terça-feira, 2 de julho de 2019

Resenhas Especiais



A garota desconhecida

Dra. Jenny Davin (Adèle Haenel), uma médica eficiente e muito dedicada à profissão, investiga por conta própria um assassinato ocorrido em frente ao seu consultório. Ela sente culpa por não ter ajudado a vítima, uma jovem negra, que havia tocado o interfone da médica minutos antes para pedir socorro, mas Jenny não pôde atendê-la.

Indicado à Palma de Ouro em Cannes em 2016, o filme é outro bom trabalho autoral dos irmãos Dardenne (Jean-Pierre e Luc, nascidos na década de 50), representantes máximos do cinema belga desde a década de 90. Eles produziram e escreveram o intrigante roteiro (como sempre fazem), uma mescla de drama e investigação policial, com o marcante estilo documental no tratamento do roteiro e da técnica (gravam tudo com câmera em movimento, sem aparatos ou grandes recursos, captando uma interpretação quase que natural dos personagens em situações comuns, cotidianas).
No cerne da investigação da protagonista saltam temas atuais, de extrema importância, tratados com sutilezas, como a violência contra a mulher, a trágica realidade dos negros imigrantes na Europa e o descaso policial - nenhuma autoridade se importa com o crime ocorrido (a morte de uma negra), então a jovem médica procura sozinha por respostas, entrando no submundo da criminalidade que coloca sua vida em jogo.
A história toda circunda a rotina de apenas um personagem, a médica, interpretado de maneira condizente pela jovem atriz francesa Adèle Haenel, de “Amor à primeira briga” (2014) e “120 batimentos por minuto” (2017), promissora e de beleza memorável. Essa é outra marca dos cineastas, de dar centro a somente uma figura, com uma dúzia de pontos a serem resolvidos.
Sou fã das obras dos irmãos Dardenne, assisti todos os filmes da dupla – “A promessa” (1996), “Rosetta” (1999), “O filho” (2002), “A criança” (2005), “O silêncio de Lorna” (2008), “O garoto da bicicleta” (2011) e “Dois dias, uma noite”, anterior a “A garota desconhecida”, e um de seus melhores trabalhos (de 2014, que deu a Marion Cotillard indicação ao Oscar de melhor atriz). Os Dardenne ganharam este ano prêmio de direção em Cannes por “Le jeune Ahmed” (2019), exibido em maio na Bélgica, ainda sem previsão de lançamento no Brasil – participam ano sim, ano não do referido Festival, já ganharam lá duas Palmas de Ouro, prêmio de roteiro, do Júri e agora de direção.
A cópia de “A garota desconhecida” disponível no Brasil, em DVD e nas plataformas digitais, é pela California Filmes, com 105 minutos, uma reedição da versão original exibida na Europa, que tinha 113 minutos.

A garota desconhecida (La fille inconnue). Bélgica/França, 2016, 105 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne. Distribuição: California Filmes


Submersão

Na costa africana, soldados jihadistas sequestram James More (James McAvoy), que combatia um grupo terrorista na região. Em paralelo, na Groenlândia, Danielle Flinders (Alicia Vikander) estuda oceanografia preparando-se para uma arriscada missão nas profundezas do mar. Longes um do outro, relembram o romance que tiveram no Natal anterior, como forma de apaziguar seus corações diante do delicado momento de insegurança que enfrentam agora.

O premiado diretor alemão Wim Wenders, dos cultuadíssimos “Paris Texas” (1984) e “Asas do desejo” (1987), realizou um filme menor de sua vasta carreira, mas adequado e que ainda tem valor cinematográfico para quem aprecia filmes lentos, sentimentais. É um drama romântico baseado no livro de mesmo título, do escocês J. M. Ledgard (de 2011), narrado em dois tempos (presente e passado, por flashbacks), sobre um casal separado pelo destino. No elenco, dois atores em alta: James McAvoy (de “Fragmentado” e “Atômica”) interpreta um refém de combatentes da Jihad, a guerra santa islâmica que prega a luta armada em defesa da religião, torturado e constantemente ameaçado de morte. Ele está num cativeiro na Somália, sem contato com o mundo exterior. Do outro lado da Terra, está a personagem de Alicia Vikander (ganhadora do Oscar por “A garota dinamarquesa”), que investiga espécies e formas diferentes de vida oceânica enquanto se prepara para descer em um submergível no fundo do mar da Groenlândia. Os dois, distantes, criam sintonia em pensamentos, recordando a rápida história de amor que viveram meses antes, no Natal. Agora, tanto ele como ela estão em situação de risco devido ao trabalho, um aprisionado por terroristas, outra fechada numa cápsula em direção às profundezas do mar desconhecido. A memória torna-se o alimento para a alma inquieta deles...
Wenders tem altos e baixos na carreira, de cinco anos para cá fez filmes menos exigentes, rebaixados pela maior parte da crítica estrangeira (como “Tudo vai ficar bem”, “Os belos dias de Aranjuez”, este aqui e até o documentário que já recomendei “Papa Francisco – Um homem de palavra”). Confesso que gostei, reconheço que não é um grandioso trabalho, mas aguça a curiosidade pelo discurso antiterrorista, o bom trabalho do par romântico e as belas locações de lugares exóticos (foi filmado em diversos países, como França, Espanha, Alemanha e outros da África).

Submersão (Submergence). EUA/Alemanha/França/Espanha, 2017, 111 minutos. Drama/Romance. Colorido. Dirigido por Wim Wenders. Distribuição: California Filmes


Demônio de neon

Jesse (Elle Fanning), uma aspirante a modelo de beleza única, chega a Los Angeles para tentar a vida nas passarelas. A maquiadora Ruby (Jena Malone) apaixona-se pela garota e a apresenta para figuras importantes do acirrado mundo da moda. Quando é contratada por uma agência de grande nome, desperta inveja e ira de das duas melhores amigas de Ruby, dando início a um terrível jogo de disputa.
  
O dinamarquês Nicolas Winding Refn já deixou bem claro que o seu cinema é um dos mais controversos, ousados e sem concessões da atualidade. Assista a “Medo X” (2003), “Drive” (2011), “Só Deus perdoa” (2013) e a este “Demônio de neon” que você vai comprovar o que digo. Coloco-o ao lado do conterrâneo Lars Von Trier (ambos não se gostam após um atrito em Cannes), outro notório diretor polêmico cujo último filme, “A casa que Jack construiu” (2018), é de embrulhar o estômago e ficar perturbado por semanas.
Quando vi pela primeira vez “Demônio de neon”, três anos atrás, não havia gostado tanto, agora numa revisão aceitei melhor o filme principalmente pelo teor crítico dele, pelas metáforas sobre o perverso mundo das passarelas. Que chega a ser canibal, literalmente falando...
É uma fita cult capciosa sobre a moda de um modo que você nunca verá igual, com competição acirrada entre modelos invejosas em busca do brilho e da fama. Não quero comprometer a história (é um filme que não sabemos o que vem pela frente), então não alongarei a discussão sobre a história em si. A dica é: vá com estômago forte!
Não é para todos. Vendido como terror, tem a estranheza típica do cinema de Refn (ele assina o filme com as inicias, NWR), lotado de violência gráfica e sangue, visual delirante estilizado com cores neon, que gritam na tela, cenas em slow motion, trilha com música techno e sintetizadores (semelhantes ao que ele inseriu em ‘Drive’ e ‘Só Deus perdoa’), referências ao videoclipe e ao mundo publicitário. Culmina com um desfecho chocante, improvisado no próprio set de gravação. Em suma: filme-cabeça e tétrico de um diretor que quebra regras, foge de qualquer convenção do cinema, criativo ao extremo e que dá um solavanco no público!
O elenco, afinado e corajoso, conta com Elle Fanning (miudinha, parece que uma boneca de porcelana prestes a quebrar), Jena Malone e participações de Karl Glusman, Keanu Reeves e Christina Hendricks.
Concorreu à Palma de Ouro e ao Queer Palm em Cannes, ganhando lá um o prêmio especial – a sessão foi marcada por vaias!

Demônio de neon (The neon demon). Dinamarca/França/EUA/Reino Unido, 2016, 117 min. Drama/Terror. Colorido. Dirigido por: Nicolas Winding Refn. Distribuição: California Filmes

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