta gelada nas terras altas da Escócia. Na região chamada
por ele de Bogancloch, Jake construiu uma estufa onde planta seus alimentos e
vive sem comunicação com o mundo, apenas em contato com a natureza. O filme é
todo rodado em preto-e-branco, com duas cenas rapidamente coloridas, pouquíssimos
diálogos, e todo com ranhuras na imagem, como se fosse um filme envelhecido e
perdido – para demonstrar esse distanciamento em que ele vive. É a continuação
de ‘Two years at sea’ (2011), em que o mesmo diretor, Ben Rivers, acompanha Jake
Williams – no primeiro filme, premiado em Veneza, é a volta dele após um longo
período em alto-mar até se mudar para a floresta. Gostei muito e recomendo. Sessões na Mostra de SP nos dias 21,
22, 26 e 30/10.
Lispectorante
A atriz Marcélia Cartaxo
retorna ao mundo de Clarice Lispector quatro décadas depois de sua consagração
com ‘A hora da estrela’ (1985). Ela interpreta uma artista plástica que volta a
Recife, sua terra natal, após turbulências pessoais. Num passeio pela cidade, para
em frente à casa onde morou Clarice, e uma fenda na estrutura do prédio a
transporta para um mundo todo modificado, onde cruzará com personagens que
mudarão sua vida. É uma comédia dramática agradável, com realismo mágico e uma
interpretação fabulosa de Marcélia, num filme que fala de memória, recomeços e
que presta uma singela homenagem a uma das maiores escritoras brasileiras de todos
os tempos. Tem participação de Grace Passô. Sessões na Mostra de SP nos dias 24
e 26/10.
Dormir de olhos
abertos
O encontro de dois
mundos opostos e a dificuldade da língua são os temas centrais do novo filme da
alemã Nele Wohlatz, que carrega traços de seu filme anterior, ‘O futuro
perfeito’ (2016) – que falava de uma chinesa perdida no idioma espanhol quando
chega a Buenos Aires. Em ‘Dormir de olhos abertos’, produzido por Kleber
Mendonça Filho, uma coprodução Argentina/Brasil/Alemanha/Taiwan, a história se
passa em Recife, onde lá vive uma pequenina comunidade de taiwaneses. Uma jovem
turista de Taiwan chega à cidade para passar férias, tem dificuldades com a
língua e conhece um rapaz taiwanês dono de um comércio de guarda-chuvas. No dia
seguinte, o rapaz desaparece e deixa para trás uma caixa com cartões-postais. A
turista leva a caixa para casa e lê os cartões, viajando nas histórias. Até se
encontrar – em sonho ou de verdade? – com um grupo de trabalhadores chineses
num arranha-céu. Três histórias se completam nesse filme de arte terno, bem realizado
e descompromissado. Acredito que o longa vai conquistar o público. Conta com participação
de atores brasileiros que já trabalharam com Mendonça e participação do argentino Nahuel Pérez Biscayart,
de ‘120 batimentos por minuto’ (2017). Ganhou prêmio da crítica na seção ‘Encontros’
do Festival de Berlim. Sessões na Mostra de SP nos dias 28 e 29/10.
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