domingo, 2 de novembro de 2025

Estreias da semana - Nos cinemas e no streaming

 
A meia-irmã feia
 
Chega aos cinemas pela Mares e a Alpha Filmes uma das fitas de terror mais impressionantes do ano, para público de estômago forte. O estiloso ‘A meia-irmã feia’ revisita o conto folclórico sombrio de Cinderela dos irmãos Grimm – que não tem nada de belo como no filme da Disney. Só que pelo ponto de vista da meia-irmã dela, Elvira, considerada feia. É uma história cabulosa: a mãe de Elvira, Rebekka, casa-se com um velho rico e leva as filhas para morar com o casal num castelo antigo. O homem logo morre, e a mãe tem de cuidar sozinha das três filhas. Rebekka se endivida, não tem como pagar despesas e comprar comida, então enxerga em Elvira um futuro; ela forçará a menina feia a passar por uma série de tratamentos estéticos brutais para se tornar bela a fim de conquistar o príncipe do condado. Num reino onde a beleza impera, a coitada da garota se sujeitará a todo tipo de tortura para ser vista, como transformação do nariz, que será quebrado e colocado numa forma para ficar redondinho, novos cílios, que serão costurados no olho etc. Sombrio, com homenagens ao cinema de Cronenberg – há uma cena do cirurgião que remete a ‘Gêmeos – Mórbida semelhança’, é um filme indigesto, com cenas fortíssimas de violência e algumas escatológicas, que podem dar ânsia, como a do ovo de tênia e o horrendo desfecho com a machadinha no pé. A personagem de Cinderela, a irmã de Elvira, fica em segundo plano, pois o enfoque é na outra garota. É um tipo de filme que beira o exploitation, com momentos gore. E tem sequências propositalmente bregas, com trilha sonora de conto de fadas e uma fotografia com exageradas tonalidades rosas, em especial nas da imaginação da menina em torno do príncipe encantado. Satiriza o comportamento consumidor que busca o padrão de beleza, os procedimentos estéticos e a imposição da sociedade em busca do corpo perfeito. Foi destaque no Festival de Sundance e no de Berlim, que conta no elenco com Lea Myren, Ane Dahl Torp e Thea Sofie Loch Næss. Escrito e dirigido pela norueguesa Emilie Blichfeldt, em sua vultuosa estreia, que deu o que falar entre o público e por ser terror até que reuniu boa bilheteria – o filme é uma coprodução Noruega, Dinamarca, Romênia, Polônia e Suécia.


 
Brincando com fogo
 
Vincent Lindon ganhou o prêmio de melhor ator no Festival de Veneza por este filme amargo sobre relação de pai e filho, um drama em que ele interpreta um viúvo, pai de dois rapazes, que agora passa a viver sozinho, já que ambos saem de casa; o filho mais novo muda-se para Paris para estudar, enquanto o mais velho envolve-se com grupos de extrema-direita que frequentam clubes clandestinos de luta - interpretado pelo ator Benjamin Voisin. Este afasta-se do pai, que não aceita o novo comportamento do rapaz nem de seus amigos ligados a movimentos extremistas. É um drama tenso, visceral, que circunda a relação entre os dois, com embates e conflitos geracionais, até que um crime mudará o rumo da família. Profundo, traz para discussão um tema complexo extremamente atual, sobre o crescimento de grupos extremistas ligados a práticas criminosas, aqui os clubes de luta proibidos, em que jovens se esmurram até morrer. Lindon brilha em cada cena que aparece, num papel que parece ter sido feito para ele; Voisin também segura o filme numa explosão de interpretações memoráveis. São dois atores franceses de peso, de gerações diferentes – Lindon já é veterano, tem 67 anos, fez mais de 80 filmes, como ‘Tudo por ela’ e ‘Titane’, enquanto Voisin é um rosto novo, com apenas 28 anos já atuou em mais de 20 produções, frequente no cinema de François Ozon, como ‘Verão de 85’ e no recente ‘O estrangeiro’. Com o decorrer da história, pesa um clima de tragédia no ar, e o drama se transforma em suspense, levantando questionamentos importantes. Realizado por uma dupla de cineastas, as irmãs Delphine Coulin e Muriel Coulin, de ’17 meninas’, com roteiro delas, adaptado do livro de Laurent Petitmangin ‘O que é preciso à noite’. Além de melhor ator, o filme ganhou outros dois prêmios em Veneza, onde concorreu à principal categoria, o Leão de Ouro. Está nos cinemas, com distribuição da Imovision.
 


 
Delírio
 
Terror sobrenatural costarriquenho, coproduzido no Chile, que mais deixa subentendido do que explicita, num bom exemplar de horror psicológico. Masha, uma menina de 11 anos, muda-se com a mãe para a casa da avó, que está com demência. Elas sentem ao redor a presença de algo ameaçador, então Masha é isolada num ambiente fechado para que nada aconteça a ela. Será aquilo real ou apenas a manifestação do medo? Partindo de lendas como a do vampiro eslavo Vourdalak, o filme cria um clima de tensão crescente, com apenas três mulheres em cena, trancadas numa velha casa de madeira. O filme se faz justamente na apresentação do vazio da casa, dos móveis, do silêncio e dos sussurros, que cria uma ambientação de isolamento e desconfiança de que alguma presença fantasmagórica possa circular ali. Um filme no mínimo inquietante, feito por uma cineasta no auge da carreira, Alexandra Latishev Salazar. Exibido nos festivais de Shanghai e Guadalajara e na Mostra de Cinema de SP, está nos cinemas brasileiros, distribuído pela Filmes do Estação.
 


 
Se não fosse você
 
Teve estreia com números razoáveis de bilheteria o novo drama romântico do diretor de ‘A culpa é das estrelas’ (2014), Josh Boone, que novamente recorre ao universo literário de uma autora do momento (Colleen Hoover) para levar aos jovens uma história de amor melosa. O filme se centra em dois núcleos de personagens – mãe e filha, com seus respectivos relacionamentos amorosos. A adolescente Clara (Mckenna Grace) se apaixona por um rapaz da mesma escola, Miller (Mason Thames). A mãe dela, Morgan (Allison Williams), não aceita o romance, e as duas se atritam. Até que um dia, uma tragédia toma conta da família Grant – o pai de Clara, marido de Morgan, morre num acidente de carro, juntamente com a cunhada, irmã de Morgan. A suspeita é de que o marido traía a esposa com a irmã, o que desencadeia uma série de conflitos e busca por memórias do passado. Vejo dois grandes problemas no filme – a escolha do elenco e o excesso de tramas paralelas que não são bem desenvolvidas. No primeiro quesito, um elenco fraco, em especial Allison, que não acho boa atriz, Mckenna Grace e Dave Franco, todos sem graça; já o segundo ponto: nos livros há espaço de sobra para se escrever sobre muitos personagens, mas no cinema é preciso condensar de forma que o público entenda, o que não funcionou direito aqui, já que tudo fica perdido – Clara, por exemplo, vai perdendo o foco para a história da mãe, que no segundo ato torna-se mais importante do que a da protagonista. Não curti o resultado, mas filmes como este acabam encontrando seu público, pois dramas românticos ainda estão no top de procura dos espectadores. Está nos cinemas desde o dia 23/10 pela Sony Pictures.
 


 
A vizinha perfeita
 
Todos comentam sobre o novo documentário da Netflix, que estreou na metade de outubro e só ontem pude conferi-lo. Premiado em Sundance, o filme tem uma forma original, com 90% das cenas compostas por imagens de câmeras de gravação do uniforme de policiais americanos. O filme acompanha um caso policial na Flórida, que terminou em tragédia, envolvendo a discussão e os constantes atritos de uma vizinha com os moradores do bairro entre 2022 e 2023. Ela é Susan Lorincz, uma senhora de 58 anos que morava sozinha num pacífico bairro da cidade de Ocala, no condado de Marion, Flórida. Por mais de um ano, quase que diariamente ela fazia ligações para a polícia reclamando de seus vizinhos, especialmente das crianças do bairro; segundo ela, viviam xingando-a e falando alto no terreno vazio ao lado de sua casa. Os atritos crescem, a mulher torna-se uma ameaça, até que em junho de 2023 Susan mata a tiros uma das vizinhas, Ajike Owens, mulher negra, mãe de quatro filhos. Ela é detida, e o caso vai a julgamento. O filme é todo composto por arquivos das câmeras policiais, onde vemos tudo ‘ao vivo’ – são diversos ângulos, que captam momentos ao longo de um ano de trabalho dos policiais quando solicitados para averiguação no bairro de Susan, acusada de diversos crimes, como racismo, comportamento inadequado, calúnia e difamação, além de tentativas de agressão. O roteiro do filme é um compilado sequencial dessas imagens das câmeras, que mostram o bairro, Susan, a vítima, Ajike, até o desfecho trágico – nos últimos 30 minutos, as cenas são das câmeras de vigilância do depoimento da mulher na delegacia e gravações no tribunal do júri. O filme escancara uma questão mal resolvida nos Estados Unidos, que é a liberação de armas e uma tese apontada como sensível, a da ‘legítima defesa ampliada’, que está na constituição de vários estados americanos, e, para alguns, é a liberdade para cometer crimes. ‘A vizinha perfeita’ é um filmão, e não tem como desgrudarmos o olho da TV. Já na Netflix.



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