segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Entrevista Especial

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João Ellyas: “Humor é sempre humor. Seja ingênuo ou sacana” (*)

Felipe Brida

Salim Muchiba, Zé Bento e Mamadinho da Silva. Personagens que fizeram sucesso dentro e fora de Catanduva. O primeiro deles, no país inteiro. E o responsável pela criação dessas figuras humorísticas é o renomado ator catanduvense João Ellyas.
A carreira artística do humorista, filho de alfaiate, começou no rádio na segunda metade dos anos 50. Ainda jovem, sua vontade era ser radialista. Para treinar a voz, anunciava comerciais no programa “Luar do Sertão”, apresentado por Maurílio Vieira. Na mesma época, o saudoso jornalista Lecy Pinotti deu a João Ellyas um nome artístico para que ele atuasse em programas radiofônicos – Escovinha, que depois virou Grachinha e tornou-se famoso.
A primeira incursão de Ellyas em emissoras da capital veio em 1964; o ator saiu de Catanduva, a convite do amigo Adoniram Barbosa, que o levou para a Rede Record para atuar no programa “Histórias da Maloca”. Ainda lá trabalhou com Otelo Zeloni, Zilda Cardoso, Renato Corte-Real e Ary Toledo.
Na metade dos anos 60 abandonou a carreira para ser comerciante. Casou-se em 1971, formou família e passou a dedicar-se aos filhos. Porém, o famigerado talento de Ellyas não poderia deixar de ser mostrado ao público. O ator voltou para a TV quase 20 anos depois, em 1990, na “A Praça é Nossa”, com seu personagem mais importante, o mão-de-vaca Salim Muchiba (foto abaixo). Depois Salim ganhou corpo na “Escolinha do Professor Raimundo”, onde Ellyas passou também a ser redator do programa.
Autor de quatro livros, pintor e poeta, João Ellyas, em entrevista especial ao Notícia da Manhã, relembra suas criações artísticas e discute a situação dos programas de humor na TV brasileira. Confira!


NM – Sobre TV e formatos, de que forma analisa o gênero comédia nos programas televisivos hoje em relação ao passado? Considera o conteúdo apelativo e nonsense?

Ellyas – Quem faz a comparação de “hoje a comédia está escrachada e abusada” são as pessoas mais velhas, de mentalidade conservadora. O humor de ontem e o humor de hoje são engraçados do mesmo jeito. Antigamente na cabeça do povo tudo era pecado; então se fazia o humor sem palavrão, água-com-açúcar. Hoje mudou-se o conceito, o mundo mudou. Os telespectadores não querem ver aquele humor ingênuo. Então é o próprio povo que deseja essa nova forma de comédia. Então as emissoras e os produtores de TV e cinema atendem a esses anseios.


NM – Mas a comédia na TV é hoje bastante criticada pelos abusos. O público ainda não se acostumou com essa mudança de conteúdo?

Ellyas – Quando há uma revolução no campo das artes, ela torna-se bastante criticada inicialmente. Depois o padrão vai se ajeitando. É o caso do Pânico na TV, que segue a linha do humor escrachado. A turma começou a ser criticada quando do surgimento do programa; eles reformularam o conteúdo, e hoje todos assistem ao programa. E o público entende muito bem a proposta. Pode ser que daqui a algumas décadas o humor passe por uma nova estruturação e aconteça outro tipo de humor. Se hoje você fizer o humor ingênuo, meu camarada... você não arranca risos de ninguém.
Apesar de eu ter vindo de uma geração do humor antigo, anos 60, não sou de comparar o “antes” com a atualidade. Humor é sempre humor. Ele segue duas alternativas: ou é engraçado ou não é. Se hoje reclamam dos palavrões, é porque também a hipocrisia ficou pra trás. Há maneiras de se dizer o mesmo palavrão: aquela sutil, brincalhona, e aquela agressiva, apelativa. Já percebi, nos shows que faço, que quando recrio um texto inteligente e bem sacado, ele não provoca o riso como aquele em que há sacanagem. E isto serve pra qualquer público. Se fez rir é porque valeu a pena.


NM – Identifica-se com qual tipo de humor?

Ellyas – Particularmente todos os tipos me fazem rir: os ingênuos e os sacanas; no entanto é necessário ser inteligente. O que não aprovo aquele humor característico do Pânico, de humilhar e denegrir a imagem das pessoas. Mas não posso negar que rio sempre. O povo é sacana e quer ver alguém tirar sarro na cara das pessoas. Mas vejo que o Pânico está maneirando; eles têm talento para fazer um humor sem ofender as pessoas. O povo já cansou de tanta bagunça. Por incrível que pareça não tenho mais saco para assistir a programas de humor nem a filmes. Apenas confiro rapidamente a programação com o objetivo de analisar o formato. Só. Ainda sou adepto do “ao vivo”, que é menos previsível e mais atraente. E ainda dá abertura para o improviso.


NM – Os personagens caipiras que faz, como o Zé Bento, por focarem o regionalismo e o ingênuo, funcionam fora do interior?
Ellyas – A maior prova de que o caipira funciona é analisarmos alguns ícones, como Mazzaropi, Nhô Moraes e Nerso da Capitinga. O caipira prevalece, tem uma fingida ingenuidade e uma sacanagem nos olhos. Faz-se de bobo pra dizer o que pensa. Esta é a graça do caipira. Não é só no Brasil, existem os caipiras norte-americanos – o seriado “A família Buscapé” fez muito sucesso. O caipira sempre trouxe público pro circo, pouco pra TV. Por isso acho que evitam colocá-lo em programas. Hoje não há mais circo. E o cinema brasileiro atinge sua maturidade, e não vai usar caipira no cinema. A oportunidade pro personagem está escassa. Eu, por exemplo, não vou fazer meu show como caipira, de jeito nenhum. Eu entro de smoking, faço piadas. Certo momento coloco a peruca, um dente postiço e a palheta e interpreto o Zé Bento. Aí o público fica doido... Por que isso? O público quer saber se você é um artista bem informado e inteligente ou se você é um completo idiota. Há comediantes idiotas, mas engraçados; e o público ri dele. Se eu chegar de supetão como caipira e passar o tempo todo como caipira, o público vai cansar e me achar um babaca. Por isso primeiro você mostra que não é bobo, e depois deixa surgir o caipira. A aceitação é unânime.


NM – O senhor atuou por vários anos em uma das maiores emissoras de TV do mundo, a Rede Globo. Considera-se um artista que vive o glamour de ator?

Ellyas – Diferente de muitos colegas, nunca gostei de viver como artista famoso. É da minha índole isto. Nunca me encantei por glamour ou fama. Sou um cidadão simples, que adora morar no interior. Aliás, sempre fiquei em Catanduva; na época da Globo nunca transferi meu domicílio para São Paulo.


NM – Qual a dedicação artística de João Ellyas hoje?

Ellyas – Sou âncora de um programa semanal de humor na rádio Elektro, onde interpreta personagens, falo sobre economia, alertas, notícias de serviço social e de interesse público. Também viajo promovendo shows fechados para convenções empresariais e faculdades. No segmento da literatura, preparo um romance policial. Vivo minha vida em Catanduva, tranqüilo e feliz, e ainda por cima estou trabalhando, graças a Deus! Não saio daqui nem a pau.


(*) Entrevista publicada no jornal Notícia da Manhã, periódico de Catanduva, na edição do dia 10/10/2008. Créditos para a primeira foto de J. Ellyas: Arquivo/Notícia da Manhã. Segunda foto: Divulgação.

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