sexta-feira, 3 de maio de 2024

Cine Cult


Confira a resenha de três filmes cultuados, de gêneros diferentes e produzidos em épocas distintas. Disponíveis em DVD, bluray e no streaming.

Adoção

Uma viúva (Katalin Berek) envolve-se com um homem casado. Ela deseja ser mãe, porém atingiu os 40 anos. Caminhando pela rua, entra numa instituição que abriga órfãos, e lá conhece uma jovem moça abandonada pelos pais. Entre elas nasce um forte vínculo que testará os limites das duas mulheres.

A distribuidora Obras-primas do Cinema destaca em seus últimos lançamentos em DVD o cinema de Márta Mészáros, cineasta socialista e feminista de origem judia, expoente do Novo Cinema Húngaro, que reformulou as bases e as teorias da produção cinematográfica do país no pós-guerra. Suas obras sociais e críticas tratam justamente do trabalho das mulheres no país intercalando temas como maternidade e solidão na meia-idade. ‘Adoção’ (1975), seu principal filme, trata desses temas, com enfoque nos dois últimos. De forma delicada, com muitas cenas de troca de olhares e longas sequências de silêncio, a diretora - e também roteirista aqui - conta a história de uma mulher solitária e cheia de amarguras, viúva, que deseja ser mãe agora com mais de 40 anos. Ela fica fixada em uma menina prestes a atingir a maioridade, que vive em uma instituição de caridade, uma espécie de orfanato para jovens. De início as duas mulheres de mundos tão opostos têm crispações, mas aos poucos uma encontra conforto ao lado da outra. No filme acompanhamos a crise de meia-idade da protagonista, feito pela grande atriz húngara já falecida Katalin Berek, e os dilemas da jovem que cresce sem lar, sem pais, sem futuro – outro bom papel, o da atriz Gyöngyvér Vigh.
Mészáros filma tudo numa belíssima fotografia preto-e-branca, e com este trabalho ganhou o Urso de Ouro em Berlim - foi a primeira mulher a receber o prêmio no festival.



É um filme belo e trágico, que merece ser descoberto, ainda mais agora nessa grande cópia em DVD pela Obras-primas do Cinema – recomendo assistirem também ao making of de quase uma hora sobre a diretora, que vem como extra.

Adoção (Örökbefogadás). Hungria, 1975, 89 min. Drama. Preto-e-branco. Direção: Márta Mészáros. Distribuição: Obras-primas do Cinema.


A sétima profecia

O fim dos tempos está próximo. A chegada de um misterioso andarilho (Jürgen Prochnow) em uma cidade coincide com graves alterações climáticas ao redor do mundo - os mares se agitam, o calor aumenta, as catástrofes da natureza levam milhares à morte. O andarilho segue até a casa de Abby Quinn (Demi Moore) e seu marido (Michael Biehn), que esperam um bebê. Um padre vindo do Vaticano (Peter Friedman) investiga as estranhas ocorrências.

Lançado no finalzinho dos anos 80, quando já se profetizava o fim do mundo com a chegada do próximo milênio, esse filme de drama, suspense e terror foi um dos tantos nessa linha catastrofista. Na história, fenômenos climáticos entram em choque e colocam a vida de milhões em risco com a chegada de um andarilho misterioso numa cidadezinha. Um casal que espera o nascimento do primeiro filho é procurado incessantemente por esse homem, que tem uma revelação a fazer. Do outro lado, um padre, emissário do Vaticano e ligado à ciência, desconfia desses fenômenos e inicia uma longa e perigosa investigação que colocará a vida de todos em jogo.
O filme popularizou-se em VHS, não é uma obra impressionante, mas serve como entretenimento nessa linha de filmes sobre o Apocalipse, ou como queiram, o Juízo Final. Há uma ambientação estranha, um clima de perturbação que nos deixa angustiados e atentos para o desfecho. Qual o segredo que o andarilho guarda?




Quem dirige é Carl Schultz, que trabalhou mais em séries de TV, e o roteiro é de Clifford e Ellen Green, casados na época, de ‘SpaceCamp – Aventura no espaço’ (1986) e que depois fariam um filme semelhante a esse, ‘A filha da luz’ (2000). Demi Moore estava em início de carreira, logo se tornaria estrela, e Michael Biehn já se projetava no cinema após ‘Aliens, o resgate’ (1986). O alemão Jürgen Prochnow, de ‘O barco – Inferno no mar’ (1981), faz o papel do andarilho que não sabemos ser anjo ou demônio.
Disponível em DVD, recém-lançado num digipack especial pela Classicline, com cards.

A sétima profecia (The seventh sign). EUA, 1988, 97 minutos. Drama/Terror. Colorido. Dirigido por Carl Schultz. Distribuição: Classicline


Verão de 85

No verão francês de 1985, prestes a completar 16 anos, Alexis (Félix Lefebvre) é salvo de um acidente de barco na costa da Normandia. Quem o resgata das águas é David (Benjamin Voisin), um rapaz de 18 anos que gosta de nadar e trabalha com a mãe na loja da família. Alexis e David tornam-se grandes amigos, até que se apaixonam.

Em parceria com a distribuidora California Filmes, a Versátil Home Video lançou há pouco tempo, em bluray, esse simpático drama romântico gay de um dos diretores mais aclamados da França atual, François Ozon, de ‘8 mulheres’ (2002), ‘Swimming pool - À beira da piscina’ (2003), ‘Dentro de casa’ (2012) e ‘Graças a Deus’ (2018). O diretor realizou mais de 30 longas-metragens, grande parte autoral e semiautobiográfico; muitos retratam o universo feminino e há alguns polêmicos que tocam em tema tabu, como pedofilia. Além de diretor, Ozon é roteirista, montador e produtor.
De forma crível, sem flertar com o melodrama barato, em ‘Verão de 85’ ele apresenta o relacionamento de dois garotos na fase de amadurecimento, em que se conhecem após um incidente de proporções quase trágicas. A amizade entre eles aumenta, passam a dormir na casa um do outro, até que um inevitável relacionamento amoroso acontece. Um deles tem fixação com a morte e é pensativo, enquanto o outro quer curtir a vida e as baladas e nadar. Dois jovens estranhos nos anos 80, de personalidades diferentes, no desabrochar da vida e das curiosidades amorosas, que procuram se confortar quando estão juntos. Suas famílias não sabem do romance secreto, mas desconfiam. Só que, de maneira abrupta e chocante, o romance, que parecia engrenar, sofrerá uma fatalidade do destino.
Ozon escreveu o delicado roteiro levemente inspirado no romance infanto-juvenil ‘Dance on my grave’, uma obra literária do início dos anos 80 e que faz parte de uma série, do britânico Aidan Chambers – o título inusitado aparecerá em uma cena emocionante do filme. Ozon tem apuro com a técnica, trabalhou bem com o diretor de fotografia belga Hichame Alaouie, de ‘Propriedade privada’ (2006), que usa paletas de cores variadas, de cores fortes e sensuais aos tons pastéis. A trilha sonora é muito boa, com clássicos como ‘Cruel summer’, de Bananarama, ‘In between days’, de The Cure, e ‘Sailing’, de Rod Stewart, que dão sentido ao enredo e às experiências dos dois personagens.





Exibido nos Festivais de Cannes, San Sebastian e no César, o filme é contado por meio de flashbacks pelo ator principal, o bom Félix Lefebvre, de ‘O professor substituto’ (2018).
Um filme com uma história singela e verdadeira que merece ser descoberto.
No bluray lançado pela Versátil, o filme vem em caixa com luva reforçada e traz o filme com comentários em áudio do cineasta e uma hora de vídeos extras, incluindo o curta-metragem ‘Um vestido de verão’ (‘Une robe d'été’, de 1996), de François Ozon, exibido na Semana da Crítica em Cannes e que está na origem de ‘Verão de 85’. Na caixa vem um livreto de 16 páginas, um pôster e dois cards. O filme também está disponível no Telecine, e para aluguel no Prime Video, Apple TV e Youtube Filmes.

Verão de 85 (Été 85). França, 2020, 101 minutos. Drama/Romance. Colorido. Dirigido por François Ozon. Distribuição: Versátil Home Video

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