A quem eu pertenço
Em 2020, a jovem cineasta
canadense de origem tunisiana Meryam Joobeur venceu uma dezena de prêmios em
festivais ao redor do mundo pelo curta-metragem ‘Ikhwène’ (2018), um sensível
drama de guerra falado em árabe cujas locações retratam a terra natal de seus
pais. Anos mais tarde, em 2024, realizou o primeiro longa da carreira, ‘A quem
eu pertenço’, que acaba de estrear nos cinemas do Brasil pela Pandora Filmes. O
drama tunisiano, rodado na capital, Túnis, coprodução França, Canadá, Noruega,
Catar e Arábia Saudita, traz para a tela resquícios do filme ‘Ikhwène’ ao
explorar relações familiares conturbadas em meio a uma guerra e as
redescobertas de identidade e território de uma mãe de meia-idade. Ela é Aicha (Salha
Nasraoui), que mora com o marido e um dos filhos em um povoado no norte da
Tunísia. Dois outros filhos dela deixaram a cidade para lutar na guerra. Até
que um deles, Mehdi (Malek Mechergui), retorna com a esposa grávida para a casa
da família. Aicha não compreende a volta inesperada do rapaz, tampouco a
mudança de comportamento dele. O retorno de Mehdi – que se parece com a parábola
do ‘filho pródigo’, desencadeia conflitos não só naquele núcleo familiar, mas
em toda a comunidade. A Tunísia é marcada pela guerra religiosa, o Estado Islâmico
atrelado ao jihadismo, que aparece como contexto na sólida trama – o drama
sobre maternidade, pertencimento e de busca de identidade vai se fragmentando em
uma história pesada de terrorismo e guerra religiosa, com um desfecho violento,
de grande impacto sensorial. A paisagem seca e árida do Norte da Tunísia
corresponde ao interior dos personagens, marcado por feridas e medo. É uma obra
densa e política, com personagens em constante reconstrução, vivendo no caos de
um país ameaçado pelo Estado Islâmico, que nos ajuda a repensar a geopolítica
do Oriente Médio e os desdobramentos disso na sociedade. O filme esteve na
competição do Festival de Berlim de 2024, indicado lá ao Urso de Ouro.
O que a natureza te
conta
Indicado ao Urso de Ouro
no Festival de Berlim de 2025, o novo filme do constante diretor sul-coreano Hong
Sang-soo acaba de estrear nas salas brasileiras pela Pandora Filmes. Houve a primeira
exibição do longa no Festival do Rio, em outubro passado, e agora a comédia
dramática chega ao circuito. Mas recomendo apenas para quem curte fitas de arte
e que esteja acostumado ao cinema minimalista do veterano cineasta – ele também
é roteirista e produtor - que costuma rodar de dois a três filmes por ano,
muitos deles curtinhos, que não ultrapassam 70 minutos de duração. Sang-soo optou
aqui por uma metragem maior, de 108 minutos, onde celebra uma história de encontros
e desencontros, como faz com maestria em seu estilo particular – ele roda tudo
em poucos ambientes, sem close no rosto dos personagens, que costumam aparecer de
lado, com longas conversas na mesa e pequenos conflitos humanos. Um jovem poeta
passa alguns dias na companhia da namorada e dos pais dela – o pai, fissurado
por carros antigos, e a mãe, uma poetisa que deixou a carreira. Ele está hospedado
na charmosa residência dos futuros sogros, onde lá também estão as irmãs da
namorada. Aquele grupo familiar conversará por longas tardes e noites assuntos
diversos, ao lado de bebidas e fartas comidas. Sang-soo já demonstrou ser um
hábil contador de histórias rotineiras que se passam em núcleos familiares e
relações entre amigos, e aqui não faz diferente, retornando com um de seus
atores preferidos, o veterano Kwon Hae-hyo – eles fizeram juntos cerca de 10 obras,
dentre elas ‘A mulher que fugiu’ (2020) e ‘As aventuras de uma francesa na
Coreia’ (2024), ambos lançados pela Pandora. É, novamente, uma obra cíclica, em
torno de um pequeno grupo de pessoas do nascer ao pôr do sol que se encontram,
comem juntas, andam de lá para cá, resolvem conflitos, e no outro dia tudo se
repete. Sang-soo é um diretor que aprendi a gostar, aplaudido em festivais,
premiadíssimo, que encontrou no Brasil um seleto número de seguidores – muitos dos
filmes dele são exibidos na Mostra Internacional de Cinema de SP, onde passei a
vê-lo. Agora o filme disponível para ver na tela grande pela Pandora - aliás, a
Pandora, em parceria com o ‘Belas Artes a la Carte’, streaming do cinema Belas
Artes, acaba de lançar no catálogo outro de Sang-soo, este exibido em Cannes, ‘De
frente para você’ (2021 – também com o ator Kwon Hae-hyo). Está disponível para
os assinantes da plataforma, e lá no ‘Belas Artes a la Carte’ há disponível vários
títulos de Sang-soo, como ‘O dia depois’, ‘A câmera de Claire’, ‘A mulher que fugiu’
e ‘Encontros’ – acesse em http://belasartesalacarte.com.br/

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