sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Especial de cinema

 

Os melhores filmes da Mostra de SP – Parte 2

 

A 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo teve início ontem, na capital paulista, e segue até o dia 30 de outubro. Nesse ano, serão exibidos 419 títulos de 82 países, distribuídos em mais de 20 salas de cinema da capital paulista. A programação completa da Mostra e outras informações podem ser acessadas no site oficial, em https://48.mostra.orgConfira abaixo drops de mais filmes da Mostra que assisti e recomendo.

 

 

O herói

 

O cineasta indiano Satyajit Ray (1921-1992) é um dos homenageados na Mostra desse ano, com uma retrospectiva de diversos de seus filmes, incluindo a notória ‘Trilogia de Apu’. Outro título que compõe as sessões é ‘O herói’ (1966), um drama menos conhecido dele, e que agora pode ser visto numa linda cópia restaurada. E é uma grandiosa obra de arte, metalinguística e que influenciou Fellini. Arindam Mukherjee é um ator renomado do cinema bengali que faz uma viagem de trem para Déli para receber um prêmio pela carreira. Na viagem, é reconhecido por passageiros que pedem autógrafo e tanto ele quanto os viajantes trocam histórias. Uma jornalista que está a bordo o faz rever seus valores deixando uma pergunta em sua mente: até que ponto o cinema é realmente sua paixão? Misturando realidade com sonhos, o filme é uma espécie de ‘Oito e meio’ num trem, com momentos marcantes – a cena das pilhas de dinheiro com as caveiras é antológica. Recebeu menção especial no Festival de Berlim em 1966. Vale assistir ao filme, ainda mais nessa cópia primorosa. Sessões na Mostra de SP nos dias 18, 24 e 30/10.

 


 

Dahomey

 

A repatriação de obras saqueadas é o mote desse filme francês, coprodução Senegal e Benim, que foi o vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim desse ano – aliás, algo diferente, é o segundo ano consecutivo que Berlim premia documentário com o prêmio máximo do festival, sendo ‘No Adamant’ o ganhador de 2023. Dahomey, nome em inglês para Daomé, foi um reino que existiu por 300 anos na África Ocidental, onde hoje é Benim. No final do reinado, por volta de 1890, a França saqueou milhares de obras de arte do país, e agora, passados mais de 100 anos, devolveu uma ínfima parte, apenas 26 esculturas. O filme trabalha nesse assunto, a devolução delas e o zelo para o transporte e a tentativa de restauração de muitas delas, que estão com defeitos na estrutura. Paralelo a isso, um grupo de estudantes discute os valores materiais e imateriais das peças, a importância da repatriação e como a política exterior segregou, destruiu e foi perniciosa ao país. Quem narra é uma voz das profundezas, como se fosse uma escultura aprisionada falando da dor de estar fora de seu país natal por tantas décadas. Curtinho, tem apenas 68 minutos e poderia ter ido mais a fundo nas questões – gosto do tema, do desafio que é a discussão, mas tenho ressalvas com a forma com que o documentário foi construído. Da Mubi, deve entrar em breve na plataforma. Sessões na Mostra de SP nos dias 20, 22 e 24/10.

 


 

 

Bogangloch

 

Exibido nos Festivais de Locarno e Edinburgh, o documentário conta a trajetória solitária de um professor, Jake Williams, que abandona a vida na cidade para viver numa floresta gelada nas terras altas da Escócia. Na região chamada por ele de Bogancloch, Jake construiu uma estufa onde planta seus alimentos e vive sem comunicação com o mundo, apenas em contato com a natureza. O filme é todo rodado em preto-e-branco, com duas cenas rapidamente coloridas, pouquíssimos diálogos, e todo com ranhuras na imagem, como se fosse um filme envelhecido e perdido – para demonstrar esse distanciamento em que ele vive. É a continuação de ‘Two years at sea’ (2011), em que o mesmo diretor, Ben Rivers, acompanha Jake Williams – no primeiro filme, premiado em Veneza, é a volta dele após um longo período em alto-mar até se mudar para a floresta. Gostei muito e recomendo. Sessões na Mostra de SP nos dias 21, 22, 26 e 30/10.

 


 

Lispectorante

 

A atriz Marcélia Cartaxo retorna ao mundo de Clarice Lispector quatro décadas depois de sua consagração com ‘A hora da estrela’ (1985). Ela interpreta uma artista plástica que volta a Recife, sua terra natal, após turbulências pessoais. Num passeio pela cidade, para em frente à casa onde morou Clarice, e uma fenda na estrutura do prédio a transporta para um mundo todo modificado, onde cruzará com personagens que mudarão sua vida. É uma comédia dramática agradável, com realismo mágico e uma interpretação fabulosa de Marcélia, num filme que fala de memória, recomeços e que presta uma singela homenagem a uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos. Tem participação de Grace Passô. Sessões na Mostra de SP nos dias 24 e 26/10.

 


 

Dormir de olhos abertos

 

O encontro de dois mundos opostos e a dificuldade da língua são os temas centrais do novo filme da alemã Nele Wohlatz, que carrega traços de seu filme anterior, ‘O futuro perfeito’ (2016) – que falava de uma chinesa perdida no idioma espanhol quando chega a Buenos Aires. Em ‘Dormir de olhos abertos’, produzido por Kleber Mendonça Filho, uma coprodução Argentina/Brasil/Alemanha/Taiwan, a história se passa em Recife, onde lá vive uma pequenina comunidade de taiwaneses. Uma jovem turista de Taiwan chega à cidade para passar férias, tem dificuldades com a língua e conhece um rapaz taiwanês dono de um comércio de guarda-chuvas. No dia seguinte, o rapaz desaparece e deixa para trás uma caixa com cartões-postais. A turista leva a caixa para casa e lê os cartões, viajando nas histórias. Até se encontrar – em sonho ou de verdade? – com um grupo de trabalhadores chineses num arranha-céu. Três histórias se completam nesse filme de arte terno, bem realizado e descompromissado. Acredito que o longa vai conquistar o público. Conta com participação de atores brasileiros que já trabalharam com Mendonça e participação do argentino Nahuel Pérez Biscayart, de ‘120 batimentos por minuto’ (2017). Ganhou prêmio da crítica na seção ‘Encontros’ do Festival de Berlim. Sessões na Mostra de SP nos dias 28 e 29/10.



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