Mente perturbada
Com forte mercado
consumidor de cinema, China e Hong Kong despontam na lista dos maiores
produtores de filmes do mundo. Em 2024, os dois países realizaram 800 filmes,
boa parte deles de ação e terror, gêneros que atraem o olhar do numeroso
público jovem. Porém, os filmes circulam
mais na Ásia, e nós, aqui no Brasil, temos menos acesso às produções. Nos
últimos anos a Netflix e os festivais de cinema feitos no Brasil trazem em sua
programação fitas chinesas e honconguesas, como é o caso desse bom exemplar de
horror psicológico ‘Mente perturbada’ (2023) – disponível para aluguel ou
compra em streamings como Prime e AppleTV. É também um drama familiar com
elementos místicos da cultura chinesa. São sete dias na vida de um jovem que
retorna para Hong Kong, sua cidade natal, para visitar a mãe gravemente hospitalizada.
Ele se hospeda no apartamento onde cresceu, localizado num condomínio suburbano
antigo. Aos poucos, estranha a vizinhança e começa a ter visões sobrenaturais,
de vultos pretos, principalmente à noite. Certo dia, acolhe um garotinho, que
mora com a mãe no prédio, e descobre que ele também vê fantasmas. Com o tempo a
relação dos dois personagens se fortalece, e entendemos o passado do
protagonista, repleto de angústia e medo devido às visões que tem desde
criança. Misturando drama, terror e suspense, o filme honconguês tem clima
assustador, com tom sobrenatural, reforçado pelos cenários claustrofóbicos,
dentro de um condomínio sujo, de quartos pequenos, onde as pessoas não são o
que aparentam. Chama a atenção o elenco, com os veteranos Tai-Bo, de ‘Police
story’ (1985), e Yuk Ying Tam, de ‘Infiltrado’ (2016), e de uma atriz que nunca
mais vi, a chinesa Bai Ling, que fez carreira em seu país, mas nos anos 90
participou de grandes produções americanas, como ‘O corvo’, Justiça vermelha’ e
‘Anna e o rei’.
Limonov: O camaleão
russo (2024)
Conheci o cinema do
russo Kirill Serebrennikov na Mostra Internacional de Cinema de SP, em 2018,
quando assisti à empolgante biografia musical ‘Verão’ (2018), premiada em
Cannes. Impressionei-me pela narrativa desconstrutiva e o visual excêntrico, um
preto-e-branco invadido por letreiros e balões coloridos. Fiquei atento a esse
diretor, também roteirista de seus filmes, pouco falado no Brasil – ele tem 55
anos, produziu clipes musicais de bandas russas dos anos 90, e seu primeiro
trabalho apresentado no Brasil foi o anterior a ‘Verão’, o drama ‘O estudante’ (2016).
Não parei mais de ver seus trabalhos – ele lança um longa por ano, e depois de ‘Verão’
vieram ‘A febre de Petrov’ (2021), ‘A esposa de Tchaikovsky’ (2022) e ‘Limonov:
O camaleão russo’ (2024), todos exibidos no Festival de Cannes e com exibição
nos cinemas do Brasil. ‘Limonov’ é seu filme mais anárquico, com uma trama voraz,
uma biografia do escritor, poeta e jornalista nascido na União Soviética, num
território hoje ucraniano, Eduard Veniaminovich Limonov (1943-2020), que se
envolveu com política e chegou a ser banido da Rússia. De ideias radicais e
libertárias, tido como delinquente por alguns, Eddie, como era chamado, teve
uma vida agitada, na Rússia e em outros países onde morou – o filme acompanha
as peripécias dele pelo mundo. O britânico Ben Whishaw, um ator camaleônico,
que interpreta papeis inusitados, fora do eixo, entra com tudo no papel de
Limonov, com uma verve explosiva misturando humor, insensatez e melancolia,
tudo o que rondava o interior desse autor russo inconformado com o mundo, que
produzia seus textos críticos a partir dessa frustração. Limonov integrou o
movimento Konkret dos anos 60, depois foi para o punk, teve muitas mulheres, e
na década seguinte, no exílio nos Estados Unidos, trabalhou como mordomo e,
numa passagem polêmica do filme, foi morar nas ruas com mendigos, onde teve caso
com um deles. Mudou-se para Paris nos anos 80, trabalhou com jornalismo de moda,
e com a queda do Muro de Berlim, voltou para a Rússia, onde fundou um partido
de orientação bolchevique, virando ídolo dos jovens. Político, engajado, é um
filme cáustico, com uma atuação soberba de Whishaw, que faz um trabalho sério,
que conta com muitos, mas muitos diálogos. E o diretor traz seus elementos técnicos,
com passagens em preto-e-branco e letreiros coloridos em stop-motion.
Baseado no livro
best-seller de Emmanuelle Carrère, publicado em 2011, está nos cinemas pela
Pandora Filmes, que vem lançando nas salas bons filmes de festivais e de gêneros
variados – só nesse ano foram ‘Girassol vermelho’, ‘Quando chega o outono’, ‘Máquina
do tempo’, ‘A voz que resta’, ‘Trilha sonora para um golpe de Estado’, ‘Redenção’
e ‘Encontro com o ditador’.
PS - O próximo filme do
diretor será apresentado em Cannes em maio desse ano, ‘The disappearance of
Josef Mengele’ (2025).
Nenhum comentário:
Postar um comentário