segunda-feira, 28 de outubro de 2024
Cine Cult
Resenha Especial
domingo, 27 de outubro de 2024
Estreias da semana - nos cinema
Segredos (2024)
Escrito, dirigido, produzido e protagonizado por Emiliano Ruschel, o thriller
‘Segredos’ mistura drama, romance e suspense, com um final trágico. Tem aspectos
de melodrama com novelão mexicano e traz no seio da trama um casal
aparentemente feliz, mas que se autodestrói com segredos terríveis que ficaram
adormecidos. Aos poucos eles são revelados para o público. Infelizmente o filme
não tem emoção, falta capricho no desenvolvimento da história e é muito longo,
com seus 125 minutos que rodam, rodam, e não trazem novidades ou um clímax potente.
Também acho presunçoso um filme com 100% do elenco e produção brasileira com idioma
inteiramente em inglês – provavelmente fizeram isso para ter entrada nos
cinemas norte-americanos. No elenco, Emiliano Ruschel e Danni Suzuki interpretam
o casal, e tem participações de Carlos Takeshi e Monique Lafond. Exibido no Monthly
Film Festival, na Sérvia, e no Marbella Internatinal Film Festival, na Espanha,
a produção é da Ruschel Studios, em parceria com a Great Movies, com
distribuição nas salas de cinema do Brasil pela A2 Filmes.
O voo do anjo (2024)
O veterano Othon Bastos,
um dos meus atores favoritos, que completou 91 anos, é a atração desse filme
motivacional que conta ainda com o bom desempenho do ator Emílio Orciollo Netto.
Eles interpretam respectivamente dois professores que se encontram de maneira
inesperada; o primeiro é aposentado e vive com o filho médico num apartamento
de luxo, enquanto o segundo abandonou a carreira após uma tragédia familiar e
hoje faz entregas de comida. O destino unirá os dois para uma extraordinária amizade.
Rodado em locações de Goiânia, com cenas que exibem a cidade e seus pontos
turísticos, o filme independente traz reflexões sobre os baques da vida, a
velhice, o suicídio, o destino e o poder transformador da amizade. Simples na
forma, sem muita estratégia técnica, foi produzido pela Fata Morgana-Olhar Cinematográfico de Goiânia, escrito e
dirigido por Alberto Araújo, com produção executiva de Debora Torres, e tem
distribuição da California Filmes. Araújo havia trabalhado com Othon Bastos em ‘Vazio
coração’ (2013), ao lado de Murilo Rosa, um filme que gosto muito e assisti na
época no Anápolis Festival de Cinema.
Corisco e Dadá (1996)
Retorna aos cinemas brasileiros, agora em cópia restaurada em 4K, o maior filme do diretor cearense Rosemberg Cariry, ‘Corisco e Dadá’ (1996), uma ode trágica e violenta aos últimos dias do cangaceiro Corisco (1907-1940), o ‘Diabo Loiro’, integrante do bando de Lampião. O foco é a relação com a parceira Dadá (1915-1994), sequestrada por ele quando tinha 12 anos e levada ao cangaço - Dadá faleceu dois anos antes de o filme ser lançado. O filme, um drama com ação e romance, mostra um amor improvável no calor do alto sertão do Sergipe, onde lá Corisco instalou sua base no cangaço para vingar a morte de Lampião. Chico Díaz e Dira Paes dão vida aos personagens-título, entregando interpretações perfeitas que entrariam para a História do cinema – o filme saiu no ano-chave da Retomada, quando o cinema brasileiro se restabeleceria após anos cruéis de desincentivo à cultura. Chico Díaz, nascido no México, já era um ator consagrado do cinema e da TV, e Dira Paes, com 28 anos, ainda era um rosto desconhecido e aqui firmaria a carreira. Rodado em locações, em cidades do sertão do Ceará e de Pernambuco, foi exibido na época nos Festivais de Toronto e de Havana e ganhou o Kikito de Ouro de melhor ator para Chico Díaz no Festival de Gramado e o Troféu Candango de atriz para Dira Paes no Festival de Brasília. A restauração foi realizada com apoio da Cinemateca do MAM - RJ, Arquivo Nacional, Link Digital, Iluminura Filmes, Sereia Filmes e Mapa Filmes, a partir de negativos de imagem e som originais. Uma obra poética grandiosa, que veio num momento delicado do cinema brasileiro e agora pode ser visto/revisto na tela grande, com toda a beleza e provocação que o filme proporciona. Em exibição nas principais salas de cinema de São Paulo e Rio de Janeiro – as capitais Aracaju, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Salvador e Vitória tiveram exibição em semanas anteriores. Distribuição pela Sereia Filmes.
O aprendiz (2024)
O diretor e roteirista
iraniano Ali Abbasi já havia nos surpreendido com ‘Border’ (2018) e ‘Holy
spider’ (2022), dois trabalhos ímpares de suspense com drama psicológico, o
primeiro sobre um homem deformado que desenvolve o dom de sentir o cheiro do
medo, e o segundo, sobre a captura a um cruel serial killer de prostitutas.
Agora, em ‘O Aprendiz’, ele arrebenta a porta do mundo dos negócios de Nova
York dos anos 70 trazendo para a tela ninguém menos que Donald Trump. É ele o
protagonista desse filme sagazmente crítico que aborda sua ascensão no ramo
imobiliário. Sebastian Stan está feroz com o jovem Trump disposto a tudo para
obter fama e sucesso. Ele será ‘o aprendiz’ do advogado Roy Cohn, um homem
temido, inescrupuloso e cheio de manias – papel impressionante de Jeremy
Strong, um provável candidato a Oscar de ator coadjuvante. O drama aborda a Era
Trump, com todas as suas lateralidades, como os anos da Aids, o boom
imobiliário de Nova York, o neoliberalismo durante e pós-Reagan. E o filme não
é tímido em mostrar os embates de Donald com o pai e a crise no casamento com
Ivana (papel rápido, mas de destaque de Maria Bakalova) – tem até uma cena
forte em que ele estupra a esposa. Curiosa é a maneira de filmar de Abbasi –
ele insere cenas aéreas e das ruas de uma NY real, com apelo de documentário,
fazendo com que algo tenha envelhecido nas imagens, resultando numa fotografia
ambígua e original. Indicado à Palma de Ouro em Cannes. Um dos melhores filmes
do Festival do Rio. Estreou nos cinemas brasileiros no dia 17/10, pela Diamond
Filmes.
Especial de cinema
Os melhores filmes da
Mostra de SP – Parte 10
A
48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo segue na capital paulista até a
próxima quarta-feira, dia 30/10. Nesse ano, serão exibidos 419 títulos de 82
países, distribuídos em mais de 20 salas de cinema de São Paulo. A programação
completa da Mostra está no site oficial, em https://48.mostra.org. Confira abaixo drops de mais filmes
da Mostra que assisti e recomendo.
Through
the graves the wind is blowing
Documentário
certeiro que analisa o crescimento dos grupos de extermínio aliados ao
neonazismo na Croácia atual. Quem narra e conduz o filme de forma corajosa,
mostrando rosto e nome, é o investigador de polícia Ivan Perić, que busca pistas
de crimes chocantes ainda não resolvidos. Ele é uma voz solitária, desprezado
pelos colegas e pela corporação, e por bater de frente contra o sistema, é alvo
de ameaças nas redes sociais. Enquanto o detetive percorre as ruas, vai
mostrando as suásticas pichadas pelos muros e postes na cidade turística de
Split, uma das maiores da Croácia, região balcã da antiga Iugoslávia. Um filme
que discute a ascensão do fascismo contemporâneo não só lá, mas em várias
partes do mundo. Em preto-e-branco – a única cor que aparece em uma ou outra
cena é um vermelho escorrido nas paredes, simbolizando o sangue e a violência dos
discursos neofascistas que tomaram conta da sociedade croata. Um dos melhores docs
da Mostra desse ano, foi exibido na seção ‘Encontros’ do Festival de Berlim. Sessões
na Mostra no dia 28/10, porém pode ser assistido até o dia 30/10 na plataforma
Sesc Digital, com limite de 600 visualizações.
Memórias
de um caracol
Uma
animação para adultos das melhores já feitas, triste e emocionante, que deve
entrar na lista dos indicados na categoria ao Oscar de 2025. Do mesmo diretor
de ‘Mary e Max – Uma amizade diferente’ (2009), o australiano Adam Elliot. Seu novo
filme remete aos personagens desiludidos de ‘Mary e Max’; agora conhecemos uma
garota solitária que sofre bullying devido ao lábio leporino. Coleciona caracóis
de decoração e ama livros. Ela conta sobre sua vida, marcada por perdas, a
caracóis reais que andam pela sua horta – quando criança viu a mãe morrer, em
seguida o pai doente também falece, e depois é separada do único irmão, gêmeo,
levados para lares adotivos diferentes. Tomada por ansiedade e tristeza, não
consegue contato com ninguém, até uma velhinha bem humorada surgir em sua vida;
já o irmão está a milhares de quilômetros, do outro lado da Austrália, criado em
uma família maníaca, extremamente devotos de uma religião que inventaram. Os dois,
por meio de cartas, tentam se reencontrar. Com boas doses de humor, a animação
é um autêntico e sofrido drama sobre tragédias familiares, esperança e
reencontros, produzido em um incrível stop-motion. Saí emocionadíssimo da
sessão, desse que é um dos grandes títulos da Mostra de 2024. O filme venceu o
prêmio de melhor animação no festival mais importante da categoria, o Annecy. Sessão
na Mostra de SP ainda no dia 27/10.
Dying
– A última sinfonia
Um
dos filmes que mais me marcaram na edição desse ano da Mostra, um drama familiar
rodado na Alemanha, com humor negro intenso, que explora a falta de comunicação
de uma família em deterioração. Eles são os Lunies. O patriarca sofre de Parkinson
em estágio avançado, prestes a ir a uma casa de repouso; a matriarca não revela
a ninguém que está com um câncer agressivo; o filho é um maestro em ascensão
que reside em outra cidade e se comunica com os pais por telefone, e está em um
processo delicado de trabalho e com uma crise em casa envolvendo a ex-namorada
grávida de outro; e a filha alcoólatra, irmã distante do maestro, que trabalha
como assistente de dentista e vive de porre pelos bares. A morte está chegando
na casa dos Lunies, e aquela família marca um reencontro que será decisivo. O filme,
de 3h de duração, é dividido por capítulos que apresentam cada um dos
personagens, e a montagem caprichada liga com exatidão uma passagem a outra.
Não é uma fita fácil, é um drama pesado, às vezes descontruído pelo humor cáustico
e cruel, em que damos risos nervosos e ficamos com algo entalado na garganta. Todos
do elenco, sem exceção, entregam atuações magistrais, com destaque para Lars
Eidinger, Corinna Harfouch e Lilith Stangenberg, respectivamente nos papéis do filho,
mãe e filha. No meio haverá subtramas explosivas, como a crise do nascimento do
bebê da ex-namorada do maestro, o novo relacionamento da filha alcoólatra e a
relação do maestro com o compositor suicida. Um filmaço que surpreende e nos
chacoalha, vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival de Berlim. Sessões na
Mostra de SP nos dias 27, 29 e 30/10 – o filme estreia nos cinemas brasileiros
em 05/12, distribuído pela Imovision.
Não
nos moverão
Está
na Competição Novos Diretores esse drama mexicano todo feito em um bonito preto-e-branco,
sobre uma advogada disposta a tudo para se vingar da morte do irmão, ocorrido
50 anos antes, durante o massacre de Tlatelolco, em que centenas de estudantes
foram mortos em protestos contra os Jogos Olímpicos no país. Ela descobre
informações sobre os militares por trás do crime e segue para fazer justiça com
as próprias mãos, contratando um rapaz para auxiliá-la na difícil empreitada. Exibido
e premiado nos Festivais de Guadalajara e Toulouse, é um filme de cunho
político até no título, um grito de vingança e esperança contra os algozes dos
nossos tempos. São obras como essa que engrandecem ainda mais a Mostra de
Cinema de São Paulo. Sessões encerradas na Mostra, porém o filme pode ser
assistido até o dia 30/10 gratuitamente na plataforma Sesc Digital, com limite
de 600 visualizações.
Dias
(2019)
Exibido
na 44ª edição da Mostra, em 2020, o drama ‘Dias’ (2019), de Tsai Ming-liang, retorna
esse ano ao festival na seção ‘Apresentação especial’, apenas online, disponível
nas plataformas Spcine Play e Sesc Digital, gratuitamente, com limite de 1500 visualizações.
Quem não assistiu, vale ver esse bom trabalho do cineasta malásio, um exercício
de linguagem e narrativa que acompanha os dias de um homem solitário em seu
apartamento em Bangcoc, na Tailândia. Acometido por uma estranha dor que se
espalha pelo corpo, procura atendimento de massagens para aliviar a tensão.
Vemos o aquele homem preparando diariamente os pratos típicos da aldeia onde
cresceu. Também o vemos se encontrar com um jovem solitário igual ele, e ambos
iniciam um relacionamento. Há apenas um diálogo no filme, bem curto, na cena da
massagem, e toda a obra é de um silêncio sepulcral. É o ponto de vista de um
personagem solitário na cidade grande, ouvindo o barulho da chuva, fazendo seu
almoço, tomando banho e saindo pelas ruas movimentadas. E flagramos tudo isso
com ele. Filme de arte para público bem específico, protagonizado por Kang-sheng
Lee, rosto memorável do cinema de Taiwan, que já trabalhou outras vezes com o diretor
Ming-liang, como em ‘Que horas são aí’ (2001) e ‘O sabor da melancia’ (2005). Coprodução
Taiwan/França, escrita, dirigida e produzida por Ming-liang, ganhou prêmio
especial no Festival de Berlim (menção especial no Teddy Bear), indicado lá ao
Urso de Ouro, e exibido ainda nos festivais San Sebastián, Taipei e Chicago.
A Mostra de SP já exibiu, ao longo de suas edições, 10 filmes do diretor, e nesse ano há um lançamento dele na programação, o documentário ‘Permanência em lugar nenhum’, que passou nos festivais de Berlim e Hong Kong (ainda há uma sessão do doc, no dia 28/10).
Rocinante
sábado, 26 de outubro de 2024
Especial de Cinema
Os melhores filmes da
Mostra de SP – Parte 9
A
48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo segue na capital paulista até
30 de outubro. Nesse ano, serão exibidos 419 títulos de 82 países, distribuídos
em mais de 20 salas de cinema de São Paulo. A programação completa da Mostra está
no site oficial, em https://48.mostra.org.
Confira
abaixo drops de mais filmes da Mostra que assisti e recomendo.
O
brutalista
Um
dos grandes filmes da Mostra desse ano, que teve todas as sessões esgotadas no
festival, e cotadíssimo para o Oscar de 2025. Suas 3h35 de duração não
atrapalham essa que é uma saga moderna e grandiosa, que conta a longa trajetória de um arquiteto judeu
que viveu os horrores do campo de concentração e chega aos Estados Unidos logo
após o fim da Segunda Guerra Mundial. A esposa, doente, ficou na Europa, e ele,
sozinho, recomeça a vida na América. Pobre e maltrapilho, mas com ideias
visionárias, recebe o convite de um misterioso magnata da indústria para
construir um templo religioso no alto de uma colina na Pensilvania. O arquiteto
László Toth torna-se peça fundamental na consolidação do movimento Brutalista
na arquitetura moderna, com seus prédios pesados, construídos apenas com
concreto, simples, funcionais e sem ornamentos. O drama percorre 50 anos na vida
do protagonista, que cruza países como Hungria, Itália e EUA, mostrando seus
encontros e desencontros, a fatalidade, a construção/destruição de seus sonhos.
É uma visão pessimista de uma América que não servia aos imigrantes. Adrien Brody
entrega uma performance esplêndida, enquanto Felicity Jones, no papel da
esposa, aparece a partir da metade, em um trabalho pessoal e condizente, e Guy
Pearce é o magnata industrial, num de seus melhores momentos no cinema. Rodado na
Hungria e na Itália em apenas 34 dias, com orçamento pequeno, de apenas U$ 6
milhões. Feito num VistaVision impressionante, que deve ser assistido
preferencialmente na tela grande. Os letreiros iniciais correndo de lado é algo
curioso e praticamente inédito. A trilha sonora ecoante de Daniel Blumberg e a
fotografia com cores acinzentadas de Lol Crawley engrandecem a obra, já na minha
lista dos melhores do ano. Venceu cinco prêmios em Veneza, incluindo
melhor diretor, para Brady Corbet – que foi ator, de ‘Violência gratuita’, e prêmio da Crítica. Exibido ainda nos
festivais de Toronto e Nova York, é produzido pela A24, e aqui no Brasil será distribuído
nos cinemas pela Universal Pictures em 02 de fevereiro de 2025. Sessão na
Mostra ainda no dia 26/10 - todas as sessões do filme têm um intervalo de 15
minutos no meio da projeção.
Através
do fluxo
Todo
ano a Mostra de SP traz um, ou até dois, como já aconteceu, título do multipremiado
diretor sul-coreano Hong Sang-soo, que é um queridinho do festival. O cineasta de
64 anos, autoral por princípio, em que produz, escreve e dirige, tem 40 longas
na carreira, e as sessões de seus filmes na Mostra sempre são lotadas. Em ‘Através
do fluxo’, uma professora (papel
da protagonista de ‘A criada’, Kim Min-hee, aqui premiada melhor atriz em
Locarno) convida o tio para auxiliá-la na direção de uma esquete de teatro. Para
melhor desenvolver o trabalho, todo dia ela senta na beira de um riacho para
fazer esboços do fluxo da água. O tio aceita a proposta e retorna a Seoul,
modificando a vida da sobrinha e de todos que a cercam. Kim Min-hee e Kwon
Hae-hyo (o tio) são expressivos, com interpretações naturais, e já trabalharam outras
vezes com o diretor Sang-soo, que sabe captar a essência dos personagens com delicadeza,
emoção e humor. Mais uma vez, seus dramas misturam uma comédia sutil, e a
técnica do cineasta sempre está presente (já viraram uma marca): câmera estática
captando longas cenas de diálogos dos atores sentados frente a frente em suas
rotinas, como almoçando ou conversando na sala, cenas contemplativas em
florestas e rios, sem diálogos, com a som da natureza etc. O diretor acumula
mais de 60 prêmios internacionais, em festivais consagrados, como Berlim,
Cannes e San Sebastián. Aos iniciados no cinema de Sang-soo, vale uma conferida.
Sessões na Mostra ainda dias 26 e 30/10.
Sol
de inverno
Aplaudido nos festivais por onde passou, como
Cannes, Toronto e San Sebastián, o delicadíssimo drama japonês traz uma
história bonitinha e agradável que, aos poucos, ganha dimensão conflitante. A história
se passa em uma pequena ilha do Japão, onde, no inverno, duas crianças são
treinadas por um professor para patinação artística no gelo. O garoto Takuya deixa
o hóquei no gelo de lado, algo que chama a atenção dos amigos e da família, enquanto
a menina Sakura é considerada uma esportista em ascensão. Ex-campeão de
patinação no gelo, o professor Arakawa junta os dois para intensos dias de
treinamento para um campeonato que reunirá grandes times da região. O filme tem
uma dinâmica incrível entre os personagens, com cenas belamente coreografadas
no gelo, difíceis de serem feitas. A luz em diversos momentos estoura na tela, sinal
dos conflitos que irão aparecer em breve na trama. O elenco é bom, as crianças
mandam bem, e não só no final, mas todo o filme causa fortes emoções. Segundo longa
do diretor Hiroshi Okuyama, que, junto do premiado diretor Hirokazu Koreeda,
dirigiu a série da Netflix ‘Makanai: Cozinhando para a casa Maiko’ (2023). Em
Cannes concorreu ao prêmio principal da seção ‘Um certo olhar’ e ao Queer Palm.
Um dos filmes imperdíveis da Mostra desse ano. Sessão ainda no dia 26/10.
Em
retiro
Está
na Competição Novos Diretores da seção ‘Foco Índia’ essa singular fita de arte que
fez sua estreia mundial no Festival de Cannes, e dias atrás foi exibida no
Festival de Mumbai. Um homem de 50 anos retorna para a velha casa da família nas
montanhas, pouco tempo depois do funeral do irmão. Solitário, perambulando pela
casa numa noite escura, ele agora é forçado a rever suas atitudes. Uma atmosfera
sombria, com algo místico no ar, embasa o drama que conta com um bom trabalho
do ator, que fica o tempo todo sozinho em cena, o indiano Harish Khanna – é um
filme de um personagem só, tomado por pensamentos e poucos diálogos. A fotografia
da noite azulada dentro do interior da casa é ingrediente fundamental para a melancólica
trama. Sessões encerradas na Mostra de SP, porém o filme pode ser assistido até
o dia 30/10 gratuitamente na plataforma Sesc Digital, com limite de 600
visualizações.
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
Especial de Cinema
Os melhores filmes da
Mostra de SP – Parte 8
A
48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo segue na capital paulista até
30 de outubro. Nesse ano, serão exibidos 419 títulos de 82 países, distribuídos
em mais de 20 salas de cinema de São Paulo. A programação completa da Mostra está
no site oficial, em https://48.mostra.org.
Confira
abaixo drops de mais filmes da Mostra que assisti e recomendo.
Levados
pelas marés
Profícuo,
o chinês Jia Zhang-ke é figura central da chamada ‘Sexta Geração’ de cineastas
do seu país e já produziu, dirigiu e escreveu mais de 30 filmes, entre curtas e
longas, premiados em inúmeros festivais. Gosto especialmente de ‘Um toque de
pecado’ (2013), ‘As montanhas se separam’ (2015) e ‘Amor até as cinzas’ (2018),
e menos de ‘Levados pelas marés’ (2024), mas que ainda é um exercício estético
e autoral do diretor. Traz uma história de amor de 20 anos em uma China em constante
transformação política/social/cultural, entre 2002 e 2022, terminando no sombrio
tempo da pandemia. É um olhar épico e grandioso de um romance perdido no tempo,
sem a brutalidade do seu cinema violento, como vimos em ‘Amor até as cinzas’,
que tem algumas semelhanças com esse novo longa. Vemos uma outra China, a China
dos rios e das metrópoles, e as imagens exploradas pelo diretor alternam entre
filmes caseiros e aqueles de maior qualidade. Lento, contemplativo, ainda é um
filme do diretor que deve ser considerado, mesmo sem o impacto visual das obras
anteriores. Exibido nos festivais de Cannes, Toronto e Londres. Sessões na
Mostra de SP nos dias 25, 27, 28 e 29/10.
Harvest
Curti
muito, mas vi que o público e a crítica ficaram divididos com esse folk drama com
western movie que se passa num vilarejo distante, num tempo indeterminado, com
uma comunidade que vive sob ritos diários. São várias histórias de personagens
distintos que se cruzam por sete dias, centralizando as ações em dois amigos de
infância, um proprietário de terras e outro que é confuso e divaga ideias
enormes. A chegada da modernidade por meio de novos fazendeiros ameaça não só os
dois, mas todo o grupo que ali mora. Baseado no livro de Jim Crace, tem no
elenco os bons Cabel Landry Jones, Harry Melling, Frank Dillane e Rosy McEwen,
e uma fotografia espetacular de Sean Price Williams. Coprodução Reino
Unido/EUA/Alemanha, foi rodado numa ilha da Escócia com arquitetura medieval. Exibido
no Festival de Veneza, é produção da Mubi e entrará em breve na plataforma. Sessões
na Mostra de SP nos dias 25, 27 e 30/10.
Pequenas
coisas como estas
Ganhador
do Oscar de ator por ‘Oppenheimer’, Cillian Murphy estrela esse drama tácito e
amargo baseado no romance homônimo de Claire Keegan, que deu Emily Watson o prêmio
de melhor atuação coadjuvante no Festival de Berlim – ela aparece menos de 10
minutos, numa participação marcante como uma freira que guarda segredos obscuros.
No
Natal de 1985, um carvoeiro (Cillian Murphy) trabalha dia e noite numa
cidadezinha do condado de Wexford, na Irlanda, para sustentar esposa e filhas. Uma
visita ao convento local o remete a lembranças perturbadoras da infância, e o
faz entrar em conflito com a Igreja Católica. Murphy é expressivo com um olhar que
é um misto de apreensão e tristeza, e seu personagem é enigmático e fala pouco.
De narrativa vagarosa, o filme ganha força a partir da metade, com as
investigações particulares do protagonista em torno do convento que se mostra um
lugar ameaçador – o final (não darei spoiler) traz revelações terríveis de como
a Igreja Católica atuava na Irlanda. Indicado ao Urso de Ouro em Berlim, tem sessões
na Mostra de SP ainda no dia 25/10.
Os
demônios do amanhecer
Fita
gay mexicana com um roteiro intenso, que poderia sofrer cortes para que ficasse
com menos duração e menos passagens repetidas – são 136 minutos que caberiam
facilmente em 100. Uma paixão tórrida (com muito sexo) entre dois jovens da
Cidade do México ganha contornos especiais para tensionar contrapontos como relacionamentos
fugazes x fidelidade. Um deles é dançarino, envolve-se com diversos homens, e o
outro trabalha num hotel e estuda enfermagem. Eles se conhecem numa noite à toa
e se apaixonam perdidamente. Em um mundo adverso, os dois tentarão, juntos, seguir
com seus objetivos, sendo um deles manter a relação séria. Cores fortes e muita
música, como ‘Never can say goodbye’, de Gloria Gaynor, agitam essa pequena fita
independente que está em destaque na Mostra desse ano. Apesar da longa duração,
gostei – destaque para os dois atores centrais que se expõe com ousadia e
ternura. Exibido no Festival de Guadalajara. Sessões na Mostra de SP nos dias
25, 26, 29 e 30/10.
Piano
de família
Exibido
nos festivais de Toronto e Londres, o filme da Netflix marca a estreia do
diretor Malcolm Washington, filho de Denzel Washington e irmão do ator central
da fita, John David Washington. É um excelente filme dramático feito em família
– Denzel produz ao lado da filha Katia, irmã de Malcolm, e o elenco é liderado
por John David. Cotado para finalista ao Oscar do ano que vem, é uma adaptação da
obra homônima de August Wilson, prêmio Pulitzer por ‘Um limite entre nós’, que
virou filme com Denzel e premiou Viola Davis atriz coadjuvante. Wilson fala de intensos
conflitos familiares em famílias negras empobrecidas, e aqui não é diferente – durante
20 anos, entre as décadas de 10 e 30 do século passado, uma briga se instala no
seio da família Charles por causa de um antigo piano que foi passado de geração
a geração. O piano é um observador das mudanças do país e daquela família, e
dele evocam-se vozes e fantasmas do passado. Teatral, os atores ficam longas
cenas conversando/discutindo em apenas um ambiente da casa, a sala agregada à cozinha,
com o piano ao lado. Do filme extraem-se ótimas atuações do elenco, a se perder
de vista, como Samuel L. Jackson, John David Washington, Danielle Deadwyler,
Corey Hawkins, Stephan James e Michael Potts. Enquanto drama, é uma fita sólida
e que abre reflexões, e o desfecho é de assustar, literalmente falando, com tom
de filme de terror sobrenatural. Prepare-se para um dos bons longas do ano, que
entra na Netflix no dia 22/11. Sessões ainda na Mostra nos dias 25 e 30/10.
quinta-feira, 24 de outubro de 2024
Especial de cinema
Os melhores filmes da Mostra de SP – Parte 7
A 48ª Mostra Internacional
de Cinema de São Paulo segue na capital paulista até 30 de outubro. Nesse ano, serão
exibidos 419 títulos de 82 países, distribuídos em mais de 20 salas de cinema de
São Paulo. A programação completa da Mostra está no site oficial, em https://48.mostra.org.
Confira
abaixo drops de mais filmes da Mostra que assisti e recomendo.
A
cozinha
Saí
atônito da sessão de imprensa ontem desse que é um dos melhores filmes da
Mostra de SP e já integra a minha lista dos grandes filmes do ano – e que deve
estrear em breve nos cinemas (por isso, deixem no radar). Com um elenco
mexicano e norte-americano, o filme é uma brutal reflexão sobre xenofobia/imigração
nos Estados Unidos, e tudo acontece em um restaurante em Manhattan, um
microcosmo dos dilemas e crises da sociedade. Na cozinha do ‘The Grill’
trabalham imigrantes mexicanos, muitos deles ilegais e sem documentos, que
chegaram aos EUA para tentar nova vida. Uma grande quantia de dinheiro
desaparece do caixa, e todos os funcionários são suspeitos – principalmente os mexicanos.
Figura central na cozinha, Pedro (Raúl Briones) é acusado pelo furto, mas nega;
temperamental, ele fala o que vem na mente, e apesar de bom cozinheiro, arruma
confusão facilmente. Ele acabou de engravidar uma das garçonetes, com quem passou
uma noite, Julia (Rooney Mara), que é americana. Quando ela conta a Pedro que deseja
abortar, uma crise entre os dois se estende para dentro da cozinha, criando um
ambiente insuportável. Rodado num preto-e-branco incrível, com uma ou outra
cena com cor, o filme é construído com inúmeros planos-sequencias de tirar o fôlego,
com momentos que marcarão a memória do público – como a cena da confusão na
cozinha, que dura 10 minutos, com pratos caindo, gente brigando e uma máquina
de Cherry Coke explodindo. Além da xenofobia, o drama é uma crítica severa à exploração
do trabalho no capitalismo contemporâneo. Destaque para o elenco todo, com
especial menção a Briones e Mara, e a superdireção do mexicano Alonso Ruizpalacios, do espetacular e premiado filme de assalto baseado em fatos ‘Museu’ (2018). Exibido nos festivais de Berlim e Tribeca,
tem sessões na Mostra de SP nos dias 24, 25 e 29/10.
Misericórdia
O
diretor de ‘Um estranho no lago’ (2013), Alain Guiraudie, mais uma vez chacoalha
o público com seu novo longa-metragem, que foi exibido em Cannes e lá indicado
ao Queer Palm. O cinema gay com reviravoltas inusitadas retornam em outro nível
em ‘Misericórdia’, um drama que vira comédia dramática, sobre um jovem que
retorna à cidadezinha natal para o funeral de um antigo chefe. No vilarejo,
resolve se instalar por alguns dias na casa da viúva do homem, que tem um filho
agressivo. Ele revê antigos amigos, fica próximo do pároco que mora ao lado e
parece estar se habituando àquela rotina, exceto pelos atritos com o filho da viúva.
Numa tarde, uma violenta briga com o rapaz termina em um gravíssimo incidente,
que dará margem a uma série de desencontros enquanto está hospedado na cidade. O
ator central, Félix Kysyl, segura o papel com um personagem de múltiplas
camadas, que cresce em cena – de um rapaz tímido, introvertido e sem falar
muito, envolve-se com um crime e vai se afeiçoando aos coadjuvantes de maneira
ousada, abalando toda aquela comunidade. O roteiro é imprevisível, que nos leva
a caminhos impensáveis. Conta com participação firme de uma atriz francesa que
gosto muito, Catherine Frot. Há boas doses de um humor ácido, que transforma a
fita num dos melhores momentos do diretor Alain Guiraudie. Sessões na Mostra de
SP nos dias 24 e 30/10.
Árvores
que eu me lembro
Drama
turco melancólico e feminino, com uma protagonista de forte presença. Ela é uma
jovem grávida que quer se suicidar. Porém, entra em dilema moral (pois matará o
filho que está na barriga). Procura alguém que possa entregar o bebê, já que ‘prorroga’
seu suicídio para depois do parto. Acaba se reencontrando com um amigo de infância,
hoje na cadeira de rodas, que mora com o pai idoso. Os três constroem uma
estranha e delicada relação. Com ar de melodrama, tem uma história controversa que
muda de tom ao longo da passagem do filme, e aos poucos, e com detalhes, somos
inseridos no mundo triste da protagonista. Gosto da fotografia, dos personagens
em meio a encostas e matas, que ajudam na construção da ideia de despedida da
personagem. Sessão ainda no dia 24/10. Disponível gratuitamente na plataforma
SPcine Play até dia 30/10.