terça-feira, 14 de setembro de 2021

Resenha Especial


Highlander e a jornada de um viajante através do tempo

Por Felipe Brida*

(Texto escrito especialmente para o livreto do filme em bluray, lançado esse mês pela distribuidora Obras-primas do Cinema)

“Who wants to live forever”? O título da notável música da banda britânica Queen ressoou na década de 80 como uma ode ao amor infinito diante do incerto futuro que nos aguarda. Para o personagem Highlander, significava a vida eterna, a possibilidade de atravessar séculos e se adaptar às diversas realidades e contextos, sem nunca perder sua essência de insigne guerreiro.
“Highlander: O guerreiro imortal” deixou marcas em toda uma geração de cinéfilos, mesmo diante do tremendo fracasso em sua estreia nas salas de cinema – o longa foi lançado entre março e junho de 1986 em países como Estados Unidos, França, Itália, Holanda e Austrália, e no Brasil chegou em 18 de julho daquele ano. Fracasso porque o orçamento foi de U$ 16 milhões, rendendo no mundo apenas U$ 5,9 milhões. Por outro lado, isso fez com que ele rapidamente se transformasse em um cult movie. Dos bons! Na TV aberta, passou incontáveis vezes, o que atraiu públicos de diversas idades. E por fim, como se não bastasse, deu origem a cinco continuações, julgo eu inferiores, “Highlander 2: A ressurreição” (1991), “Highlander III: O feiticeiro” (1994), “Highlander: A batalha final” (2000) e “Highlander: A origem” (2007), além de séries ficcionais e séries animadas.


Rodado em quatro meses (entre abril e agosto de 1985), o filme britânico teve sua estreia mundial no extinto Festival de Cinema Fantástico de Avoriaz, na cidade francesa de Avoriaz, em janeiro de 1986, depois seguiu aos cinemas. Trazia uma história com elementos de vários gêneros, dentre eles ação e aventura em tom de fantasia e ficção científica, sem falar nas pitadas de romance. Na trama, o público acompanha a extensa jornada de um herói chamado Connor MacLeod (Christopher Lambert), do século XVI até meados dos anos 80. Isso porque ele é um viajante do tempo, um guerreiro imortal com poderes especiais, que vaga pela terra desde 1536 - nascido nas Highlands (“terras altas”), no extremo norte da Escócia, durante o período feudal, era um camponês que vivia de maneira tranquila num clã nas montanhas até conhecer Juan Sánchez-Villalobos Ramírez (Sean Connery), um mestre em lutas de espadas. Ramírez, com idade superior a 2000 anos, ensina MacLeod a lutar para ser um bravo guerreiro, e como ele possui os poderes de um Quickening (imortalidade), transmite ao jovem o tal dom. Ainda na Escócia do século XVI, MacLeod enfrenta Kurgan (Clancy Brown), um guerreiro de uma tribo bárbara do Mar Cáspio, juntamente com seu grupo. A rivalidade entre os dois atravessa também os tempos, e hoje eles se encontram em uma Nova York de 1985/1986 para um derradeiro confronto.


Foi o trabalho mais importante na carreira de Christopher Lambert, até hoje lembrado pelo papel desse notório protagonista do cinema. Esse foi seu 12º filme, após uma série de longas menores e independentes na França, entre 1979 e 1982; Lambert nasceu em 1957, era norte-americano, porém se mudou para a Suíça com a família ainda pequeno, na década de 60. Criado em Genebra, firmou-se depois em Paris entre os anos 70 e 80, e lá entrou para o cinema. Seu primeiro grande filme fora da França foi “Greystoke: A lenda de Tarzan, o rei da selva” (1984), no papel-título, depois veio o cult de Luc Besson “Subway” (1985) até chegar “Highlander”, e a partir daí vieram “O siciliano” (1987), “Face a face com o inimigo” (1992), “A fortaleza” (1992), “Mortal Kombat” (1995) e muitos outros, sem contar as duas continuações de “Highlander”.
Lambert fez uma parceria notável com Sean Connery, a dupla tem uma desenvoltura incrível em cena, mesmo Connery aparecendo pouco – o veterano ator que interpretou James Bond ficou uma semana no set de gravações, com um dos cachês mais bem pagos do cinema por um papel que aparece pouco, no caso U$ 1 milhão (Ramírez fica em cena por 30 minutos).


Os elementos técnicos recriam tempo e espaço com perfeição. São aliados primorosos para a desenvoltura da história, e para que ela faça sentido. Destaco aqui o bem recriado design de produção, de Allan Cameron (de “Tropas estelares”), a estonteante direção de arte da dupla Tim Hutchinson (de “Willow: na terra da magia”) e Martin Atkinson (de “Zardoz”), e a permanente trilha sonora que fica em nossa mente, de Michael Kamen (de “Robin Hood, o príncipe dos ladrões”). Ainda tem o exímio trabalho de montagem, de Peter Honess (de “Los Angeles: Cidade proibida”), o figurino de forte apelo visual, do três vezes ganhador do Oscar James Acheson (de “O último imperador”), e a brilhante maquiagem de uma equipe liderada por Lois Burwell (ganhadora do Oscar por “Coração valente”); reunidos, propiciam fortes emoções ao público!
Não tem como não comentar sobre a fotografia de Gerry Fisher (de “Na trilha dos assassinos”), que mistura elementos luminosos, quando no passado na Escócia, e sombrios, na Nova York atual. Junto à fotografia, temos a dimensão das locações do filme, rodado em belíssimas paisagens das “terras altas”, como a vila histórica de Kyle of Lochalsh, no condado de Ross-Shire, os vales de Glen Coe, o lago de Loch Shiel (um dos mais extensos da Escócia), a ilha de Skye, além de momentos em Londres, no País de Gales e em Nova York (como os pontos turísticos de Central Park e de SoHo).
A ideia do personagem Highlander foi concebida pelo norte-americano Gregory Widen, que estreava como roteirista nessa história de fantasia para além do tempo, e retornaria com tema mítico em “Anjos rebeldes” (1995), onde também assumiria a direção. Escreveram o roteiro com Widen, Peter Bellwood (de “Phobia”) e Larry Ferguson (co-roteirista de “Um tira da pesada 2” e “A caçada ao Outubro Vermelho”).
“Highlander” caiu no gosto popular também graças à trilha da banda Queen, liderada por Freddie Mercury, cuja canção “Who wants to live Forever” marcou o ouvido do público. E não tem só essa na trilha: ao todo são oito músicas do Queen compostas para o filme, incluindo “A kind of magic”.


Viria a ser o maior sucesso de público e crítica do diretor Russell Mulcahy, australiano, que havia realizado anteriormente mais de 100 clipes de bandas famosas, como AC/DC, 10cc, Duran Duran, The Tubes, e de Paul McCartney, Elton John e Kim Carnes. Estreou em sua terra natal com “O corte da navalha” (1982), o cultuado filme de terror de um javali assassino, e “Highlander” foi seu segundo trabalho. Realizaria, anos mais tarde, a continuação “Highlander 2: A ressurreição” (1991), com a mesma dupla Lambert e Connery, mas duramente achincalhada pelo público pelo roteiro confuso, desconexo e fora do eixo. Em sua filmografia incluem “Sem limite para vingar” (1991, com Denzel Washington e John Lithgow), “Blue Ice” (1992, com Michael Caine e Sean Young), “O grande assalto” (1993, com Kim Basinger e Val Kilmer), “O Sombra” (1994, baseado nas histórias policiais para a rádio e depois para os quadrinhos, com Alec Baldwin), “Atirador de elite” (1996, com Dolph Lundgren), “O enigma de Talos” (1998, com Jason Scott Lee), “Ressurreição: Retalhos de um crime” (1999, novamente com Christopher Lambert), “Resident evil 3: A extinção” (2007), “O escorpião rei 2: A saga de um guerreiro” (2008), “Malone: Puxando o gatilho” (2009, com Thomas Jane) e “As aventuras de Errol Flynn” (2018, com Thomas Cocquerel), além de uma dezena de telefilmes, “A hora final” (2000, com Armand Assante), “O último batalhão” (2001, com Ricky Schroder), “Dale Earnhardt: A lenda da Nascar” (2004, com Barry Pepper), “A ilha misteriosa” (2005, com Kyle MacLachlan) e “Orações para Bobby” (2009, com Sigourney Weaver), e episódios para as séries “Teen Wolf” e “13 reasons why”.
Existem duas versões do filme disponíveis no Brasil: a de cinema, de 110 minutos, lançada em DVD em 2008 pela Universal Pictures, sem extras, e a estendida, de 116 minutos, que é essa que a Obras-primas do Cinema lança em bluray, vale mencionar pela primeira vez no território nacional.
“Highlander: O guerreiro imortal” permanece estonteante em sua trama profunda e seus elementos técnicos impactantes. Segue, portanto, como um dos maiores filmes de aventura de todos os tempos, agora numa versão de luxo para colecionadores, em bluray. Para ver e rever!
PS: Na edição especial há o filme em bluray e um disco em DVD com mais de três horas de extras, além de três cards colecionáveis, dois pôsteres e um livreto de 36 páginas.

Highlander: O guerreiro imortal (Highlander). Reino Unido, 1986, 116 minutos. Ação/Ficção científica. Colorido. Dirigido por Russell Mulcahy. Distribuição: Obras-primas do Cinema

* Felipe Brida é jornalista e crítico de cinema, autor do livro “Cinema em Foco: Críticas selecionadas” (2013). Como crítico de cinema, mantém o blog Cinema na Web (de sua autoria, fundado em 2008), a coluna semanal “Cinema em Foco” (no jornal O Regional) e a coluna mensal “Middia Cinema” (na Revista Middia), além dos quadros semanais “Mais Cinema” (na Nova TV/TV Brasil) e “Palavra do Especialista – Cinema” (rádio Câmara de Bauru). Atua como palestrante em festivais de cinema em todo o Brasil e presta trabalho como curador e júri em festivais de cinema. É professor de Cinema, Comunicação e Artes no Senac, Fatec e Imes Catanduva (cidade onde reside). É pós-graduado em Artes Visuais pela Unicamp e Gestão Cultural pelo Centro Universitário Senac SP, e mestrando em Comunicação e Artes pela PUC-Campinas. Para contato: felipebb85@hotmail.com

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